domingo, 28 de outubro de 2012

Mateus - Contradições Internas da Doutrina





Em Mateus encontram-se muitas contradições dentro do próprio texto, mostrando que o autor, com o zelo de transcrever e desenvolver textos já existentes nas suas várias fontes, não verificou a compatibilidade entre estes. Vamos então ver estas contradições existentes em Mateus, algumas delas em frases atribuídas a Jesus.

Para começar esta lista de inconsistências e contradições, quando Jesus aproximou-se de João Baptista para ser baptizado, este já sabia que Jesus era o Messias e recusou-se a baptizá-lo mas, mais tarde, enviou mensageiros para perguntar a Jesus se ele era realmente o Messias.

João Baptista sabe que Jesus é o Cristo
João Baptista não sabe que Jesus é o Cristo
Mateus 3:13-17 Então veio Jesus da Galiléia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado por ele. Mas João o impedia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Jesus, porém, lhe respondeu: Consente agora; porque assim nos convém cumprir toda a justiça. ...
Mateus 11:2-3 Ora, quando João no cárcere ouviu falar das obras do Cristo, mandou pelos seus discípulos perguntar-lhe: És tu aquele que havia de vir, ou havemos de esperar outro?


No famoso “Sermão do Monte”, Jesus glorifica os pacificadores mas mais tarde confessa que ele próprio, ao invés de ser um pacificador, veio para trazer a guerra e a divisão dentro das próprias famílias.

Jesus prega a paz
Jesus prega a divisão
Mateus 5:9 Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
Mateus 10:34-35 Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra;


Neste mesmo discurso, Jesus aconselha a que se façam as boas obras de modo ostensivo para que todos saibam mas, mais tarde, diz que as boas obras devem ser realizadas de modo discreto.

Boas obras devem ser exibidas
Boas obras devem ser discretas
Mateus 5:16 Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.
Mateus 6:1 Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.


Jesus, a dada altura, explica aos apóstolos a ética do perdão. Primeiro começa por explicar um processo de conciliação com um máximo de três tentativas. Mas, logo a seguir, explica que se deve perdoar as ofensas setenta vezes sete (quatrocentas e noventa vezes?)

Deve-se tentar a conciliação por três vezes
Deve-se perdoar setenta vezes sete
Mateus 18:15-17 Ora, se teu irmão pecar, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, terás ganho teu irmão; mas se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda palavra seja confirmada. Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano.
Mateus 18:21-22 Então Pedro, aproximando-se dele, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu hei de perdoar? Até sete? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete; mas até setenta vezes sete.


A mãe de Tiago e João pede a Jesus que conceda lugares de destaque aos seus filhos à sua direita e esquerda. Jesus responde que não pode mas, mais tarde, diz aos discípulos que tem todos os poderes nos céus e na terra.

Jesus não tem tanto poder
Jesus tem todo o poder
Mateus 20:21-23 ... Ela lhe respondeu: Concede que estes meus dois filhos se sentem, um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino. ... Então lhes disse: O meu cálice certamente haveis de beber; mas o sentar-se à minha direita e à minha esquerda, não me pertence concedê-lo; mas isso é para aqueles para quem está preparado por meu Pai.
Mateus 28:18 E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra.


Nos últimos dias de Jesus, uma mulher desconhecida derramou um caríssimo óleo perfumado na cabeça de Jesus, causando a indignação dos discípulos por causa do desperdício de dinheiro que poderia servir de caridade aos pobres. Jesus justifica a opção da desconhecida porque os pobres sempre estarão com os discípulos, mas ele não. Mais tarde Jesus rectifica a sua opinião e diz que afinal estará com os discípulos para sempre.

Jesus não estará sempre com eles
Jesus estará sempre com eles
Mateus 26:11 Porquanto os pobres sempre os tendes convosco; a mim, porém, nem sempre me tendes.
Mateus 28:20 ... e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.



Será que Jesus foi assim tão contraditório? Ou será que o autor é que foi contraditório? Será que alguma vez teremos resposta para estas perguntas?


Mateus - Doutrina I




Os alimentos impuros

Os judeus incluem, desde os seus primórdios, regras de alimentação na sua religiosidade, distinguindo alimentos puros de alimentos impuros. Também as regras de higiene fazem parte da religião.

Em Mateus, cujo autor deveria pertencer à facção judaica conservadora dos primeiros cristãos, Jesus tem relutância em mudar aquilo que havia na lei religiosa judaica. “Mateus” coloca na boca de Jesus as seguintes palavras:
Mateus 5:17-19 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.

Segundo este autor, o crente, para além de se tornar seguidor do Cristo, também tinha de seguir as regras religiosas judaicas. Para reforçar esta ideia, em Mateus, Jesus tem uma mensagem apenas para os judeus, “as ovelhas perdidas da casa de Israel”.

Mateus 10:5-6 A estes doze enviou Jesus, e ordenou-lhes, dizendo: Não ireis aos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; 
Mateus 15:24 Respondeu-lhes ele: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.

No entanto, quando os fariseus criticaram os discípulos de Jesus por não lavarem as mãos antes de comer, Jesus respondeu:

Marcos
Mateus
Marcos 7:18-19 Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e é lançado fora? Assim declarou puros todos os alimentos.

Mateus 15:17-20 Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce pelo ventre, e é lançado fora? Mas o que sai da boca procede do coração; e é isso o que contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem; mas o comer sem lavar as mãos, isso não o contamina.


Em Marcos lemos que Jesus “declarou puros todos os alimentos”. Em Mateus, a mesma passagem refere-se apenas ao acto de lavar as mãos antes de comer. Porque será que “Mateus” resolveu omitir a frase onde Jesus declara “puros todos os alimentos”?

Já vimos muitas provas de que “Mateus” escreveu para uma audiência judaica. E para os judeus era inadmissível quebrar as leis religiosas da alimentação. Ainda hoje, no século XXI, os judeus (pelo menos os ortodoxos) respeitam as regras dietéticas, rejeitando a carne de porco e outros alimentos proibidos pela religião.

Os apologistas da Igreja argumentam que os judeus tinham as regras cerimoniais e as leis religiosas, e que a alimentação faria parte das regras cerimoniais as quais não estavam abrangidas pelo texto de Mateus 5:17-19. É importante referir que os judeus, desde há cerca de dois mil anos, abandonaram as práticas religiosas de sacrifícios animais, mas ainda hoje respeitam a lei dietética. Isto mostra o quão importante esta lei é e era para a sua religião.

Pode ser que a frase “Assim declarou puros todos os alimentos”, em Marcos, tenha sido uma adição muito posterior pois não ficou reflectida na versão de Mateus. Por outro lado, caso Marcos tivesse essa frase na versão inicial, obviamente que “Mateus” a iria censurar, omitindo-a na sua versão, porque violava a sua doutrina.

Mas a questão que hoje se coloca para os crentes é que a declaração de Jesus, sobre os alimentos, em Marcos torna ainda mais absurdo um episódio relatado em Actos, que decorreu já depois da morte de Jesus, em que Pedro se vê confrontado com a questão da alimentação e “o Senhor”, numa visão, convida-o a comer alimentos considerados abomináveis para os judeus (Actos 10:9-16; detalhado na secção “Pedro e o lençol gigante”).

Se, em vida, Jesus já havia declarado que todos os alimentos são puros não necessitava de aparecer a Pedro para lhe repetir o mesmo.


Baptismo de quem e em nome de quem?

No final do livro Mateus, no capítulo 28, o ressuscitado Jesus encarrega os discípulos a fazer novos crentes e a baptizá-los em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Mateus 28:19 Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; 

“Mateus” entra em contradição consigo mesmo, ao referir “todas as nações”, pois tinha escrito que Jesus e os apóstolos tinham uma missão só para os judeus (Mateus 10:5-6; Mateus 15:24).

E no livro Actos dos Apóstolos, que supostamente relata os acontecimentos dos trinta anos que se seguiram à ressurreição, vemos que os novos crentes eram baptizados apenas em nome de Jesus. 
Actos 2:38 Pedro então lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo. 
Actos 8:16 Porque sobre nenhum deles havia ele descido ainda; mas somente tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus. 
Actos 10:48 Mandou, pois, que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então lhe rogaram que ficasse com eles por alguns dias. 
Actos 19:5 Quando ouviram isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus.

Conclusão: estamos perante mais uma óbvia adição que entra em contradição com o que estava escrito previamente. Esta frase poderá ter sido inserida pelos adeptos do trinitarismo, a doutrina que afirma que a divindade está distribuída por três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

O capítulo 28 de Mateus, que trata dos episódios pós-ressurreição, à semelhança de parte do capítulo 16 de Marcos, parece ter sido uma adição posterior.


Reino dos Céus ou de Deus?

Uma das características que se pode observar em Mateus é o uso da expressão “Reino dos Céus” em 31 versículos, quando no resto dos evangelhos e Novo Testamento é usada a expressão “Reino de Deus”. A excepção são quatro versículos (Mateus 12:28; 19:24; 21:31; 21:43) em que Mateus é consistente com o resto das escrituras, utilizando a expressão mais habitual “Reino de Deus”.

sábado, 27 de outubro de 2012

Mateus - Jesus de onde?




Belém, o local do nascimento

Tanto “Mateus” como “Lucas” dizem que Jesus nasceu em Belém. Mais uma vez, “Mateus” recorre ao Antigo Testamento, desta vez citando as palavras do profeta Miquéias:

Miquéias
Mateus
Miquéias 5:2 Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel, ...
Mateus 2:5-6 ... pois assim está escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel.


Repare-se como a citação difere do texto de Miquéias, pois “os milhares de Judá” não é o mesmo que “as principais cidades de Judá” ou, como em muitas traduções, “os governantes de Judá”. No texto de Miquéias, o autor compara o clã Belém Efrata com os clãs de Judá (os textos de Josué 22:14,21,30; Juízes 6:15; 1 Samuel 10:19; 23:23 utilizam a palavra “milhar” ou “milhares” para designar “clã” ou “clãs”). Por isso, para Miquéias, Belém Efrata designa um clã e não uma localização geográfica.

Mas, o mais importante é que a citação em Mateus está fora de contexto, tendo errado em mais de 700 anos!

Miquéias referia-se à iminente invasão por parte dos assírios por volta de 730 AEC que, começando por invadir o Reino de Israel, eram também uma ameaça para Judá. O seu texto servia para inspirar conforto e confiança de que, muito brevemente, iria surgir um líder que iria combater e derrotar os assírios.

Hoje podemos apenas tentar adivinhar que, como Miquéias não acertou no seu vaticínio, os judeus teriam ficado expectantes de um cumprimento posterior deste. Mas, como nunca aconteceu nada de extraordinário, é provável que alguns judeus, cansados de esperar pelo cumprimento de tantas “profecias”, tenham criado uma personagem que as cumpria todas: Jesus Nazareno.

Para além da duvidosa questão do cumprimento da profecia, “Mateus” não explica como é que José e Maria chegaram a Belém, transmitindo a ideia de que estes já aí viviam antes do nascimento de Jesus, enquanto que “Lucas” diz que foram para lá por causa de um recenseamento, organizado pelo governador Quirinius, que obrigava as pessoas a deslocarem-se às suas terras de origem.


A Data do Nascimento

"Mateus" diz que Jesus nasceu no tempo do reinado de Herodes. Ora, Herodes morreu em 4 AEC e foi sucedido, na Judeia, pelo seu filho Arquelau que foi deposto em 6 EC e substituido por governação romana.
"Lucas" diz que Jesus nasceu durante a governação de Quirinius. Quirinius começou a governar a Judeia a partir de 6EC e decretou um censo para registar pessoas e propriedades.

Mateus
Lucas
Mateus 2:1 E, tendo nascido Jesus em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, ...
Lucas 2:1-6 E aconteceu, naqueles dias, que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse. Este primeiro alistamento foi feito sendo Quirinius governador da Síria. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. E subiu da Galileia também José, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi chamada Belém (porque era da casa e família de Davi), a fim de alistar-se com Maria, sua mulher, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz. 


Ou seja, "Mateus" diz que Jesus teria nascido antes de 4 AEC, enquanto "Lucas" diz que Jesus nasceu no tempo do recenseamento “mundial” decretado por César Augusto, quando Quirinius era governador da Síria, isto é, depois de 6 EC. Uma diferença de, pelo menos, dez anos!


Os Magos e a Estrela de Belém

A tradição cristã diz que os três Reis Magos chamavam-se Melchior, Gaspar e Baltasar. Mas o episódio sobre estes homens, que é um exclusivo do relato de Mateus, menciona, é certo, magos (gr. maggoi), mas:
-          não especifica que eram três;
-          não diz que eram reis;
-          não especifica os seus nomes.

A tradição deve ter fixado em três o número de magos, provavelmente, devido a Mateus mencionar três ofertas: ouro, incenso e mirra. Mais tarde, alguém deve ter pensado que seria engraçado que cada mago trouxesse uma prenda e então fixou-se a tradição de que eram três magos. Quanto a estes homens serem reis, esta tradição é um absurdo... seriam reis de que povos?... e porque é que viajavam juntos? ... e porque é que a importância desta personagens esgota-se no nascimento de Jesus e não são mais referidos no resto do Novo Testamento?

A comparação daquilo que a tradição actualmente diz face ao que está registado por escrito ensina-nos o quanto a criatividade acrescenta às histórias que supostamente deveriam ser rigorosas pelo facto de estarem escritas. Imagine-se, então, o que deve a tradição ter feito antes destas histórias estarem escritas!

O relato de Mateus indica que os magos vieram das regiões do oriente atrás de uma “estrela” que lhes indicou o caminho para Belém. Muitos sábios e astrónomos, durante séculos e até à actualidade, perderam muito tempo a calcular posições relativas de planetas e outros corpos celestes no tempo do nascimento de Jesus. Alguns chegaram à brilhante conclusão que houve uma conjugação de planetas no ano 7 AEC. No entanto, este trabalho é infrutífero, pois se os magos vieram do oriente atrás de um corpo celeste, este corpo celeste podia ser qualquer um porque todos os corpos celestes, incluindo o Sol, descrevem um movimento aparente pela abóbada celeste no sentido de oriente para ocidente, ou seja, de nascente para poente.

Com os Magos a encontrarem Jesus em Belém através de um fenómeno extraordinário (uma estrela que indica o caminho), seria de esperar que Jesus ficasse conhecido como "Jesus de Belém"...


Nazaré, a nova morada de família

Já tivemos oportunidade de ver que, em Marcos, o adjectivo “nazareno” utilizado no nome de Jesus, pode ter dado origem à interpretação de que Jesus tinha tido origem numa localidade da Galiéia chamada Nazaré (ver Marcos - Jesus de Onde?).
“Mateus” relata que José e Maria tinham medo de regressar à Judeia, por isso foram procurar nova morada na Galiléia, ficando na Nazaré, também por causa de uma profecia, supostamente do Antigo Testamento, mas que não se sabe qual (Mateus 2:21-23).

Mateus
Lucas
Mateus 2:21-23 Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ouvindo, porém, que Arquelau reinava na Judeia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; mas avisado em sonho por divina revelação, retirou-se para as regiões da Galiléia, e foi habitar numa cidade chamada Nazaré; para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado nazareno.
Lucas 2:39 Assim que cumpriram tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia, para sua cidade de Nazaré.

Ao contrário de “Mateus”, “Lucas” explica que Maria e José já viviam na Nazaré, uma cidade da Galiléia, e que foi para esta cidade que regressaram depois do nascimento do menino. E, ao contrário do que as palavras de “Mateus” podem sugerir (“ele será chamado nazareno”), não existe nenhuma referência no Antigo Testamento a uma cidade designada por Nazaré.

Para tentar perceber onde é que o autor de Mateus foi buscar a designação “nazareno”, vamos, mesmo assim, recorrer ao Antigo Testamento, no livro de Juízes:
Juízes 13:5 porque tu conceberás e terás um filho, sobre cuja cabeça não passará navalha, porquanto o menino será nazireu de Deus desde o ventre de sua mãe; e ele começara a livrar a Israel da mão dos filisteus.

Este texto referia-se às palavras de um anjo que anunciou à mãe de Sansão o nascimento do seu filho. Mas Sansão não nasceu na Nazaré! Ele era nazireu, ou seja, estava sujeito a uma consagração religiosa, designada por nazireado (Números capítulo 6).

O homem chamado Jesus Nazareno, caso tenha existido, não era da Nazaré mas sim Nazireu.

Para finalizar, vejamos uma comparação entre Mateus e Lucas, sobre os dois locais, Belém e Nazaré:


Mateus
Lucas
Residência antes
O texto implica Belém
Nazaré
Local de nascimento
Belém
Belém
Porquê esse local de nascimento
Presume-se que já lá viviam, e por causa de uma profecia.
Por causa de um recenciamento que obrigava as pessoas a deslocarem-se à terra dos seus antepassados.
Residencia depois
José queria regressar a Belém, mas receava Arquelau (filho de Herodes); por isso e para cumprir uma profecia leva a família para a Galiléia.
Retornam à sua casa, a Nazaré.


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Mateus - O Pai José




Inspirado em José e Moisés do Velho Testamento

A história de José no livro de Mateus, tem ligações muito fortes ao Antigo Testamento, nomeadamente aos episódios de José (filho de Jacob) e Moisés, ambos considerados Príncipes do Egipto:
-          o pai de José chama-se Jacob; tal como o pai do José Principe do Egipto;
-          José, em resultado de sonhos reveladores, vai para o Egipto; como o José Principe do Egipto;
-          Herodes decreta o “Massacre das Crianças”; tal como o faraó no tempo do nascimento de Moisés;
-          José é chamado de volta do Egipto; tal como Moisés ao saír heroicamente do Egipto com o povo israelita liberto.

Vemos que “Mateus” reveste José de uma aura heróica ao basear a sua história nas antigas histórias de heróis da epopeia israelita. Para além disso, José também toma parte activa no cumprimento de profecias:

Antigo Testamento
Mateus
Oséias 11:1 Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egipto chamei a meu filho.
Mateus 2:13-15 ... eis que um anjo do Senhor apareceu a José em sonho, dizendo: Levanta-te, toma o menino e sua mãe, foge para o Egipto, e ali fica até que eu te fale; porque Herodes há de procurar o menino para o matar.
Levantou-se, pois, tomou de noite o menino e sua mãe, e partiu para o Egipto. e lá ficou até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta: Do Egipto chamei o meu Filho.
Jeremias 31:15 Assim diz o Senhor: Ouviu-se um clamor em Ramá, lamentação e choro amargo. Raquel chora a seus filhos, e não se deixa consolar a respeito deles, porque já não existem.
Mateus 2:15-18 Então Herodes, vendo que fora iludido pelos magos, irou-se grandemente e mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo que havia em Belém, e em todos os seus arredores, segundo o tempo que com precisão inquirira dos magos.
Cumpriu-se então o que fora dito pelo profeta Jeremias:
Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação e grande pranto: Raquel chorando os seus filhos, e não querendo ser consolada, porque eles já não existem.


O massacre das crianças

Na história do “Massacre das Crianças” (ou “dos Inocentes”), o autor de Mateus relata que Herodes manda matar todas as crianças de Belém e arredores, como se fosse o cumprimento de uma suposta profecia do livro de Jeremias e da qual cita apenas uma frase (Jeremias 31:15). Mas esta frase de Jeremias, que nem sequer é profética, diz respeito aos israelitas que lamentavam serem exilados para Babilónia, não estando relacionada com um massacre de crianças e nem com Belém (Ramá fica a uma distância considerável).

“Mateus” também conta que José, para poupar Jesus ao massacre, fugiu com a família para o Egipto, querendo mostrar que o regresso do Egipto é o cumprimento de uma profecia de Oséias. No entanto, “Mateus” cita apenas a segunda metade da frase, subtraindo mais uma vez o contexto. O texto de Oséias fala do êxodo do Egipto no tempo de Moisés e não tem tom profético.


José é protagonista em Mateus

Em Mateus, José protagoniza os eventos no tempo do nascimento de Jesus. Em Lucas, quem tem o papel principal é Maria.



Mateus
Lucas
Importância de José nos acontecimentos
José é o condutor dos acontecimentos, Maria não fala
José não fala e tem pouca importância, Maria é protagonista
Anunciação
José recebe a mensagem do anjo depois de Maria engravidar
Maria recebe a mensagem do anjo antes de engravidar
Acontecimentos entre o nascimento e a ida para a Nazaré
Magos visitam Herodes
Magos visitam a criança
Anjo avisa José de perigo
José leva família para o Egipto
Herodes ordena o massacre das crianças de Belém
Anjo avisa José que podem regressar
José e família regressam do Egipto
José e Maria vão ao Templo para cumprir rituais
Um homem, no Templo, dirige a palavra só a Maria (apesar de José estar presente)
Chegada a Nazaré
José queria regressar a Belém, mas receava Arquelau (filho de Herodes); por isso e para cumprir uma profecia leva a família para a Galiléia.
Retornam à sua casa, a Nazaré.




domingo, 21 de outubro de 2012

Mateus - A Virgem Maria





A virgem Maria

Já vimos que as genealogias apresentadas por Mateus e Lucas tentam mostrar que Jesus era um descendente directo do rei David por parte de José. No entanto, o relato da gravidez de Maria em Mateus e Lucas, mostram claramente que José não é o pai de Jesus, pois Maria ficou grávida ainda virgem, fertilizada pelo Espírito Santo, tornando as genealogias de José teologicamente insignificantes.

Mas, se José não é o pai de Jesus, temos de saber porque é que “Mateus” e “Lucas” incluíram a genealogia nos seus textos. A resposta poderá ser que o relato sobre a mãe virgem deverá ter sido inserido posteriormente, numa altura em que já circulariam edições com a genealogia.

É possível que o relato sobre a virgem tenha sido inserido após uma versão inicial, para acrescentar mistério à crença em Jesus Cristo e para melhor acomodar fiéis convertidos de outras crenças. Uma pista desta inserção é que em todo o texto do Novo Testamento não existe menção da virgem Maria a não ser nos poucos versículos sobre a Anunciação colocados no início de Mateus e Lucas. Um evento tão miraculoso e com esta importância deveria ser descrito mais vezes e usado para dar suporte à doutrina.

Dá a entender que a história da virgem foi inserida mais tarde, quando se estava a desenvolver a doutrina da divindade de Jesus. Terá sido necessário fundir a personagem de Jesus Nazareno com o Cristo, Filho de Deus. Mas esta nova doutrina, trouxe o problema de colocar Jesus fora da descendência de David, colocando inconsistências nos evangelhos de Mateus e de Lucas.

Se o episódio da Anunciação foi inserido mais tarde, pode ter sido por outra pessoa ou pode ter sido pelo próprio autor da versão inicial, ao criar uma edição revista da sua obra. Seja como for, vamos continuar a chamar “Mateus” a este autor.

Para justificar a gravidez de uma virgem, “Mateus” refere-se a uma profecia de Isaías do Antigo Testamento.

Isaías
Mateus
Isaías 7:14-16 Portanto o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem [heb. almah ou "mulher jovem"] conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel. Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. Pois antes que o menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, será desolada a terra dos dois reis perante os quais tu tremes de medo. ...
Mateus 1:22-23 Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito da parte do Senhor pelo profeta: Eis que a virgem [gr. parthenos] conceberá e dará à luz um filho, o qual será chamado EMANUEL, que traduzido é: Deus conosco.

Esta profecia dizia respeito ao rei Acaz, de Judá, cerca de setecentos anos antes, sobre o destino do rei do Norte de Israel e do rei da Síria que, coligados, ameaçavam o reino de Judá, e o próprio destino deste por ter-se aliado aos assírios. No texto hebraico, a passagem menciona uma “mulher jovem” (heb. almah) e não uma "virgem" (heb. betulah) que é uma palavra totalmente diferente. E não se pode colocar a hipótese de o autor de Isaías não saber utilizar a palavra betulah, pois utilizou-a cinco vezes noutras passagens (Isaías 23:4, 12; 37:22; 47:1; 62:5) enquanto a palavra “almah” só foi utilizada em Isaías 7:14.

No tempo de “Mateus” os livros do Antigo Testamento circulavam em tradução grega (tradução Septuaginta), e na passagem para o grego, a palavra almah foi incorrectamente traduzida para parthenos, "virgem". As mais rigorosas traduções do Antigo Testamento já vertem “mulher jovem”, em vez de “virgem”, no texto de Isaías 7:14. Estas incluem as seguintes: Revised Standard Version, The New Jerusalem Bible, The Revised English Bible, The Good News Bible, The New Revised Standard Version.

Seja como for “Mateus” transcreveu apenas uma das frases da profecia, colocando-a completamente fora do contexto. Esta passagem obviamente não está relacionada com um Messias nem com Jesus, pois Jesus nunca é referido no Novo Testamento com o nome de Emanuel, nem sobre ele comer manteiga e mel e nem sobre os dois reis da profecia de Isaías.

A profecia de Isaías refere-se aos dois reis que intentaram invadir Judá - o rei de Israel e o rei da Síria. Refere-se principalmente a Acaz, rei de Judá, que se sentia ameaçado. Supostamente Acaz iria receber um sinal de uma mulher que daria à luz um filho que se chamaria Emanuel e, em pouco tempo, quando o menino deixasse de mamar e começasse a comer manteiga e mel, os seus inimigos iriam ser derrotados. Para que isso acontecesse Acaz pediria ajuda ao imperador assírio Tiglath Pileser para derrotar os seus inimigos. O imperador ajudou Acaz a manter o seu trono em Judá, mas em troca exigiu pesados tributos.

Para finalizar, antigos apologistas cristãos sugeriram que os judeus criaram o nome Jesus ben Pandera fazendo um trocadilho da expressão grega Iesous Uios Parthenos (Jesus filho da Virgem) para Iesous Uios Panthera (Jesus filho de Pandera ou Jesus ben Pandera). Ou seja, o nome Pandera resultava de uma corrupção da palavra Parthenos (virgem).

Mateus - Os antepassados de Jesus?





Uma passagem do Antigo Testamento terá propagado entre os judeus a crença que o Messias (gr. Christos) teria de vir da linhagem do rei David e nasceria na cidade de David, Belém. “Mateus” utilizou essa passagem como suporte teológico do seu relato, mas ainda foi mais além ao utilizar outras frases retiradas ao acaso de textos não proféticos do Antigo Testamento.

Miquéias
Mateus
Miquéias 5:2 Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel, ...
Mateus 2:5-6 ... pois assim está escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo de Israel.



Sangue Real: as genealogias de José

Tanto em Mateus como em Lucas podemos encontrar uma genealogia de Jesus, por linhagem masculina (Mateus 1:2-17; Lucas 3:23-38). Ambas genealogias tentam mostrar que José era um descendente directo do rei David, de modo a mostrar que as antigas profecias sobre a vinda do Cristo (ou Messias) cumpriam-se em Jesus. O objectivo era tirar José do anonimato e colocá-lo numa linhagem real, de modo a convencer os leitores que Jesus, sendo filho de José, também pertencia a essa linhagem. Mas os dois relatos nem sequer concordam no nome do pai de José, e muito menos no resto da linhagem.

Mateus
Lucas
Mateus 1:2-17 A Abraão nasceu Isaque; ...; a Obede nasceu Jessé; e a Jessé nasceu o rei David. A David nasceu Salomão da que fora mulher de Urias; ...; e a Jacó nasceu José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama Cristo.
Lucas 3:23-38 Ora, Jesus, ao começar o seu ministério, tinha cerca de trinta anos; sendo (como se cuidava) filho de José, filho de Eli; ..., Matatá de Natã, Natã de David, David de Jessé, Jessé de Obede, ..., Isaque de Abraão...



Os apologistas da Igreja tentam eliminar esta inconsistência, sugerindo que a genealogia apresentada em Lucas seria a de Maria, mas isso não é aceitável, porque ambas genealogias, bem como as genealogias apresentadas no Antigo Testamento, são construidas segundo uma linhagem masculina. As mulheres não contavam para o reconhecimento de uma descendência, pois acreditava-se que o esperma continha tudo o que era necessário para gerar um ser humano. Não se conhecia o óvulo (que só foi descoberto no séc. XIX) e o útero era considerado o solo onde era colocada a semente (gr. sperma; lat. semen).

No entanto, nos três evangelhos sinópticos, encontramos uma passagem em que Jesus discute e tenta demonstrar que o Messias não tem de ser descendente de David:

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 12:35-37 Por sua vez, Jesus, enquanto ensinava no templo, perguntou: Como é que os escribas dizem que o Cristo é filho de David? O próprio David falou, movido pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés. David mesmo lhe chama Senhor; como é ele seu filho? ...
Mateus 22:41-46 Ora, enquanto os fariseus estavam reunidos, interrogou-os Jesus, dizendo: Que pensais vós do Cristo? De quem é filho? Responderam-lhe: De David. Replicou-lhes ele: Como é então que David, no Espírito, lhe chama Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos de baixo dos teus pés? Se David, pois, lhe chama Senhor, como é ele seu filho? ....

Lucas 20:41-44 Jesus, porém, lhes perguntou: Como dizem que o Cristo é filho de David? Pois o próprio David diz no livro dos Salmos: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés. Logo David lhe chama Senhor como, pois, é ele seu filho?


Neste episódio, o próprio Jesus cita uma passagem do Antigo Testamento, Salmos 110:1, para provar que o Messias não poderia ser descendente de David.



Os grupos de catorze gerações

“Mateus”, por algum motivo, quis dar beleza numérica à sua versão da genealogia de Jesus, organizando-a em três grupos de catorze gerações:
Mateus 1:17 De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze gerações; e desde Davi até a deportação para Babilônia, catorze gerações; e desde a deportação para Babilônia até o Cristo, catorze gerações.

É possível representar numa tabela aquilo que “Mateus”, na melhor das hipóteses, teria em mente:

Grupo
Gerações
De Abraão até David
(1)Abraão - (2)Isaque - (3)Jacob - (4)Judá - (5)Peres - (6)Esrom  - (7)Rão  - (8)Aminadabe  - (9)Nasom  - (10)Salmom  - (11)Boaz  - (12)Obede  - (13)Jessé  - (14)David
De David até à deportação para Bailónia
(1)David - (2)Salomão - (3)Roboão - (4)Abias - (5)Asa - (6)Jeosafá - (7)Jeorão - [omite Acazias, Jeoás e Amazias] - (8)Uzias - (9)Jotão - (10)Acaz - (11)Ezequias - (12)Manassés - (13)Amom - (14) Josias - (?)Jeoiaquim
Da deportação até Jesus
(1)Jeconias  - (2)Sealtiel  - (3)Zorobabel  - (4)Abiúde - (5)Eliaquim  - (6)Azor - (7)Sadoque - (8)Aquim - (9)Eliúde - (10)Eleazar - (11)Matã - (12)Jacob - (13)José - (14)Jesus

Os problemas desta proposta de “Mateus” são os seguintes:
-          David é contado nos dois primeiros grupos de gerações (como o autor apresenta 41 nomes, em vez de 42, é necessário repetir um nome);
-          na secção “de David até à deportação”, o autor omitiu da genealogia os reis Acazias, Jeoás, Amazias e Jeoiaquim (para que a sua contagem desse o número catorze!!! ver: Reis de Judá);


1 Crónicas 1,2,3
Mateus 1
Lucas 3
Abraão
Abraão
Isaque
Isaque
Isaque
Jacob
Jacob
Judá
Judá
Peres
Peres
Peres
Esrom
Esrom
Esrom
Rão
Rão
Arni
Aminadabe
Aminadabe
Aminadabe
Nasom
Nasom
Nasom
Salmom (Salma)
Salmom (com Raabe)
Salmom
Boaz
Boaz (com Rute)
Boaz
Obede
Obede
Obede
Jessé
Jessé
Jessé
David
David
Salomão
Salomão
Natã
Roboão
Roboão
Matatá - Mena - Meleá - Eliaquim - Jonã - José - Judas - Simeão - Levi   - Matate - Jorim - Eiézer - Jesus - Er - Elmadã - Cosã - Adi - Melqui
Abias
Abias
Asa
Asa
Jeosafá
Jeosafá
Jeorão
Jeorão
Acazias
(? faltam aqui 3 gerações)
Jeoás
Amazias
Azarias (Uzias)
Uzias
Jotão
Jotão
Acaz
Acaz
Ezequias
Ezequias
Manassés
Manassés
Amom
Amom
Josias
Jeoiaquim
(?)
Jeconias (Joaquim)
Jeconias
Néri
Pedaias
Sealtiel
Sealtiel
Zorobabel
Zorobabel
Zorobabel
(Mesulão, Hananias)
Abiúde
Resa

Eliaquim - Azor - Sadoque - Aquim - Eliúde - Eleazar - Matã 
Joanã - Jodá - Joseque - Semei - Matatias - Maate - Nagai - Esli - Naum - Amós - Matatias - José - Janai - Melqui - Levi - Matate
Jacob
Eli
José
José
Jesus
Jesus


As mulheres na genealogia segundo Mateus

Apesar de apresentar uma linhagem masculina, é intrigante Mateus mencionar quatro mulheres, esposas de antepassados dos reis David e Salomão. E, o que é surpreendente é tentar perceber o que estas mulheres teriam em comum:

-          Tamar – disfarçou-se de prostituta para seduzir o seu sogro Judá, patriarca da tribo com o seu nome e antepassado remoto de David, de modo a poder ter herdeiros dele (Génesis 38:12-19; ver mais sobre Judá);
Génesis 38:12-19 ... Então ela se despiu dos vestidos da sua viuvez e se cobriu com o véu, e assim envolvida, assentou-se à porta de Enaim que está no caminho de Timnate; porque via que Selá já era homem, e ela lhe não fora dada por mulher. Ao vê-la, Judá julgou que era uma prostituta, porque ela havia coberto o rosto. E dirigiu-se para ela no caminho, e disse: Vem, deixa-me estar contigo; porquanto não sabia que era sua nora...

-          Raabe – mulher de Salmom, o trisavô de David, era uma prostituta que vivia na cidade de Jericó em Canaã (Josué 2:1);
Josué 2:1 De Sitim Josué, filho de Num, enviou secretamente dois homens como espias, dizendo-lhes: Ide reconhecer a terra, particularmente a Jericó. Foram pois, e entraram na casa duma prostituta, que se chamava Raabe, e pousaram ali.

-          Rute – uma mulher moabita (sim, essa raça maldita...) que meteu-se na cama de Boaz, o bisavô de David, para o convencer a casar-se com ela (Rute 3:1-14);
Rute 3:1-14 ... Havendo, pois, Boaz comido e bebido, e estando já o seu coração alegre, veio deitar-se ao pé de uma meda; e vindo ela de mansinho, descobriu-lhe os pés, e se deitou. Ora, pela meia-noite, o homem estremeceu, voltou-se, e viu uma mulher deitada aos seus pes. E perguntou ele: Quem és tu? Ao que ela respondeu: Sou Rute, tua serva; estende a tua capa sobre a tua serva, porque tu és o remidor. ...

-          Bate-Seba (“a mulher de Urias”) – o rei David engravidou-a quando ainda era casada com outro homem, Urias (2 Samuel 11:2-5); mais tarde tornou-se a mãe do rei Salomão (ver sobre David).

2 Samuel 11:2-5 Ora, aconteceu que, numa tarde, David se levantou do seu leito e se pôs a passear no terraço da casa real; e do terraço viu uma mulher que se estava lavando; e era esta mulher mui formosa à vista. Tendo David enviado a indagar a respeito daquela mulher, disseram-lhe: Porventura não é Bate-Seba, filha de Eliã, mulher de Urias, o heteu? Então David mandou mensageiros para trazê-la; e ela veio a ele, e ele se deitou com ela (pois já estava purificada da sua imundícia); depois ela voltou para sua casa. A mulher concebeu; e mandou dizer a David: Estou grávida.

Percebemos que a única coisa em comum nestas mulheres é o facto de terem estado envolvidas em episódios moralmente questionáveis (à luz dos critérios morais judaicos).

Porquê mencionar estas quatro mulheres e deixar de fora Sara e Rebeca, mulheres que são descritas como moralmente limpas e igualmente casadas com homens da linhagem? Podemos imaginar que “Mateus” teria em mente a história de Jesus ben Pandera que era filho de uma adúltera. Essa história poderia ser causa para potenciais discípulos não crerem que Jesus seria o Messias, porque o Messias não poderia ser fruto de uma relação imoral. Por isso, “Mateus” resolveu enumerar mulheres, que, tendo um episódio moralmente reprovável na sua vida, não deixaram de ser escolhidas por Deus para conceber a linhagem dos mais poderosos reis de Israel, David e Salomão. Se estes reis, bafejados pela benção divina, tiveram na sua ascendência estas mulheres, então não importaria que o Messias, Jesus, descendente destes reis, tivesse também sido gerado por uma mulher tocada por um episódio de suposta imoralidade.

Só depois disto é que possivelmente foi acrescentada a história de Maria ficar grávida pelo Espírito Santo. 

Mesmo assim, na versão final de Mateus (a versão actual), lemos que José suspeitou que Maria cometeu adultério e quis abandoná-la:
Mateus 1:18-20 Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, ela se achou ter concebido do Espírito Santo. E como José, seu esposo, era justo, e não a queria infamar, intentou deixá-la secretamente. E, projetando ele isso, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de David, não temas receber a Maria, tua mulher, pois o que nela se gerou é do Espírito Santo;