sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Século I - Tibério Expulsa Judeus de Roma em 19 EC




Tibério Expulsa Judeus de Roma em 19 EC

Com o objetivo de expulsar judeus de Roma, Tibério enviou 4000 homens judeus residentes para serviço militar na Sardenha. O que desencadeou esta resolução foi o caso de uma mulher romana que foi convertida ao judaísmo e, mais tarde, foi defraudada por elementos da comunidade judaica.

Este incidente notável no reino de Tibério, em 19 EC, é mencionado por seis autores da antiguidade, mas com diferentes níveis de detalhe - Flávio Josefo, Filo de Alexandria, Tácito, Suetónio, Cassius Dio e Séneca.

A conversão ao judaísmo de uma mulher romana de elevado estatuto social e a subsequente fraude de que foi vítima por parte de um grupo de vigaristas judeus irritaram tanto Tibério que ele decidiu tomar uma atitude drástica: enviar 4.000 judeus de Roma para serviço militar na Sardenha. Todos os outros judeus deveriam partir da Itália, a menos que renunciassem à sua fé. 

Isto atesta a conversão de "pagãos" ou "gentios" ao judaísmo, possivelmente o mesmo tipo de judaísmo que o apóstolo Paulo pregava nos anos 50! E isto passou-se no ano 19!

O que ficamos a saber através dos relatos sobre este incidente:

 - em 19 EC ou antes, já os judeus de Roma convertiam gentios, incluindo pessoas de elevado estatuto social - muito antes do apóstolo Paulo; 

 - Tibério proibiu cultos estranhos aos costumes romanos - incluindo cultos de judeus e de egípcios;

 - os judeus foram perseguidos em Roma, durante o tempo de Tibério;

 - romanos de famílias prestigiadas, tal como Séneca na sua juventude, durante o reinado de Tibério poderiam ser perseguidos se fossem suspeitos de seguir cultos não romanos, que foram interditos;


Tudo isto é muito similar às histórias de perseguição dos cristãos que se tornaram muito frequentes em épocas posteriores. Só que aqui trata-se de judaísmo e não cristianismo.


Quem escreveu sobre isto

Flávio Josefo (37 a 100 EC), quase contemporâneo de Tibério, é quem descreve com mais detalhe este incidente que ocorreu durante o reinado de Tibério (reinou de 14 a 37 EC):

Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, XVIII, 3, 5

Havia um homem que era judeu, mas foi expulso de seu próprio país por uma acusação contra ele por transgredir suas leis e, por receio, foi punido por isso; mas em todos os aspetos um homem perverso. Ele, então morando em Roma, professou instruir os homens na sabedoria das leis de Moisés. Ele também conseguiu três outros homens, inteiramente do mesmo caráter que ele, para serem seus parceiros. Esses homens persuadiram Fúlvia, uma mulher de grande dignidade, que havia abraçado a religião judaica, a enviar púrpura e ouro ao templo de Jerusalém; e quando os obtiveram, eles os empregaram para seu próprio uso e gastaram eles próprios o dinheiro que exigiram dela. Diante disso, Tibério, que fora informado do caso por Saturnino, marido de Fúlvia, que desejava que fossem feitas investigações a respeito, ordenou que todos os judeus fossem banidos de Roma; ao que os cônsules alistaram quatro mil homens deles e os enviaram para a ilha da Sardenha; mas puniu um grande número deles, que não estavam dispostos a se tornar soldados, por guardarem as leis de seus antepassados. Assim, esses judeus foram banidos da cidade pela maldade de quatro homens.


Cassius Dio (155 a 235 EC) fornece uma pista mais rigorosa para determinar exatamente o ano em que isto ocorreu - foi no consulado de Marcus Junius e Lucius Norbanus, ou seja, 19 EC:

Cassius Dio, livro LVII, 18

... Mais tarde, quando Marcus Junius e Lucius Norbanus assumiram o cargo... 

Como os judeus acorreram a Roma em grande número e estavam convertendo muitos dos nativos aos seus costumes, ele baniu a maioria deles.


Mas Cassius Dio não foi contemporâneo de Tibério.


Séneca (que viveu de 4 AEC a 65 EC) apresenta uma visão circunstancial da sua própria experiência. Ele, na sua juventude (em 19 EC teria uns 23 anos), durante o reinado de Tibério, tornou-se vegetariano, o que poderia ser erradamente interpretado como se ele tivesse adotado um culto estranho aos costumes romanos. Ele corria o risco de vir a ser perseguido, pois os cultos estrangeiros teriam sido proibidos durante o tempo de Tibério:

Séneca, Cartas a Licínio, 108, 22

Fiquei imbuído desse ensino e comecei a me abster de comida animal; ao fim de um ano, o hábito era tão agradável quanto fácil. Eu estava começando a sentir que minha mente estava mais ativa; embora hoje eu não afirme positivamente se realmente foi ou não. Você me pergunta como eu abandonei a prática? Foi assim: Os dias da minha juventude coincidiram com o início do reinado de Tibério César. Alguns ritos estrangeiros estavam então sendo introduzidos, e a abstinência de certos tipos de comida animal foi declarada como uma prova de interesse pelo estranho culto. Assim, a pedido de meu pai, que não temia ser perseguido, mas detestava filosofia, voltei aos meus hábitos anteriores; e não foi muito difícil induzir-me a jantar com mais conforto.


Temos, por outro lado, o testemunho de Filo de Alexandria (20 AEC a 50 EC), que fala das "injustas" penalizações que os judeus sofreram por instigação de Sejano, adjunto de Tibério. Filo foi contemporâneo de Tibério, mas na sua obra "Embaixada a Gaio" está a fazer uma apologia das virtudes dos judeus. Filo também diz que, após a morte de Sejano, em 31 EC, Tibério tentou corrigir o excesso de penalização que os judeus sofreram. Filo quer fazer de Sejano um vilão e de Tibério um herói para os judeus:

Filo de Alexandria, Embaixada a Gaio, 159-161

Portanto, todas as pessoas em todos os países, mesmo que não fossem naturalmente bem inclinadas para a nação judaica, tomaram grande cuidado para não violar ou atacar qualquer um dos costumes judaicos das leis. E no reinado de Tibério as coisas continuaram da mesma maneira, embora naquela época as coisas na Itália estivessem confusas quando Sejano se preparava para fazer seu atentado contra o nosso povo.

Pois ele [Tibério] soube imediatamente após sua morte [de Sejano] que as acusações que haviam sido feitas contra os judeus que moravam em Roma eram falsas calúnias, invenções de Sejano, que estava desejoso de destruir nossa nação, que ele conhecia sozinho, ou acima de todas as outras, provavelmente se oporia a seus profanos conselhos e ações em defesa do imperador, que corria grande perigo de ser atacado, violando todos os tratados e toda a honestidade. 

E ele enviou ordens a todos os governadores de províncias em cada país para confortar os de nossa nação em suas respetivas cidades, visto que a punição que se pretendia infligir não era para ser infligida a todos, mas apenas aos culpados; e eles eram poucos. E ordenou-lhes que não mudassem nenhum dos costumes existentes, mas que os considerassem promessas, visto que os homens eram pacíficos em suas disposições e caráter natural, e suas leis os treinavam e os dispunham à quietude e estabilidade.


Tácito e Suetónio são dois historiadores do fim do século I e início do século II.

Tácito (56 a 120 EC) fala da proibição do culto egípcio e judaico, durante o reino de Tibério, e da aprovação pelo Senado para a expulsão de 4000 homens "infetados com a superstição" sob o pretexto de serviço militar:

Tácito, Anais, Livro II, 85

Também houve um debate sobre a expulsão do culto egípcio e judaico, e uma resolução do Senado foi aprovada para que quatro mil libertos que estavam infetados com essas superstições e eram de idade militar deveriam ser transportados para a ilha da Sardenha, supostamente para reprimir o banditismo local, mas um sacrifício barato caso morressem por causa do clima pestilento. Os demais deveriam deixar a Itália, a menos que antes de um certo dia repudiassem seus rituais ímpios.


Suetónio (69 a 140 EC) também refere a expulsão de judeus sob o pretexto de serviço militar obrigatório:

Suetónio, Vida de Tibério, 36

Ele [Tibério] suprimiu todas as religiões estrangeiras e os ritos egípcio e judaico, obrigando aqueles que praticavam esse tipo de superstição, a queimar suas vestes e todos os seus utensílios sagrados. Ele distribuiu os jovens judeus, sob o pretexto do serviço militar, entre as províncias conhecidas por um clima insalubre; e despediu da cidade todo o resto daquela nação, bem como aqueles que eram prosélitos daquela religião, sob pena de escravidão para a vida, a menos que eles obedecessem. Ele também expulsou os astrólogos; mas após o processo de perdão e prometendo renunciar a sua profissão, ele revogou seu decreto.


O Vídeo



Referências:

 - Josefo, Antiguidades Judaicas - http://www.earlyjewishwritings.com/text/josephus/ant18.html

 - Filo, Embaixada a Gaio - http://www.earlyjewishwritings.com/text/philo/book40.html

 - Cassius Dio, livro LVII - https://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/Cassius_Dio/57*.html

 - Tacito, Anais, livro II, 85 - https://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0078%3Abook%3D2%3Achapter%3D85

 - Suetónio, Vida de Tibério, 36 - http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.02.0132%3Alife%3Dtib.%3Achapter%3D36

 - Séneca, Cartas a Licínio, 108, 22 - https://en.wikisource.org/wiki/Moral_letters_to_Lucilius/Letter_108

 - The Expulsion of Jews from Rome under Tiberius - Elmer Truesdell Merrill: https://www.jstor.org/stable/263501?seq=1#metadata_info_tab_contents

 - Were the Jews Banished from Rome in 19 A.D.? Ernest L. Abel - https://www.persee.fr/doc/rjuiv_0484-8616_1968_num_127_4_1609



domingo, 19 de dezembro de 2021

Evangelhos - O Hipotético Evangelho Q


 


Hipótese da Dupla Fonte para Mateus e Lucas

Os académicos que estudaram o Novo Testamento notaram que Mateus, Marcos e Lucas tinham uma estrutura narrativa muito semelhante. Por isso começaram a chamar estes três evangelhos de "sinópticos".

Por outro lado, também viram que existiam discursos ou ditos de Jesus em Mateus e Lucas que não existiam em Marcos. Por isso propuseram a hipótese da “Dupla Fonte” que sustenta que foram utilizadas as duas seguintes fontes para a criação dos evangelhos Mateus e Lucas:

-          Marcos – considerada a fonte da estrutura narrativa, comum aos sinópticos, da vida pública de Jesus;

-          Q – uma outra fonte, designada por Evangelho Perdido Q (do alemão “Quelle” - “fonte”), cujo conteúdo seriam os textos que se encontram simultaneamente em Mateus e Lucas (cerca de 200 versículos) mas que não se encontram em Marcos. Trata-se de um texto hipotético, pois jamais foi encontrado um manuscrito com este conteúdo, o qual pode ter sido uma colecção de pensamentos e dizeres de Jesus, com pouca ou nenhuma estrutura narrativa. Também é designado por Evangelho dos Dizeres Q.


Esta hipótese é baseada em três premissas:
1) Marcos forneceu a estrutura narrativa para a composição de Mateus e Lucas, porque:
-          MateusMarcos e Lucas têm semelhança na sequência narrativa e concordam por vezes ao nível da composição de frases;
-          em algumas passagens Mateus concorda com Marcos, mas não com Lucas;
-          em algumas passagens Lucas concorda com Marcos, mas não com Mateus;
-          Mateus e Lucas quase nunca concordam em composição e sequência, embora concordem em conteúdo, exceptuando material encontrado também em Marcos.


2) é que os autores, “Mateus” e “Lucas”, criaram os seus trabalhos independentemente, isto é, “Mateus” não conhecia o trabalho de “Lucas” e vice-versa.

3) como também há semelhança em material comum a Mateus e Lucas, e que não existe em Marcos, a terceira premissa é que teria de haver uma segunda fonte comum à qual foi dado o nome de Evangelho Q.




Referência web: Fonte Q (wikipedia).

Para além de material proveniente da “Dupla Fonte”, tanto Mateus como Lucas apresentam também material exclusivo. Material exclusivo, neste caso, não quer dizer material original. Por exemplo, o Antigo Testamento é extensivamente utilizado em Mateus, constituindo também uma importante fonte.


Contra o Evangelho Q

Mateus e Lucas são demasiado parecidos para terem sido redigidos de modo independente com base em Marcos e "Q", pois, para além destes conteúdos, também:

- ambos têm uma natividade

- ambos têm uma genealogia

- ambos têm uma narrativa pós-ressurreição


Estes três tipos de conteúdos não estão previstos no hipotético Evangelho Q.

Portanto Mateus e Lucas não podem ser independentes. Como é que dois autores se lembram de forma independente estruturar a sua obra da mesma maneira: com uma natividade, uma genealogia, semelhante estrutura narrativa, semelhantes dizeres de Jesus, e uma narrativa pós-ressurreição?
A hipótese mais sã é que Lucas é dependente de Mateus. Seria assim:

-          Marcos – foi redigido para defender que o cristianismo não era um simples ramo do judaísmo e, portanto, poderia ser seguido por não judeus (num texto particularmente orientado para romanos); os seguidores do cristianismo não necessitariam de seguir normas judaicas; Jesus ilustra uma certa ruptura com o judaísmo.

-          Mateus – o autor, que provavelmente pertenceria a uma comunidade judaica, pegou no texto de Marcos e alterou o sentido para mostrar que, afinal, o cristianismo era uma continuação do judaísmo; quem quisesse ser cristão teria de ser judeu ou converter-se ao judaísmo; Jesus é uma personagem que só faz sentido no universo judaico.

-          Lucas – este autor pegou no texto de Mateus criando uma nova versão para novamente defender que o cristianismo seria uma doutrina para não judeus (orientado para gregos); Jesus teria cortado com o judaísmo, principalmente nas regras demasiado penalizadoras para as mulheres. Pegou também nas ideias de Mateus sobre a natividade, a genealogia e a narrativa pós-ressureição e desenvolveu esta 



Referências:
 - Mark Goodacre - The case against Q


domingo, 28 de novembro de 2021

Século I - Josefo sobre Jesus ben Sapphias




Josefo sobre Jesus ben Sapphias

Um "Jesus" que terá contribuído para a criação da personagem Jesus Nazareno, poderá muito bem ter sido Jesus filho de Sapphias (ou Saphat), descrito por Josefo em "Vida (Autobiografia)" e "Guerra dos Judeus". Outro terá sido Jesus ben Ananias, discutido noutro artigo deste blog.


Quem era Josefo?

Flávio Josefo, originalmente Yussef ben Matatias, nasceu em Jerusalém por volta de 37 EC e era de uma família da aristocracia sacerdotal. Aos 19 anos tornou-se um notável fariseu e aos 30 participou na Grande Revolta Judaica de 66 a 67 EC, como líder militar na Galileia. Quando a vitória dos romanos se tornou evidente, Josefo preferiu ser capturado pelas tropas romanas, do que participar num pacto suicida entre os seus companheiros de guerra. De prisioneiro rapidamente passou a protegido do general (depois imperador) romano Flávio Vespasiano e do filho Flávio Tito e, devido a isso, adoptou o nome destes. Pouco depois da queda de Jerusalém, seguiu Tito até Roma e lá recebeu a cidadania romana, uma pensão, assim como o livre acesso à corte de Tito e de Domiciano.

Josefo pertencia à aristocracia sacerdotal judaica de Jerusalém. Quando a rebelião dos judeus estourou na Galileia, em 66 EC, Josefo foi enviado para lá, com poderes de comandante-em-chefe (general), de modo pôr ordem no processo revolucionário.

É na Galileia, em Tibérias, que Josefo conhece Jesus ben Sapphias. Incialmente, este Jesus é lider de um bando de "marinheiros" (pescadores?) e pobres mas, pouco depois, já se encontra como principal magistrado de Tibérias.


Quem era Jesus ben Sapphias?

Josefo refere Jesus ben Sapphias como general dos judeus, líder na revolta contra os romanos.

Guerra dos Judeus, II, XX, 4

Outros generais foram escolhidos para a Idumeia, nomeadamente, Jesus, filho de Sapphias, um dos principais sacerdotes, e Eleazar, filho do sumo-sacerdote Ananias....


Uma das principais cidades da Galileia era Tibérias, junto ao lago da Galileia. Nessa cidade havia um palácio que havia sido construído por Herodes Ântipas (governador da Galileia até 39 EC). 

Josefo é enviado de Jerusalém para a Galileia. Uma das ordens que traz de Jerusalém é a destruição do palácio de Herodes, em Tibérias, porque este palácio continha símbolos pagãos.

No entanto, para desagrado de Josefo, Jesus ben Sapphias, chegou primeiro e já tinha incendiado o palácio. Para além disse, este Jesus e o seu grupo massacraram muitos gentios de Tibérias.

Na descrição deste episódio, Josefo descreve Jesus ben Sapphias como lider de "marinheiros e pobres".

Vida de Josefo, 12

Então, assim que entrei na Galileia e soube o estado de coisas pelas informações que me deram, escrevi ao Sinédrio em Jerusalém sobre isso e solicitei orientação sobre o que eu deveria fazer. A orientação deles era que eu deveria continuar lá e, se meus companheiros legados quisessem, eu deveria me juntar a eles defendendo a Galileia. Mas aqueles meus companheiros legados, tendo obtido grandes riquezas com os dízimos que, como sacerdotes, eram o seu ganho e que lhes foi dado, decidiram voltar para seu próprio país. No entanto, quando solicitei que ficassem o tempo suficiente para resolver os assuntos públicos, eles obedeceram. Então, me afastei, junto com eles, da cidade de Séforis, e cheguei a uma certa aldeia chamada Betemaus, a quatro estádios de distância de Tibérias. De lá enviei mensageiros ao senado de Tibérias e solicitei que os principais homens da cidade viessem a mim. Quando eles vieram, incluindo o próprio Justus, eu disse-lhes que lhes fui enviado pelo povo de Jerusalém como um legado, junto com esses outros sacerdotes, a fim de persuadi-los a demolir aquela casa que Herodes - o tetrarca havia construído ali, e que continha figuras de criaturas vivas, embora nossas leis nos proibissem de fazer tal figuras - e eu desejava que eles nos dessem permissão para o fazer imediatamente. Mas, por um bom tempo, Capellus e os principais homens pertencentes à cidade não nos deram licença, mas foram por fim inteiramente dominados por nós e induzidos a ter nossa opinião. Assim, Jesus, filho de Sapphiasum dos que já mencionamos como o líder de um tumulto sedicioso de marinheiros e pobres, nos precedeu, e levou consigo certos galileus, pôs fogo no palácio, pois achou que deveria conseguir muito dinheiro com isso, porque viu que alguns dos telhados eram folheados em ouro. Eles também saquearam grande parte da mobília, o que foi feito sem nossa aprovação. Depois de termos conversado com Capellus e os principais homens da cidade, partimos de Betmaus e fomos para a Alta Galiléia. Mas Jesus e seu grupo massacraram todos os gregos que eram habitantes de Tiberias e tantos outros quantos eram seus inimigos antes do início da guerra.


Josefo chega a Séforis (a cidade considerada capital da Galileia, a cerca de 30km de Tibérias), mas os habitantes desta cidade desconfiam do propósito dele e pedem a Jesus ben Sapphias para o apanhar. Mas Josefo, apercebe-se disso e, numa reviravolta, captura Jesus. No entanto Josefo foi magnânimo com Jesus e liberta-o, dando-lhe uma segunda oportunidade.

Vida de Josefo, 22

Mas os habitantes desta cidade [Séforis], tendo decidido continuar em sua fidelidade aos romanos, temeram que eu fosse até eles e tentaram, colocando-me em outra ação, para me distrair, para que eles pudessem se libertar do terror que eles estavam dentro. Assim, eles enviaram a Jesus, o capitão dos ladrões que estavam nos confins de Ptolemais, e prometeram dar-lhe muito dinheiro, se ele viesse com aquelas forças que ele tinha com ele, que eram em número oitocentos, e lutasse connosco. Consequentemente, ele cumpriu o que eles desejavam, conforme as promessas que lhe haviam feito, e estava desejoso de cair sobre nós quando não estávamos preparados para ele e nada sabíamos de sua vinda de antemão. Então ele me enviou e desejou que eu lhe desse permissão para vir me saudar. Depois de lhe dar essa permissão, que fiz sem o menor conhecimento de suas intenções traiçoeiras, ele pegou seu bando de ladrões e se apressou em vir até mim. No entanto, sua velhacaria não teve sucesso afinal; pois como ele já estava quase se aproximando, um dos que estavam com ele o abandonou e veio até mim e me contou o que havia se comprometido a fazer. Quando fui informado disso, fui ao mercado e fingi não saber nada de seu propósito traiçoeiro. Levei comigo muitos galileus armados, como também alguns de Tibérias. Depois de ter dado ordens para que todas as estradas fossem cuidadosamente guardadas, ordenei aos guardiões dos portões que não dessem entrada a ninguém além de Jesus, quando ele viesse, bem como os seus principais homens, e excluíssem o resto. No caso de quererem forçar, repeli-los. Consequentemente, aqueles que receberam tais ordens fizeram o que lhes foi ordenado, e Jesus entrou com alguns outros. Ordenei-lhe que baixasse as armas imediatamente, e disse-lhe que se ele se recusasse a fazer isso, ele era um homem morto. Ele, vendo homens armados parados ao seu redor, ficou apavorado e obedeceu. Quanto aos seus seguidores que foram excluídos, quando foram informados de que ele foi preso, fugiram. Então chamei Jesus sozinho e disse-lhe que "eu não era desconhecedor daquele desígnio traiçoeiro que ele tinha contra mim, nem era ignorante por quem ele foi enviado; que, no entanto, eu o perdoaria pelo que ele já tinha feito, se ele se arrependesse disso, e fosse fiel a mim no futuro". E assim, sob sua promessa de fazer tudo o que eu desejasse, eu o deixei ir, e dei-lhe permissão para reunir aqueles que ele anteriormente tinha com ele novamente. Mas ameacei os habitantes de Séforis, que, se eles não abandonassem seu tratamento ingrato para comigo, eu os puniria de acordo.


Algum tempo depois, Jesus ben Sapphias, agora como principal magistrado de Tibérias, é referido como acusando Josefo de traição e instigando a sua captura e castigo.

Guerra dos Judeus, II, XXI, 3

Por esta altura, alguns jovens da aldeia de Dabarita (perto do Monte Tabor), pertencentes a unidades da guarda postada na Grande Planície, montaram uma emboscada a Ptolomeu, o supervisor de Agripa e Berenice, e roubaram-lhe toda a bagagem que ele escoltava, incluindo uma grande quantidade de sumptuosas vestes, um grande número de taças de prata e seiscentas moedas de ouro. Incapazes de escoarem secretamente tamanho saque, trouxeram-mo - eu encontrava-me em Tariqueia. Censurei-os pelo ato de violência cometido contra os servos do rei e confiei os bens à guarda de Aneu, ao mais importante cidadão de Tariqueia, pretendendo devolvê-los aos seus legítimos proprietários quando a oportunidade se apresentasse. Esta minha atitude colocou-me em grande perigo porque os saqueadores, indignados por não receberem nenhuma parte dos despojos e adivinhando a minha intenção de devolver ao rei e à rainha o fruto dos seus labores, percorreram as aldeias de noite, denunciando-me a toda a gente como traidor. Também provocaram uma grande agitação nas cidades vizinhas, pelo que, ao nascer do sol, cem mil homens em armas se tinham congregado contra mim. A multidão, reunida no hipódromo de Tariqueia, manifestava-se em irada gritaria. Alguns exigiam a minha lapidação como traidor, outros que fosse queimado vivo. A turba era agitada por João [de Giscala], e também por Jesus, filho de Sapphias, então o principal magistrado de Tibérias. Os meus amigos e a minha guarda pessoal, aterrorizados perante o avanço da multidão, fugiram - excepto quatro. Eu estava a dormir e apenas acordei no momento em que os meus inimigos se preparavam para incendiar a casa. Os meus quatro fiéis companheiros aconselharam-me a fugir mas eu, sem me deixar atemorizar pelas deserções nem pelo número dos atacantes, saí de casa com as vestes rasgadas e cinzas espalhadas na cabeça, de mãos atrás das costas e com a minha espada pendurada ao pescoço. Os meus amigos mais íntimos, particularmente os Tariqueus, compadeceram-se perante este espetáculo, mas os camponeses e os que me achavam um empecilho recriminaram-me, exigiram-me que lhes mostrasse imediatamente os dinheiros públicos e que confessasse o meu esquema de traição ...


Na sua autobiografia, Josefo refere quase a mesma coisa: que existem rumores que ele vai traír os judeus em favor dos romanos. Os rumores foram difundidos principalmente por Jesus ben Sapphias. 

Vida de Josefo, 27 

Quando toda a Galileia estava cheia deste boato, que seu país estava prestes a ser traído por mim para os romanos, e quando todos os homens ficaram exasperados contra mim, e prontos para me punir, os habitantes de Tariqueia também o fizeram. Eles próprios criam que o que os rapazes disseram era verdade, e persuadiram meus guardas e homens armados a me deixarem quando eu estava dormindo, e a irem logo ao hipódromo, a fim de ali se aconselharem contra mim seu comandante. E quando eles prevaleceram com eles, e eles estavam reunidos, eles encontraram lá um grande grupo já reunido, que todos se uniram em um clamor, para trazer o homem que era tão mau a ponto de traí-los, para seu devido castigo, e foi Jesus, o filho de Sapphias, quem principalmente os atiçouEle era o principal magistrado de Tibérias e era um homem perverso e naturalmente disposto a causar distúrbios em questões importantes. Ele era realmente uma pessoa sediciosa, e um inventor de verdades além de qualquer outra pessoa. Ele então tomou as leis de Moisés em suas mãos, e veio para o meio do povo, e disse: "Ó meus concidadãos! Se vocês não estão dispostos a odiar Josefo por sua própria conta, respeitem, entretanto, essas leis de seu país, que o vosso comandante-em-chefe vai trair. Odeiem-no, portanto, por ambas os crimes, e tragam o homem que agiu assim com insolência, ao seu merecido castigo."


Josefo refere mais alguns incidentes envolvendo Jesus ben Sapphias.

Vida de Josefo, 53,54

Jónatas e seus colegas, tendo falhado em cumprir o que teriam feito contra mim, mandaram João de volta a Giscala, mas foram eles mesmos à cidade de Tibérias, esperando que ela se submetesse a eles; e isso foi fundamentado em uma carta que Jesus, seu então principal magistrado, havia escrito a eles, prometendo que, se eles viessem, a multidão os receberia e escolheria ficar sob seu governo; então eles seguiram seus caminhos com essa expectativa. Mas Silas, que, como eu disse, fora deixado por mim como curador de Tibérias, informou-me disso e pediu que me apressasse para lá. Consequentemente, acatei seu conselho imediatamente e fui para lá; mas encontrei-me em perigo de vida, na seguinte ocasião: Jônatas e seus colegas estiveram em Tibérias e persuadiram muitos dos que discutiam comigo a me abandonar; mas quando souberam da minha vinda, temeram por si próprios e vieram ter comigo; e quando me saudaram, disseram que eu era um homem feliz por ter me comportado tão bem no governo da Galiléia; e felicitaram-me pelas honras que me foram prestadas: pois diziam que minha glória era um crédito para eles, visto que haviam sido meus professores e concidadãos; e eles disseram ainda que era justo que eles preferissem minha amizade a eles em vez de João, e que eles teriam voltado imediatamente para casa, mas eles permaneceram para que pudessem entregar John em meu poder; e quando eles disseram isso, fizeram seus juramentos sobre isso, e aqueles que são mais importantes entre nós, e aqueles que eu não achei conveniente descrer. Porém, eles queriam que eu me hospedasse em algum outro lugar, porque no dia seguinte era sábado, e que não era adequado a cidade de Tibérias deveria ser perturbada [naquele dia].

Portanto, não suspeitei de nada e fui embora para Tariqueia; ainda assim, deixei alguns para indagar na cidade como iam as coisas, e se alguma coisa foi dita sobre mim: eu também coloquei muitas pessoas por todo o caminho que levava de Tariqueia a Tibérias, para que pudessem se comunicar entre si, se eles souberam de qualquer notícia daqueles que ficaram na cidade. No dia seguinte, portanto, todos eles vieram para o Proseuca (lugar de oração); que era um edifício grande, e capaz de receber um grande número de pessoas; para lá Jónatas entrou e, embora não se atrevesse a falar abertamente de uma revolta, disse que a cidade deles precisava de um governador melhor do que antes. Mas Jesus, que era o principal magistrado, não teve escrúpulos em falar abertamente, e disse: "Ó concidadãos! É melhor para vós estar sujeito a quatro do que a um; e aqueles que são de nascimento nobre, e não sem reputação por sua sabedoria; " e apontou para Jónatas e seus colegas. Ao dizer isso, Justus entrou e elogiou-o pelo que havia dito e persuadiu algumas pessoas a concordarem também. Mas a multidão não gostou do que foi dito e certamente entrou em tumulto, a menos que a hora sexta, que agora era chegada, houvesse dissolvido a assembleia, hora em que nossas leis exigem que jantemos nos dias de sábado; então Jónatas e seus colegas adiaram o conselho para o dia seguinte e partiram sem sucesso. Quando fui informado desses acontecimentos, resolvi ir à cidade de Tibérias pela manhã. Assim, no dia seguinte, por volta da primeira hora do dia, vim de Tariqueia e encontrei a multidão já reunida na Proseuca; mas por que razão foram reunidos, os que estavam reunidos não sabiam. Mas quando Jónatas e seus colegas me viram lá inesperadamente, eles estavam em desordem; após o que eles levantaram um relatório de sua própria invenção, que cavaleiros romanos foram vistos em um lugar chamado União, nas fronteiras da Galileia, a trinta estádios [cerca de 6km] de distância da cidade. Após esse relatório, Jónatas e seus colegas astuciosamente me exortaram a não negligenciar este assunto, nem permitir que a terra fosse estragada pelo inimigo. E isso eles disseram com o intuito de me remover da cidade, sob o pretexto da falta de ajuda extraordinária, enquanto eles poderiam dispor a cidade para ser minha inimiga.


Entretanto, Nero comissiona Vespasiano para conter a revolta dos Judeus. Em 67 EC, Vespasiano dirige-se para a Galileia.

Quando Vespasiano chega à Galileia, a primeira cidade que reconquista aos rebeldes é Tibérias. A cidade onde Jesus ben Sapphias era magistrado.

Guerra dos Judeus, III, IX, 7 e 8

Vespasiano fora visitar o reino de Agripa, convidado pelo rei com o duplo objetivo de conciliar o general e as suas tropas com toda a riqueza da sua casa real e de sufocar, com a sua ajuda, as desordens que se verificavam no reino. Deixando Cesareia Marítima, Vespasiano dirigiu-se à outra Cesareia, chamada Cesareia de Filipe. Aí descansou as suas tropas durante vinte dias, enquanto era convidado para banquetes e festas e agradecia a Deus os sucessos que obtivera. Mas quando soube que havia descontentamento em Tibérias e que Tariqueia já se encontrava em rebelião - as duas cidades formavam parte do reino de Agripa - pensou que era tempo de marchar contra os rebeldes, dada a sua firme intenção de esmagar os Judeus onde quer que se revoltassem e também para retribuir a hospitalidade de Agripa obrigando as cidades a submeterem-se de novo à sua autoridade. Assim, enviou Tito a Cesareia para reunir as tropas lá aquarteladas e conduzi-las para Citópolis, a maior cidade da Decápolis que ficava perto de Tibérias. Depois de o seu filho se lhe ter juntado avançou com as três legiões e acampou a trinta estádios de Tibérias, numa localidade chamada Senábris, bem à vista dos rebeldes. Deste local enviou o decurião Valeriano e cinquenta cavaleiros com propostas de paz para os cidadãos e um convite para entrarem em negociações. Vespasiano fora informado de que a maioria do povo desejava a paz, e que apenas alguns sediciosos o estavam a pressionar para entrar em hostilidades. Ao chegar junto das muralhas, Valeriano desmontou e ordenou aos seus homens para fazer o mesmo com o objetivo de não darem a sensação de que se apresentavam a combater. Mas antes de ter lugar qualquer negociação, os principais promotores da rebelião saíram em armas ao seu encontro, liderados por um certo Jesus, filho de Sapphias, o cabecilha deste bando de rufiões. Valeriano considerou ser imprudente combatê-los devido às ordens que tinha do seu general - ainda que estivesse certo de os vencer -  e também que seria perigoso enfrentar um grande exército com uma força pequena e mal preparada. Em suma, foi apanhado desprevenido pela inesperada ousadia dos Judeus e fugiu a pé. tendo cinco dos seus companheiros abandonado também as montadas. Os homens de Jesus regressaram triunfalmente à cidade com os cavalos, tão jubilosos como se os tivessem capturado em combate e não num ataque de surpresa. 

Temendo as consequências deste incidente, os anciãos e os cidadãos mais respeitados fugiram para o acampamento romano e, depois de obterem o apoio do rei, lançaram-se como suplicantes aos pés de Vespasiano, implorando-lhe que tivesse consideração por eles e que não imputasse a todos os habitantes a loucura de alguns, que poupasse um povo que sempre fora amigo dos Romanos e castigasse os autores da rebelião. em cujo poder eles próprios tinham estado até ao momento apesar de ansiosos para entrarem em negociações. O general, ainda que indignado com toda a população por causa da captura dos cavalos, cedeu às súplicas porque via que Agripa estava genuinamente preocupado com a cidade. Assim, os delegados acordaram termos em nome dos seus concidadãos e Jesus e o seu partido, pensando já não estarem em segurança em Tibérias, fugiram para Tariqueia. No dia seguinte, Vespasiano enviou Trajano [comandante da X legião] ao cimo da colina para se inteirar se a multidão tinha intenções de paz. Depois de ter a certeza de que o povo estava em sintonia com os negociadores, Vespasiano avançou com o exército para a cidade. A população abriu-lhes as portas e saiu a aclamá-lo, louvando-o como seu salvador e benfeitor.


Jesus ben Sapphias foge para Tariqueia, mas a cidade é reconquistada por Tito, filho de Vespasiano.

Guerra dos Judeus III, X, 1 a 5

Continuando a sua marcha, Vespasiano montou o seu acampamento entre Tibérias e Tariqueia, fortificando-o melhor do que habitualmente, devido às hostilidades iminentes. De facto, todos os revolucionários acorriam já a Tariqueia, confiantes na força da praça e na sua proximidade do lago, ao qual os nativos da área chamam Genesaré. A cidade construída, como Tibérias, no sopé de colinas, fora completamente por mim rodeada de altas muralhas - excepto no lado do lago. Mas as muralhas não eram tão fortes como as de Tibérias, que contruí no início da revolta com abundantes recursos, enquanto as de Tariqueia foram erguidas com o que sobrara. Além do mais, os habitantes possuíam uma frota considerável no lago, para servir de refúgio se fossem derrotados em terra e equipada para um combate naval caso fosse necessário. Enquanto os Romanos entrincheiravam o seu campo, Jesus e os seus companheiros, sem se deixarem intimidar pela ordeira disciplina do inimigo, efetuaram uma surtida e, ao primeiro ataque, dispersaram os trabalhadores e derrubaram parte das paliçadas. Todavia, quando viram os legionários a concentrar-se, recuaram apressadamente, sem sofrerem quaisquer baixas. Os Romanos perseguiram-nos e obrigaram-nos a refugiarem-se nos barcos. Afastando-se da margem mas deixando os Romanos ao alcance dos seus arcos, os revoltosos lançaram âncora e, colocando as suas embarcações lado a lado como um exército em linha de combate, travaram uma espécie de "combate naval" contra o inimigo. Todavia, Vespasiano, ao saber que o corpo principal dos Judeus se encontrava concentrado na planície junto à cidade, enviou para lá o seu filho [Tito] com 600 cavaleiros de elite.....

Tito... Depois de assim falar, montou, conduziu as suas tropas para o lago, cavalgou pela água e foi o primeiro a entrar na cidade [contornando a muralha], seguido dos seus homens. Tomados de pânico face à sua ousadia, nenhum dos defensores que se encontravam nas muralhas se arriscou a resistir-lhe. Todos abandonaram os seus postos e fugiram, os seguidores de Jesus para o interior e os outros para o lago. Mas estes deram com o inimigo, que avançava ao seu encontro. Alguns foram mortos ao embarcar, outros quando tentavam nadar até aos seus companheiros que se encontravam já no lago.



Comparação entre Jesus ben Sapphias e Jesus Nazareno

À primeira vista, as diferenças entre Jesus Nazareno e Jesus ben Sapphias são intransponíveis (por exemplo, 'pacífico' versus 'beligerante'), mas numa inspeção mais detalhada, há numerosas semelhanças entre eles, o que justificaria a identificação do Nazareno com o ben Sapphias.


O palco de Jesus é o Mar da Galiléia

Jesus ben Sapphias é líder em Tibérias, a principal cidade junto ao lago da Galileia.

Jesus Nazareno atua exatamente na mesma região.


Pescadores e pobres

Jesus ben Sapphias é líder de marinheiros e pobres (Vida de Josefo, 12).

Jesus Nazareno também. Nesse aspeto, o vínculo com o Novo Testamento é notável. É óbvio em várias ocasiões que Jesus é o líder dos pescadores no "Mar da Galileia". Ele recruta seus seguidores mais próximos entre eles, e várias histórias (em todos os 4 evangelhos) retratam Jesus como um líder valente e carismático no lago: Mateus 14:22-32; Marcos 4:35-41; Marcos 6:45-52; Lucas 8:22-25; João 6:16-21.

Além dos marinheiros, a passagem de Josefo menciona Jesus ben Sapphias também como o líder de pobres. A partir dos evangelhos, também fica claro que Jesus é o defensor dos pobres. Apenas um exemplo (Lucas 6:20): “Bem-aventurados vocês, pobres, porque seu é o reino de Deus.” Jesus abençoa os pobres porque é seu líder e eles são seus adeptos.


Jesus e a Torah

No seu livro "Vida", Josefo descreve a conduta de Jesus ben Sapphias num encontro em Tibérias nos meses durante os quais os galileus organizaram sua defesa contra os romanos reconquistadores. Com uma cópia das leis de Moisés nas suas mãos, Jesus ben Sapphias chegou-se à frente e disse: "Se vocês não podem, por vosso próprio bem, detestar Josefo, fixem vossos olhos nas leis de vosso país, que seu comandante-chefe pretende trair, e por amor delas odeiem o crime e castiguem o criminoso audacioso."

Jesus ben Sapphias é descrito com um rolo da Torah na mão, e também sua argumentação é baseada na Torah ('as leis do seu país'). 

Também no Novo Testamento, em várias ocasiões, Jesus desempenha um papel proeminente na sinagoga e invoca a Torah, por exemplo, em Marcos 1:39, 3:1, 6: 2; Lucas 4:15-22, 6:6.


Jesus é um comandante militar

Jesus ben Sapphias é um líder militar no ataque surpresa dos defensores de Tibérias a uma embaixada romana de paz sob o decurião Valeriano. Antes que qualquer negociação tivesse ocorrido, os rebeldes atacaram Valeriano.

Quanto a Jesus Nazareno, as frases 'Não vim trazer paz, mas espada' de Mateus 10:34 e 'Vim lançar fogo sobre a terra' de Lucas 12:49 apontam na mesma direção. A passagem de Lucas 14:25-33 parece falar sobre a vida militar. 


Jesus e seus adeptos são refugiados que fogem para Jerusalém

Jesus ben Sapphias foge de Tariqueia, quando esta cidade é tomada por Tito em 67 EC. Quando toda a Galileia caíu novamente para os romanso, muitos rebeldes galileus fugiram para Jerusalém que resistiu aos romanos até 70 EC.

A viagem de Jesus Nazareno para Jerusalém pode ser explicada como uma fuga para Jerusalém. Lucas 9:51-62 parece retratar a situação de um refugiado que não consegue abrigo.


E a ressureição vem de onde?

Josefo conta como pediu a Tito que intercedesse por três de seus companheiros judeus que tinham sido crucificados. Ele diz que conseguiu que os três fossem retirados da cruz ainda vivos. Dois acabaram por morrer mas um ainda sobreviveu!

Vida de Josefo, 75

Eu vi muitos cativos crucificados e me lembrei de três deles como meus antigos conhecidos. Fiquei muito triste com isso em minha mente, e com lágrimas nos olhos fui até Tito e contei-lhe sobre eles. Então ele imediatamente ordenou que fossem retirados e que tivessem o maior cuidado com eles, a fim de sua recuperação; no entanto, dois deles morreram nas mãos do médico, enquanto o terceiro se recuperou.


Isto não faz lembrar nada? O Jesus do Evangelho de Marcos foi crucificado junto com outros dois criminosos. E Jesus apareceu vivo depois de crucificado! 


Conclusões

Essas semelhanças entre Josefo e os evangelhos não são uma coincidência. Eles são, em conjunto, fortes o suficiente para dizer que Josefo e os escritores dos evangelhos estão discutindo a mesma pessoa e descrevendo a mesma guerra (civil) da qual Jesus participa.

Os escritores dos evangelhos ofuscaram deliberadamente as circunstâncias de guerra da atividade de Jesus e, ao mesmo tempo, antecederam os eventos para o tempo de Pilatos (que foi prefeito da Judeia de 26 a 36 EC)


Referências

 -  On the hypothesis that the Gospel Jesus = Jesus ben Saphat: https://earlywritings.com/forum/viewtopic.php?t=7482

 - Vida de Josefo: http://www.earlyjewishwritings.com/text/josephus/life.html

 - Guerra dos Judeus: https://www.gutenberg.org/files/2850/2850-h/2850-h.htm

 - The Legion of Jesuses in Josephus: https://earlywritings.com/forum/viewtopic.php?t=5192



domingo, 31 de outubro de 2021

Marcos: Comparação com Homero




A cultura grega

Entre as "Bíblias" da cultura grega estão as obras homéricas - a "Ilíada" e a "Odisseia". 

A "Ilíada" retrata a aventura de gregos, incluindo Odisseu (chamado Ulisses na versão latina), que derrotam Troia. A personagem principal é Aquiles.

A "Odisseia" é sobre o atribulado regresso de Odisseu a sua casa, em Ítaca, onde vai encontrar uma quantidade de oponentes que querem tomar a sua casa e a sua esposa - chamados de "Pretendentes".

No mundo antigo de língua grega, mesmo quem não sabia ler conhecia as lendas dos heróis de Homero. Quem aprendia a ler grego certamente que lia Homero ou, no mínimo, algumas partes dos textos.

E, no tempo dos romanos, a cultura homérica ainda dominava. De tal modo que Virgílio (Publius Vergilius Maro, 70 a 19 AEC) criou uma adaptação desta obra para o mundo romano - a Eneida. Virgílio adapta a obra de Homero à cultura e à religião romana.

Portanto, inspirar-se em Homero para retratar novas ideias e valores religiosos seria um fenómeno padrão.

Ora, o evangelho de Marcos foi escrito em grego. O seu autor era, portanto, instruído na língua e cultura grega. Assim, o autor do Evangelho de Marcos estava bem familiarizado com as obras de Homero. Por outro lado, este autor estaria também familiarizado com as escrituras judaicas - o Antigo Testamento.

"Marcos" (vamos chamar assim o autor do "Evangelho Segundo Marcos") fundiu histórias de Homero com histórias do Antigo Testamento, retratando Jesus como um anti-herói, mas em paralelo com os valores heroicos de Odisseu. Portanto, a sua intenção não era escrever uma biografia histórica, mas um romance. 

Eventualmente também encontraremos traços homéricos nos restantes evangelhos do Novo Testamento.


Jesus

Na Odisseia existe claramente o tema do herói sofredor. Será que o autor de Marcos tentou modelar Jesus ao jeito de Odisseu?

Comparando o texto homérico com o texto de Marcos, encontramos semelhanças subtis entre Jesus e Odisseu:

 - ambos são "carpinteiros" - Odisseu não é apenas um grande guerreiro ou excelente marinheiro; ele também é o melhor carpinteiro que Ítaca conheceu, digamos um homem muito hábil de mãos; Jesus é rotulado como "o carpinteiro" (gr. tekton, uma palavra que pode significar muito mais do que "carpinteiro"); 

- movem-se de barco - Odisseu é marinheiro e comandante no mar Mediterrânico; mas no caso de Jesus é bizarro a quantidade de vezes que se desloca de barco, uma vez que o seu palco é a Galileia, um território interior constituído por terra seca e um lago pequeno); 

 - enfrentam oposição sobrenatural - Odisseu enfrenta Poseidon e outros seres sobrenaturais; Jesus enfrenta Satanás e demónios; 

 - viajam com companheiros incapazes - os companheiros de Odisseu são quase adversários; no caso de Jesus, os apóstolos não são muito colaborativos com Jesus e são retratados como idiotas; 

 - voltam vivos do Hades;

 - passam incógnitos por muitas situações até se revelarem - o episódio da Transfiguração de Jesus em Marcos é semelhante ao episódio em que Odisseu se revela ao seu filho

 - etc;


A parábola dos Inquilinos Malévolos (Marcos 12: 1-12), e a famosa frase “porque não sabeis quando virá o senhor da casa” (Marcos 13:34-35), evocam a imagem de Odisseu regressando disfarçado de mendigo para surpreender os "Pretendentes" que tomaram posse de sua casa. Até o episódio da "Limpeza do Templo" parece estar incluída na coreografia da limpeza daqueles que "transformaram sua casa em um covil de pecado".


Os apóstolos

Os companheiros são outro elo geral com a Odisseia. Por que é que os discípulos são tão embaraçosamente estúpidos, gananciosos, covardes e traiçoeiros? Certamente porque os companheiros de Odisseu eram exatamente assim. Homero habilmente contrasta as inaptidões da tripulação com as virtudes de Odisseu, realçando sua “sabedoria, coragem e autocontrole”.

Uma dessas semelhanças é a comparação entre Pedro e Euríloco. Euríloco é o segundo no comando do navio de Odisseu durante o retorno a Ítaca após a Guerra de Troia. Ele é retratado como um indivíduo covarde, que não assume as suas responsabilidades, como Pedro ao negar conhecer Jesus.

Quanto a Judas, por que é que os sacerdotes precisam dele para identificar Jesus? Isso não faz sentido, já que, se Jesus fez uma entrada triunfal em Jerusalém e causou distúrbios no Templo, muitas pessoas deveriam conhecer o rosto dele. Já para não falar nos vários eventos perante milhares de pessoas na Galileia.

Judas parece ter um papel semelhante a Melântio, o servo que trai Odisseu e até fornece armas para os "Pretendentes" lutarem contra Odisseu - assim como Judas traz guardas armados para prender Jesus - e já que nenhum dos pretendentes conhecia Odisseu, era necessário que Melântio o identificasse. 


Barrabás

Por que Pilatos concorda em libertar um prisioneiro como se isso fosse uma tradição? Não só essa prática seria prejudicial à política romana como nem sequer há qualquer evidência de tal tradição.

Ora, Barrabás significa “filho do pai” e, portanto, é um trocadilho que contrasta com o "Filho do Pai". Se entendermos Barrabás inspirado em Iro, um mendigo que disputa com Odisseu que se tinha disfarçado de mendigo, então temos a seguinte comparação:

  - Odisseu parece um mendigo, mas Iro é um mendigo; 

  - Barrabás parece "Filho do Pai" pelo nome; mas Jesus é o verdadeiro "Filho do Pai"


Para Concluir

Uma vez que Marcos foi buscar inspiração à literatura grega e judaica, e que sobre Jesus sobra muito pouco de possível conteúdo histórico, será que o evangelho é inteiramente ficção?


Resumo da Odisseia

Canto I - V

Odisseu, rei de Ítaca, está retido na ilha de Calipso, longe de casa, muito tempo depois da guerra de Troia. Os deuses, contra a vontade de Poseidon que odeia Odisseu (porque ele cegou o ciclope Polifemo, filho de Poseidon), decidem que este deverá poder voltar à sua terra natal. Zeus pede a Atena e a Hermes que ajudem Odisseu a regressar a Ítaca.

Entretanto, em Ítaca, terra de Odisseu, todos pensam que o rei morreu e, por isso a rainha, Penélope, deverá casar. Muitos pretendentes de Penélope, esposa de Odisseu, estão em festim, instalados na casa de Odisseu, abusando da hospitalidade.

A deusa Atena visita Telémaco, filho de Odisseu, e diz-lhe que ele deve ir procurar o pai. Telémaco, perante a assembleia de Ítaca, queixa-se do comportamento dos pretendentes e pede um barco para ir em busca de seu pai. 

Telémaco embarca com Atena e chega a Pilo.

Aí encontraram Nestor, que combatera com Odisseu em Troia, sentado com os filhos, enquanto outros à sua volta se ocupavam a preparar o jantar e a pôr pedaços de carne nos espetos e a cozinhar. Ao verem os estranhos, eles se aglomeraram ao redor deles, pegaram-nos pela mão e ordenaram que tomassem seus lugares. O filho de Nestor, Pisístrato, ofereceu imediatamente a mão a cada um deles e os acomodou sobre algumas peles de carneiro macias que estavam estendidas na areia .... Então ele lhes deu suas porções das carnes ... e todos tiveram um excelente jantar. 

Telémaco fala com Nestor. Este diz-lhe que nada sabe sobre o paradeiro de Odisseu. Segue a cavalo com Pisístrato, filho de Nestor. 

Telémaco e Pisístrato chegam a Esparta, terra de Menelau. Após narrar seu retorno de Troia diz que ouviu do Velho do Mar, Proteus, que Odisseu ainda estaria vivo numa ilha. 

Entretanto, em Ítaca, os pretendentes planejam matar Telémaco durante sua volta.

Odisseu, ainda preso na ilha da ninfa Calipso, tem saudades da sua família. O deus Hermes diz a Calipso que ela deve libertar Odisseu. Odisseu, hábil carpinteiro, faz uma jangada. Antes de partir na jangada, faz amor pela última vez com Calipso.

Poseidon levanta uma tempestade para fustigar Odisseu, mas este liberta-se das suas roupas e armas e consegue chegar à praia a nado. Fica a dormir profundamente.


Canto VI - VII

Odisseu na Faécia

Odisseu está a dormir junto ao rio. Uma jovem, chamada Nausícaa, dirige-se ao rio com as suas servas para lavar a sua roupa nos lavadouros do rio. Odisseu acorda e questiona-se onde estará. Ele aproxima-se de Nausícaa, esta não foge dele, apesar de ele estar nu. Odisseu põe-se na posição do suplicante para Nausícaa. Ela acede-lhe gentilmente às súplicas. As servas de Nausícaa tratam de Odisseu, oferecem-lhe um manto e uma túnica, e óleo para ele untar o corpo depois de se banhar no rio. Depois dão-lhe comida e bebida. Nausícaa dá-lhe instruções para ele se dirigir ao palácio de seu pai, o rei Alcínoo, para se ajoelhar à sua mãe e suplicar-lhe ajuda. Se ele cair nas suas boas graças é certo que regressará a Ítaca porque os Faécios são ótimos construtores de barcos. No caminho passam por um bosque onde Odisseu dirige preces à deusa Atena.

Odisseu, a caminho da cidade dos Faécios, segue envolto numa nuvem providenciada por Atena para que os habitantes da Faécia não o vejam, porque estes são muito agressivos para com os estranhos. Odisseu fica maravilhado à porta do palácio, ele que anda há tanto tempo longe da civilização. Odisseu entra no palácio e lança-se aos pés da rainha Areta. Suplica-lhe que o ajude a voltar a Ítaca. Senta-se humildemente e aguarda. Um velho, Euqueneu, toma a palavra e intercede por Odisseu. O rei Alcínoo oferece a Odisseu o lugar de seu filho à mesa. Oferece-lhe também alojamento. Todos se vão deitar.

Alcínoo leva Odisseu até à Ágora, onde propõe que se ajude Odisseu a voltar para Ítaca. Os Faécios admiram a beleza de Odisseu. Seguem para o palácio. O bardo Demódoco é chamado e fica no meio da sala do palácio para recitar. Come-se. O bardo canta episódios da guerra de Troia. Odisseu, comovido, chora e cobre-se com um pano para não o verem. Só Alcínoo repara nisso. 

Saem todos para a rua, pois vão começar os jogos. Vários atletas destacam-se. Odisseu é desafiado para participar nos jogos. Pega num disco e atira-o mais longe que algum Faécio poderia atirar. As servas lavam Odisseu e untam-no com óleo. No banquete, o bardo Demódoco canta o episódio do cavalo de Troia e Odisseu comove-se novamente. Outra vez só Alcínoo viu as lágrimas de Odisseu, e pergunta-lhe por fim: quem ele é, onde é a sua terra, e como foi parar ao país dos Faécios.


Canto IX - XII

Odisseu vira-se para o seu anfitrião, Alcínoo e diz-lhe quem é e de onde vem. Conta a sua viagem desde que partiu de Troia:

Aproximou-se dos Cícones que viviam na Trácia. Odisseu e os seus companheiros, os Aqueus, saquearam a cidade apoderando-se das mulheres e das riquezas. Os Cícones entretanto chamaram reforços e contra-atacaram, matando muitos dos Aqueus. Odisseu e os sobreviventes fugiram nas suas embarcações.

Depois de nove dias de viagem arribam à terra dos Lotófagos (os comedores de lótus). Os companheiros de Odisseu queriam ficar para comer lótus que lhes provocava o esquecimento. Odisseu teve de obrigá-los a embarcarem. 

Chegam à terra dos Ciclopes, gigantes que vivem em grutas e têm um só olho. Odisseu e os seus homens entram numa gruta, instalam-se e servem-se de queijo que ali encontram em abundância. Polifemo, um Ciclope, entra na gruta e aprisiona Odisseu e os Aqueus e começa a comer alguns homens. Odisseu queixa-se que Polifemo não é um grande exemplo de hospitalidade e que esperava que este os acolhesse bem. Odisseu conversa com Polifemo, dizendo-lhe que o seu nome é "Ninguém", e oferece-lhe vinho até este adormecer. De seguida, espeta-lhe um pau no olho e, cegando-o, consegue fugir com os companheiros. Polifemo grita para que os outros Ciclopes o ouçam: "Ninguém me cegou!". Com isto, nenhum dos outros Ciclopes veio ao seu socorro. Polifemo atira pedras para o mar mas não consegue acertar no barco de Odisseu.

Quando Odisseu chega à terra de Éolo, deus do vento, este, vendo que Odisseu era um homem de caráter elevado, dá-lhe um saco que continha todos os ventos que os podiam incomodar durante a sua viagem, mas com a condição de nunca o abrir. No entanto, a curiosidade dos companheiros Aqueus foi maior e, enquanto Odisseu dormia, abriram o saco, de onde de facto saíram todos os maus ventos para a viagem, o que provocou uma violenta tempestade. Éolo arrependeu-se da ajuda que lhes tinha oferecido, uma vez que estes não a mereceram.

Voltaram ao mar e no sétimo dia chegaram a Lestrigonia (Lamos). Odisseu despachou uns companheiros para investigar quem ali morava. Eles desembarcaram e percorreram uma estrada. Encontraram diante da cidade uma moça com um cântaro. Perguntaram-lhe quem era o rei do local. Ela indicou a mansão de seu pai. Ao entrarem na mansão se depararam com uma mulher gigante que os encheu de pavor. Ela chamou da praça o marido, Antífates, que agarrou um dos camaradas e fez o jantar com ele. Os outros companheiros correram para os barcos. O rei deu o alarme na cidade e de todos os lados vinham gigantes. Estes lançaram pedras aos barcos, fazendo-os em pedaços, e apanhavam os homens como se fossem peixes para comer. Odisseu rapidamente cortou as amarras de seu barco e zarpou com poucos sobreviventes.

Chegaram a uma ilha onde vivia a deusa Circe. Desembarcaram, mas os homens não ficaram animados com a ideia de explorar a ilha, pois ainda tinham muito presente os infortúnios que passaram. Odisseu sugeriu que se dividissem em dois grupos: um seria liderado por ele e o outro por Euríloco, e tirariam a sorte para decidir qual dos dois exploraria a ilha. Os homens aceitaram e o grupo de Euríloco partiu à frente, chorando e temendo pela vida, até que chegaram à casa de Circe. Circe abriu a porta e os convidou a entrar e todos entraram, menos Euríloco que suspeitou. Serviu-lhe comidas com drogas e logo se transformaram em porcos. Euríloco correu para o barco e contou o que havia acontecido, insistindo para que fugissem, pois não poderia trazer de volta os companheiros. Odisseu disse-lhe que iria tentar resgatar os companheiros. A caminho da casa de Circe, Odisseu é abordado pelo deus Hermes que lhe dá uma erva benéfica, que serviria de proteção contra a magia de Circe. Ele vai a casa de Circe e ela dá-lhe a comida com drogas, mas ele não se transforma em porco. Odisseu convence-a a retornar os seus companheiros à forma humana. Odisseu deita-se com Circe. Circe diz que ele deverá consultar o profeta Tirésias no Hades. 

Depois de um vento favorável providenciado por Circe, a nau de Odisseu chega ao país dos Cimérios. Odisseu dirige-se para a entrada do Hades para descer ao mundo dos mortos e consultar o adivinho Tirésias. Tirésias diz-lhe que Poseidon tentará tudo para que Odisseu não regresse a casa. Que quando encontrar os bois sagrados de Hélio não os deve molestar, e que se o fizer grande mal acontecerá. E que quando chegar a casa vai encontrar homens que pretendem a sua esposa e que delapidam os seus bens. Tirésias prediz ainda que Odisseu matará os pretendentes. Tirésias retira-se para os fundos do reino dos mortos. Entretanto, depois de falar com muitos outros mortos, Odisseu retira-se para a superfície e, chegando junto dos companheiros, prossegue viagem de barco.

Odisseu quer ouvir o canto imortal das sereias, que são cânticos tão divinos que um mortal enlouquece e atira-se à água. Odisseu pede aos seus companheiros que ponham todos cera nos ouvidos para não ouvirem o canto. Depois pede que o amarrem ao mastro e que por mais que ele suplique que não o desamarrem. Assim o inteligente Odisseu consegue ser o único ser humano que ouviu o canto das sereias e que ficou vivo para contar.

Assim que passaram pelas sereias, encontraram o redemoinho Caríbdis. Para o contornar, eles passaram por Cila por um monstro de seis cabeças que comeu seis dos homens de Odisseu.

Em seguida, eles chegaram à ilha de Hélio (Sol), onde os homens de Odisseu sacrificaram bois sagrados e, como castigo, o navio foi destruído, deixando Odisseu como o único sobrevivente a chegar à ilha de Calipso, na qual ficou retido muito tempo, tendo finalmente saído de jangada.


Quando Alcinoo ouve a história de Odisseu, ele lhe dá um navio e o manda de volta para Ítaca.

 

Canto XIII - XV

O barco que transporta Odisseu chega a Ítaca. Os Faéceos deixam-no em terra firme.

Odisseu pensa numa vingança contra os abusados pretendentes. Disfarça-se de mendigo para não ser reconhecido.

Odisseu, com a aparência de um mendigo, fala com Eumeu, fiel amigo e guardião dos seus porcos. Eumeu não o reconhece e diz acreditar que Odisseu está morto. O "mendigo" assegura-lhe que o seu amo está vivo e conta-lhe muitas das coisas que se passaram com Odisseu.

Eumeu comove-se com o relato mas diz não acreditar estar Odisseu com vida.

Entretanto Telémaco chega a Ítaca onde diz aos companheiros para seguirem no barco enquanto ele fica em terra.


Canto XVI

Telémaco dirige-se à pocilga e é muito bem recebido pelo porqueiro Eumeu.

Telémaco pergunta quem é o "mendigo" forasteiro. O porqueiro conta-lhe que é um viajante sem rumo e que seu destino é vagar pelas cidades. Telémaco pede-lhe cuide do forasteiro. 

Odisseu pergunta por que Telémaco deixa que os pretendentes abusem de seus bens. Telémaco responde que nada pode fazer, pois há muitos nobres da região que desejam ocupar o lugar de seu pai .

Telémaco pede que o porqueiro avise Penélope, sua mãe, que ele chegou de Pilos e está bem.

Odisseu aparece ao filho na sua aparência real. Telémaco pensa que ele é um deus. Odisseu diz que é seu pai. Telémaco não crê, mas Odisseu explica que Atena o ajudou e como chegou até lá, trazido pelos Faéceos. 

Odisseu pergunta a Telemaco quantos são os "Pretendentes" e como são para poderem articular uma vingança. Telémaco responde que eles são numerosos e que é necessário ajuda para se livrarem deles.

Odisseu planeava, no dia da vingança, que Telémaco pegasse nas armas existentes na casa e as tirasse de fora do alcance dos pretendentes. E que ninguém soubesse que Odisseu estava em casa, pois Odisseu iria pôr todos à prova. Queria saber quais realmente ainda gostavam dele e eram fiéis à sua memória. Telémaco teme que a ideia de Odisseu de testar um a um o povo de sua terra demore e que enquanto isso sua casa continue sendo alvo de desrespeito.

Enquanto isso, Penélope ficara sabendo que o filho havia retornado. Os pretendentes querem matar Telémaco, repartir seus bens e obrigar Penélope a escolher com quem casar e dar a sua casa. 

Porém, Anfínomo teme matar alguém de sangue nobre, prefere consultar o oráculo e se, este consentir ai, sim, matar. A proposta agradou os pretendentes que foram até a casa de Odisseu. 


Canto XVII - XXI

Eumeu leva Odisseu para mendigar na cidade. Telémaco chega a casa e é recebido com muita emoção por Euricléia, a sua ama, e Penélope, a sua mãe. Penélope pergunta-lhe pelo pai. Telémaco conta que ouviu de Menelau que Odisseu estava prisioneiro na Ilha de Calipso e não conseguia voltar a Ítaca.

Os pretendentes jogam. A noite chega, é hora do jantar, os pretendentes vão comer o banquete na mansão. O porqueiro e Odisseu apressam-se para chegar logo à cidade. Ao chegarem, viram Melântio que levava cabras para o banquete dos pretendentes. Para surpresa de Odisseu, este despreza-os e ofende, chegando a dar um pontapé em Odisseu, que nada pôde fazer. O porqueiro defende-o e diz que Odisseu deveria voltar, mas Melântio ainda diz que ficaria feliz se Telémaco também morresse. Chegaram a casa, onde o banquete era servido

Iro, um mendigo, insulta Odisseu. Os pretendentes combinam um combate entre os dois mendigos. Todos se surpreendem quando Odisseu tira a camisa e mostra um corpo bastante musculado. Odisseu aplica uns golpes, e parte o queixo a Iro.

Depois de os pretendentes terem saído, Odisseu manda que seu filho esconda as armas que houver no palácio. Penélope repreende Melântio, por haver insultado o mendigo. Penélope, não sabendo que tinha ali Odisseu, interroga o "mendigo" acerca de sua naturalidade. O "mendigo" declara ter visto Odisseu em Creta e diz que está para breve o seu regresso. Penélope ordena à velha Euricleia que lave os pés do mendigo. Euricleia reconhece Odisseu por uma ferida que ele tem na perna. Odisseu intima-lhe que guarde silêncio. Penélope conta a Odisseu um sonho que parece anunciar o regresso do esposo. Propõe-se com a aprovação do mendigo, estabelecer um concurso entre os pretendentes: casará com o vencedor.

O cabreiro Melântio quer expulsar de casa o "mendigo". Agelau exorta os pretendentes a que se mostrem calmos e aconselha Telémaco a apressar o casamento de sua mãe. Teoclímeno, hóspede da casa, levanta a voz e prediz a desgraça que impende sobre os pretendentes. Aproxima-se a hora do castigo.

Penélope propõe o desafio aos pretendentes de casar-se com aquele que conseguir armar o antigo arco de Odisseu e atirar uma flecha através de doze machados. Penélope e as mulheres retiram-se. Nenhum dos pretendentes consegue. Odisseu, ainda disfarçado de mendigo, conversa com o porqueiro e revela sua identidade. Odisseu pede o arco em posse dos pretendentes e, discretamente, manda fechar as portas. Os pretendentes riem do "mendigo" tentar a sua sorte. Odisseu arma o arco sem nenhuma dificuldade e atira certeiramente por entre os doze machados. Após isso, faz um sinal a seu filho, Telémaco, para se preparar para a chacina.


Canto XXII

Odisseu dá início ao massacre atirando uma flecha e matando um dos pretendentes. Após isso, revela sua identidade, e todos ali presentes sentem profundo terror. Os pretendentes partem para cima de Odisseu. Telémaco busca para o pai lanças, um escudo e um elmo. O cabreiro Melântio busca as mesmas armas para os pretendentes. Odisseu e seus aliados dão combate aos pretendentes. O massacre continua até os pretendentes estarem todos mortos. Odisseu manda buscar a anciã Euricleia e pergunta quais escravas foram desonrosas e quais são inocentes, esta acusa doze das escravas que foram enforcadas em seguida por Telémaco.


Canto XXIII

Euricleia acorda Penélope, dizendo que seu esposo se encontra na casa. Penélope fica furiosa por ser acordada durante o melhor dos sonos que já teve. Euricleia diz-lhe que Odisseu era o mendigo e que Telémaco já sabia, mas guardava segredo para que o pai se vingasse. Euricleia diz como Odisseu matou os pretendentes.

Penélope não acredita que é Odisseu, diz que certamente algum deus teria matado os pretendentes. Euricleia fala da cicatriz de Odisseu. Elas descem dos aposentos superiores. Penélope está confusa, não sabe em que acreditar. Penélope vai ao encontro de Odisseu. Telémaco reclama porque a mãe não acredita que Odisseu está vivo. Penélope diz que se aquele for Odisseu ela saberá. Odisseu fala para Telémaco meditar sobre os pretendentes que haviam matado (os homens de melhor linhagem de Ítaca). Disse para lavá-los, pôr túnicas e que as servas os vestissem com roupas escolhidas. Que o bardo toque a sua lira para que ninguém desconfie da matança antes deles irem para o campo. “Lá pensaremos que socorros o deus do Olimpo nos há de proporcionar” – disse Odisseu. Eles obedecem as ordens. Os que estavam fora da mansão acreditam ao ouvirem a música, que Penélope havia desposado enfim algum dos pretendentes, alguns até a julgam por não ter esperado por Odisseu! 

A criada banhava e untava Odisseu com óleo. Ele parecia um Deus. Foi ao encontro de Penélope e diz-lhe que ela tem o coração mais duro de todas as mulheres e diz-lhe que se deitará sozinho. Penélope pede para que Euricleia leve a cama feita por ele para fora para ele dormir (Penélope arma essa armadilha para ver se aquele era mesmo Odisseu). Odisseu se sente ofendido com tais palavras e pergunta quem teria mudado seu leito de lugar, pois ele conta como ele mesmo o fez com muito esforço e que seria necessário um deus a mudá-la de lugar ou alguém cortar o tronco de oliveira que a sustenta. Penélope então se convence que aquele é Odisseu; pede desculpas, mas lhe explica que não queria mais se enganar. Odisseu fala sobre as futuras provações que passarão ainda, profetizadas por Tirésias (no Hades). Odisseu e Penélope deitam-se. Odisseu conta tudo o que passou enquanto esteve fora. 


Canto XXIV

...

Odisseu chega à casa do pai, Laertes. Quando o avistou, com grande tristeza na alma, o divino Odisseu atribulado parou sob uma alta pereira, derramando lágrimas. Hesitou em seguida, no fundo do coração, entre ir abraçar e beijar o pai, contando-lhe detalhadamente como viera e chegara à terra pátria, ou interrogá-lo primeiro e submetê-lo a provas minuciosas. Refletindo, pareceu-lhe melhor partido experimentá-lo primeiro com desaforos. Tomada essa decisão, o divino Odisseu caminhou direto a ele. Laertes estava de cabeça curvada cavando ao redor duma árvore.

Para o testar, Odisseu vai de encontro a Laertes, pergunta quem é o seu dono, diz que parece mal cuidado por seu patrão, mas que Laertes é muito esforçado, sendo assim seu senhor injusto. Odisseu lhe canta mais uma de suas engenhosas mentiras para o pôr à prova. Disse-lhe que certa vez hospedou em sua casa um homem, forasteiro, vindo de longe, disse que era de família itacense e que seu pai era Laertes, lhe deu muitos presentes como de costume. Laertes lhe diz que ele está mesmo em Ítaca, porém os homens insolentes se apossaram dela (os pretendentes). Laertes lhe perguntou quando havia estado com seu filho mal-afortunado (que havia passado por tantas desgraças). Laertes lhe fez várias perguntas sobre a origem daquele homem. Odisseu diz que viu o filho de Laertes (ele mesmo) pela última vez há anos e que ele zarpou em paz ele esperava que trocassem presentes no futuro. Laertes entristeceu. Odisseu se comoveu e lançando-se a ele, abraçou-o e beijou-o e disse que ele era seu filho e que havia matado os pretendentes. Laertes pede uma prova: convence-o de que é seu filho pela cicatriz na perna e pela descrição do pomar de Laerte. Laertes desmaia em seus braços de tanta emoção. Laertes teme a vingança dos familiares dos pretendentes mortos. Odisseu diz-lhe para não se preocupar com aquilo agora, que pediu para Telémaco, Vaqueiro e o porcariço lhes prepararem uma refeição. A serva Sícula banhou e untou Laertes; Atena o tornou mais alto e encorpado que antes. Eles comeram. Aparece o velho Dólio e seus filhos. Sícula, a mãe deles e quem cuidava de Laertes, havia ido chamá-los. Eles reconhecem Odisseu, Dólio festeja sua volta, pergunta se Penélope já sabe.

Na cidade, um mensageiro contava sobre a chacina dos pretendentes. Uma multidão vinda de todas as partes foi para frente da casa de Odisseu. Cada qual tirava da casa os seus mortos e sepultava-os; mandavam os de outras cidades para suas casas de barco, iam se juntando na praça com luto no coração. Formou-se uma assembleia, primeiro falou Eupites, pai de Antínoo, o primeiro a ser morto, ele diz que é preciso uma vingança pelas mortes dos parentes. Nisso sai da mansão o bardo (um dos únicos que sobreviveram ao massacre no salão) e Medonte que lhes diz que foi com o consentimento dos deuses que Odisseu matou os pretendentes, que via ao lado dele um deus parecido com Mentor. A multidão se apavora, o ancião Haliterses lhes fala, disse que os pretendentes morreram devido ao desrespeito com a casa de Odisseu e que os outros não deveriam procurar vingança, pois essa seria a sua desgraça. Mas mais da metade dos que ali estavam, seguindo Eupites foram pegar suas armaduras para se vingar de Odisseu...


Referências:

 - The Homeric Epics and the Gospel of Mark - Dennis R. MacDonald; Yale University, 2000



Ver também:



domingo, 3 de outubro de 2021

Século I - Transfiguração ou Aparição?

 


Nos evangelhos existe a narrativa de uma "transfiguração" de Jesus. Mas o que é isso de "transfiguração"?


Pedro, junto com outros, viu Cristo num monte santo

O autor de 2 Pedro (que não é, obviamente, o Pedro dos evangelhos) manifesta a necessidade de demonstrar que Jesus não é nenhum mito, porque "viu-o em esplendor e ouviu uma voz do céu":

2 Pedro 1:16-18 Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a sua majestade, porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte voz: "Este é o meu Filho amado, em quem me tenho comprazido." E ouvimos esta voz dirigida do céu, estando nós com ele no monte santo

Este autor pseudo-Pedro refere que viu Cristo em esplendor numa visão ou revelação coletiva em cima de algum monte santo. Isto está de acordo com a tese da não historicidade de Jesus pois o Cristo não necessitaria de ser humano para aparecer numa visão ou revelação aos apóstolos (bastava estes alucinarem ou fantasiarem sobre o tema).

O autor não parece estar inclinado a declarar que passou alguns meses a viajar e a realizar inúmeras atividades com Jesus Nazareno, tal como seria de esperar do personagem Pedro dos evangelhos. Este autor da Segunda Carta de Pedro apenas refere um episódio de revelação: Deus apresenta o seu Filho aos homens.

Sendo que o autor da Segunda Carta de Pedro pretendia escrever algo em nome do apóstolo Pedro, podemos depreender que o verdadeiro Pedro terá ficado conhecido por alegadamente ter visto Jesus num monte.


O autor de Marcos cria o conceito de "transfiguração"

No evangelho de Marcos, no meio de todas as peripécias da narrativa, existe o episódio da transfiguração (Marcos 9:2-8) em que Jesus aparece a Pedro, Tiago e João em cima de um monte. Aqui Jesus aparece na companhia de Moisés e Elias (personagens do Antigo Testamento). É de salientar que este episódio é narrado no evangelho como sendo um acontecimento antes da crucificação de Jesus, de modo que não se trata de uma aparição pós-ressurreição.

O autor de Marcos, para não dizer que era uma aparição, Jesus "transfigura-se". Por outro lado, Moisés e Elias são "aparições", mas Jesus é uma "transfiguração".


Marcos 9:2-8

E seis dias depois Jesus tomou consigo a Pedro, a Tiago, e a João, e os levou sós, em particular, a um alto monte; e transfigurou-se diante deles; e as suas vestes tornaram- se resplandecentes, extremamente brancas como a neve, tais como nenhum lavadeiro sobre a terra as poderia branquear.

E apareceu-lhes Elias, com Moisés, e falavam com Jesus.

E Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: "Mestre, é bom que estejamos aqui; e façamos três cabanas, uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias". Pois não sabia o que dizia, porque estavam assombrados.

E desceu uma nuvem que os cobriu com a sua sombra, e saiu da nuvem uma voz que dizia: "Este é o meu filho amado; a ele ouvi".

E, tendo olhado em redor, ninguém mais viram, senão só Jesus com eles.


Porquê uma "transfiguração"? Porque, na narrativa de Marcos, Jesus já se encontrava antes com os apóstolos em forma humana. Por isso não faria sentido falar de uma "aparição". Por outro lado, Moisés e Elias são aparições.

Por isso, a hipótese mais viável é que os apóstolos que iniciaram o cristianismo - que poderemos admitir que seriam Pedro (ou Cefas), João e Tiago, entre outros - alegaram ter tido uma visão do Filho de Deus e de ter ouvido a voz de Deus a apresentá-lo algures na Galileia. E muitos creram neles.


Hipótese da aparição

O cristianismo terá começado com uma aparição de Cristo na Galileia sem que o Cristo tenha antes vivido como homem na Galileia, ao contrário do que os evangelhos narram?

Imaginemos que por volta do ano 20 EC, um punhado de homens se juntaram e alegaram que viram o Filho de Deus. Imaginemos um cenário em que Jesus Nazareno não existe. Mas existe Pedro, Tiago, João e outros que não sabemos nome.

Esses homens juntaram-se e pregaram que viram o Filho de Deus e que este tinha muitas novidades para o povo.

Imaginemos o diálogo:

 - “Filho de Deus?” – perguntavam os outros judeus - “Mas Deus não tem filho!”

 - “Deus tem filho, sim, e é chamado de Salvador (Yeshu)” – diriam os homens que viram a aparição do Filho de Deus.

 - “Como assim, se as nossas escrituras não dizem que Yahveh tem filho??”

 - “Dizem sim, mas a mensagem está codificada e só quem teve revelação direta dele entende”


No evangelho de Marcos aparece o famoso episódio da transfiguração.

Mas porquê “transfiguração” e não “aparição”?

Porque, no evangelho de Marcos, Jesus é um homem que já se encontrava junto com os homens (os apóstolos Pedro Tiago e João). Era ridículo dizerem que Jesus “apareceu” a eles. Então, para contornar a questão da "aparição", o autor de Marcos cria um conceito bizarro de "transfiguração": Jesus estava com eles mas mudou de aparência física.


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Zorobabel - O Messias Esquecido

 



Suspirando por um Salvador

Por volta de 587 AEC, os babilônios destruíram o primeiro templo e acabaram com a dinastia de David, sendo que Zedequias, filho de Josias, foi o último rei desta dinastia. Os judeus foram expulsos do seu território.

Com a perda do templo e da soberania sobre o seu território, os judeus começaram a suspirar por alguém que restaurasse o templo e a soberania dos judeus.


Ciro da Pérsia é o Salvador?

Passados 70 anos, os persas, liderados por Ciro, venceram os babilónios e os judeus tiveram a possibilidade de retornar à sua terra.

O livro de Isaías diz que Ciro é o Messias que os judeus aguardavam desde a ocupação babilónica.

Isaías 44:28; 45:1
[Eu sou Yahveh... o] que diz de Ciro: É meu pastor e cumprirá tudo o que me apraz; dizendo também a Jerusalém: Sê edificada; e ao templo: Funda-te. 
Assim diz Yahveh ao seu ungido (gr. Christos, na versão Septuaginta), a Ciro, a quem tomo pela sua mão direita, para abater as nações diante de sua face; eu soltarei os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão.


O Salvador tem de ser da Casa de David

Um bisneto de Josias, portanto da dinastia de Davi, chamado de Zorobabel, começou a ser visto como o Messias que iria restaurar a casa de Davi. concordante com esta expectativa, o autor do livro Ageu escreveu que Deus escolheu Zorobabel para ser rei.

Ageu 2:23

Naquele dia, diz o Senhor dos Exércitos, te tomarei, ó Zorobabel, filho de Sealtiel, servo meu, diz o Senhor, e te farei como um anel de selar; porque te escolhi, diz o Senhor dos Exércitos.


Mas entretanto esse Zorobabel desaparece de cena - a bíblia não diz porquê, mas provavelmente foi executado pelos persas.


Nova definição de Messias

Então, não havendo mais nenhum descendente da linhagem de Davi, o profeta Zacarias começou a propagar a ideia de que o sumo-sacerdote é que deveria ser rei dos judeus. O Messias tinha de ser rei e sacerdote ao mesmo tempo. A esta ideia, eventualmente, associou-se mais tarde o mito de Melquisedeque.


Zacarias 6:11-13

Toma, digo, prata e ouro, e faze coroas, e põe-nas na cabeça do sumo sacerdote Josué, filho de Jozadaque.

E fala-lhe, dizendo: Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é RENOVO; ele brotará do seu lugar, e edificará o templo do SENHOR.

Ele mesmo edificará o templo do Senhor, e ele levará a glória; assentar-se-á no seu trono e dominará, e será sacerdote no seu trono, e conselho de paz haverá entre ambos os ofícios.


Filo de Alexandria dirá, mais tarde, que estes versículos de Zacarias escondem um salvador que se chama Josué (hebraico Yeoshua, que é o mesmo nome que dá origem ao nome grego Jesus).

Durante o domínio persa, os judeus conseguiram construir um novo templo, o Segundo Templo, mas só alguns séculos mais tarde é que conseguiram ter um rei.

Os judeus só voltaram ter independência depois da revolta dos Macabeus a partir de 164 AEC. E tiveram reis, mas não eram da linhagem de Davi. Eram da linhagem dos Asmoneus.


Referências:

  - https://en.m.wikipedia.org/wiki/Zerubbabel


Ler também:

  - Assírios e Babilónios (Parte 1) - Introdução