domingo, 26 de fevereiro de 2012

Introdução aos Evangelhos



O que são os evangelhos?

A palavra evangelho (gr. evangélio) significa “boas novas” ou “boas notícias”. Usa-se a palavra evangelho para designar qualquer composição sobre a mensagem e obra de uma personagem chamada Jesus que teria, alegadamente, características excepcionais. Não se sabe que porção de cada evangelho será baseada em dados biográficos reais - no limite, a personagem Jesus pode ser completamente ficcional.


O Novo Testamento contém apenas quatro dessas composições, aos quais foram atribuidos os seguintes títulos:

-          Evangelho Segundo Mateus – mas antes de ter este título poderia ser conhecido como o “livro da genealogia de Jesus”, que é a frase inicial do texto.

-          Evangelho Segundo Marcos – deveria ser conhecido como o “livro das boas novas [evagellon] de Jesus”.

-          Evangelho Segundo Lucas – parece ser uma carta para alguém chamado Teófilo.

-          Evangelho Segundo João – parece ser uma elaborada composição filosófica sobre teologia.


Estes quatro evangelhos são chamados de canónicos porque, a determinado momento, foram reconhecidos e autorizados por detentores do poder religioso.

Uma vez que existem ou existiram muitos outros escritos sobre o evangelho de Jesus, é certo que houve um processo de selecção. O que não se sabe ao certo é se esse processo de selecção foi ditado pelas preferências dos crentes ou se foi ditado pelos dirigentes das diversas igrejas cristãs.


Evangelhos excluídos

Hoje, ao contrário do que acontecia até ao século XIX, estamos em posição de poder consultar muitos dos evangelhos que foram proibidos, ou que estiveram perdidos (alguns descobertos em 1945, em Nag Hammadi, no Egipto), como por exemplo:
-          Evangelho de Tomé (50-140 EC) – descoberto em Nag Hammadi, em 1945, contém uma colecção de dizeres em que Jesus inicia com a sugestiva proposta “quem souber interpretar estes dizeres jamais provará a morte”; grande parte dos versículos começam com “Jesus disse...”; muitos dos dizeres encontram-se nos evangelhos do Novo Testamento;

-          Evangelho Segundo Pedro (95-150 EC) – este evangelho foi descoberto em 1886, no Egipto, cem quilometros a norte de Nag Hammadi; o texto refere que no túmulo de Jesus aparecem dois homens tão altos que as suas cabeças chegavam aos céus e que conduziam um terceiro homem tão alto que a sua cabeça ultrapassava os céus;

-          Evangelho Segundo Maria [Madalena] (120-180 EC) – neste evangelho descoberto em 1896, Maria Madalena é a favorita entre os discípulos de Jesus (o que não contraria os evangelhos do Novo Testamento);

-          Evangelho de Filipe (180-250 EC) – também descoberto em Nag Hammadi, numa passagem descreve que Jesus beijava frequentemente Maria Madalena;

-          Evangelho de Judas (130-170 EC) – a sua recente recuperação (em 2006) a partir de milhares de fragmentos mostra uma doutrina em que Judas é retratado de uma forma favorável;

-          Evangelho da Infância Segundo Tomé (140-170 EC) – descreve as traquinices de Jesus na sua infância durante a qual utilizava os seus poderes com irresponsabilidade;


Na Ficção Moderna

O Código Da Vinci, um livro que teve uma enorme divulgação, trouxe ao imaginário dos leitores uma teoria da conspiração centrada na Igreja Católica. Essa conspiração é descrita nos seguintes termos: num dado momento da História, foi decidido centralmente quais os textos que deveriam pertencer ao Novo Testamento, decretando a destruição daqueles que seriam embaraçosos para a Igreja, por não se enquadrarem nas doutrinas defendidas por esta, nomeadamente aqueles que descrevessem Jesus com traços demasiado humanos, não lhe atribuindo características divinas, e também aqueles que dessem demasiado relevo às mulheres, em particular a Maria Madalena.

Mesmo considerando que se trata apenas da base de um romance ficcional, este argumento da teoria da conspiração tem pouca sustentação. Por exemplo, se analisarmos o Evangelho Segundo Marcos, um dos textos autorizados pelo poder eclesiástico, verificamos que contém uma boa quantidade de detalhes embaraçosos para a Igreja, retratando um Jesus demasiado humano, ou seja, pouco compatível com as doutrinas católicas. Daí que podemos facilmente argumentar que as preferências dos crentes tiveram peso na escolha dos textos que iriam compor o Novo Testamento, nem que fosse pelo simples facto de que o Evangelho Segundo Marcos poderia já ter-se tornado numa espécie de “best-seller” da época, impossível de erradicar.

Por outro lado, vemos também que o Evangelho Segundo Lucas contém inúmeras passagens onde as mulheres protagonizam como preferidas entre os discípulos de Jesus. Se a Igreja Católica tem séculos de discriminação das mulheres, nunca tal pode ter sido fundamentado pelo conteúdo dos evangelhos, mas sim pelas tradições em que a Igreja se fundou e por uns poucos versículos de origem duvidosa no Novo Testamento.



Os evangelhos gnósticos

Uma classe de literatura religiosa cai na área do gnosticismo, cujo objecto de estudo é alcançar um conhecimento sobre a natureza de Deus, através do aperfeiçoamento individual.

Dentro desta classe de literatura estão os evangelhos gnósticos, escritos em torno da personagem de Jesus Cristo, cujo conteúdo teria sido construído com o propósito de ser interpretado simbolicamente e não como relatos históricos ou biográficos.

Os evangelhos encontrados em 1945, em Nag Hammadi, são geralmente enquadrados nesta categoria (por exemplo, os Evangelhos de Tomé e de Filipe). É provável que tenha sido essa a forma original destes e de todos os outros evangelhos.

Durante séculos, a Igreja combateu esta forma de interpretação, promovendo a leitura dos evangelhos como se se tratassem de rigorosos documentos históricos.

Introdução ao Novo Testamento





O que é o Novo Testamento?

O Novo Testamento é uma compilação de uma selecção de textos cristãos escritos em grego. Por isso também é chamado de Escrituras Gregas Cristãs. A sua composição foi definida canonicamente como contendo 27 textos com os seguintes conteúdos:

Secção
Descrição
Quatro composições sobre a missão de Jesus, de autoria atribuida a Mateus, Marcos, Lucas e João.
As actividades de Jesus com os apóstolos e outros discípulos.
Um livro sobre as actividades dos Apóstolos, após a morte de Jesus. Pedro e, principalmente, Paulo são as personagens principais.
Treze cartas cuja autoria é atribuida a Paulo: nove dirigidas a diversas igrejas cristãs e quatro dirigidas a alguns seus companheiros.
Outras Cartas
Oito cartas: carta anónima aos Hebreus, cartas de Pedro, João (o ancião), Tiago, Judas.
Um relato sobre revelações de Jesus a um homem chamado João.

O critério adoptado para a disposição dos textos foi a ordem cronológica dos eventos, segundo o seu aparente enquadramento histórico, e não a data de escrita.

A ordem de escrita terá sido, de grosso modo, a seguinte:
-          Cartas de Paulo (pelo menos 7 consideradas genuínas);
-          Outras cartas;
-          Apocalipse/Revelação;
-          Evangelhos;
-          Actos dos Apóstolos;

Parece insignificante, mas a ordenação dos textos pelas suas datas de composição é uma peça importante para se entender como o cristianismo se formou.

Personagens principais

O Novo Testamento contém narrativas que são entendidas pela maior parte dos cristãos como relatos históricos da vida e morte de um homem chamado Jesus Nazareno, o qual identificam como sendo o Cristo, Salvador.

Nome
Data
Descrição
O seu enquadramento histórico indica que terá vivido entre 7 AEC e 36 EC
Considerado como o Messias, o Cristo, o Salvador, o Filho de Deus, etc.
Rei dos Judeus de 43 a 4 AEC
Rei dos territórios da Palestina, sob um acordo com Roma, no tempo do nascimento de Jesus.
Tetrarca da Galiléia de 4 AEC a 40 EC
Filho de Herodes o Grande, governador da Galiléia no tempo da morte de Jesus.
Sumo-Sacerdote do Templo de 18 a 36 EC
Sumo-Sacerdote ao qual Jesus foi levado na noite em que foi capturado.
Governador da Judeia de 26 a 36 EC
Governador Romano da Judeia, que sentenciou a execução de Jesus.
Morreu em 33 EC ou 36 EC (?)
Líder de um movimento religioso, centrado no ritual do baptismo, ao qual Jesus esteve ligado.

Pais de Jesus.

Irmãos de Jesus, não está especificado se eram filhos de Maria, de José ou de ambos.

Discípula de Jesus que teve um papel importante nos últimos dias de Jesus.

Formavam o círculo mais íntimo dos amigos de Jesus e divulgaram a mensagem após a morte deste.

O que traíu Jesus e permitiu que fosse capturado para ser crucificado.

Outros homens que são listados como os principais seguidores de Jesus, mas cuja descrição não é minimamente detalhada.
Terá vivido possivelmente entre 5 e 65 EC. Iniciou sua missão entre 35 e 40 EC. Escreveu as suas famosas cartas de 50 a 60 EC.
O primeiro grande divulgador da fé cristã, divulgando-a para os não judeus.
Proclamando-se apóstolo, Paulo diz que conheceu o Cristo através de uma revelação ou visão e não pessoalmente nem através de relatos humanos.
Paulo não pertence ao conjunto de 12 apóstolos que figuram nos evangelhos.

Uma parte das personagens que constam nas narrativas do Novo Testamento podem ser consideradas figuras históricas, porque aparecem descritas em documentos históricos fora do âmbito religioso (p.ex. Herodes e Pilatos).

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Revisão do Antigo Testamento




O que contém?

O Antigo Testamento é um conjunto de trinta e nove livros, ou mais (conforme a selecção de livros de que é composto), escritos ao longo de vários séculos, em várias línguas, que podem ser agrupados da seguinte maneira:

Secção
Descrição
Pentateuco ou Lei (Torah para os judeus)
São cinco livros, que narram a vida de Moisés e registam a lei dos judeus. O primeiro, Génesis, inclui a cosmogonia (origem do universo e da Terra) e a história primitiva do homem, segundo a óptica dos hebreus. Os outros são Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio.
Históricos
Josué, Juizes, Samuel, Reis, Crónicas, vários de escribas, entre outros
Poesia e Sabedoria
Jó, Salmos, Provérbios, Canções
Profetas Maiores
Isaias, Jeremias, Ezequiel, Daniel
Profetas Menores
Oseias, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Zacarias, Malaquias, etc


O Antigo Testamento corresponde à bíblia hebraica, conhecida pelos judeus pela designação de Tanakh (acrónimo de três palavras hebraicas Torah-Nevi’im-Kh’tuvim, ou seja, Lei-Profetas-Escritos), cuja composição é idêntica, embora com uma organização diferente.
Outros escritos aparecem em certas edições da Bíblia, mas não são plenamente reconhecidos como sendo sagrados (ou canónicos), como, por exemplo, os livros Macabeus e Judite. São chamados deuterocanónicos, porque foram canonizados depois (gr. deutero, segundo; deuterocanónicos, canonizados em segundo lugar).


Como sobreviveu o texto

A única maneira de se conservar os textos era a sua contínua cópia, uma vez que os exemplares degradavam-se com o tempo e uso. Na Antiguidade, existiam as seguintes grandes correntes de cópias do Antigo Testamento:
-          a Septuaginta (ou versão LXX) - foi uma tradução grega do Antigo Testamento que surgiu no século III AEC, em Alexandria (uma cidade do Egipto que tinha uma grande população judaica de língua grega); o nome advém da tradição que diz que foram 72 sábios, a pedido do rei Ptolomeu II Filadelfo (309 - 246 AEC), que traduziram os textos para o grego;
-          as traduções para o Latim só foram oficializadas a partir do século IV EC, com a introdução da Vulgata Latina por Jerónimo, que já incluía o Novo Testamento;
-          o texto Massorético - corresponde à versão oficial em hebraico, copiada segundo regras rígidas; mas, embora sendo o hebraico a língua original da maior parte dos livros do Antigo Testamento, esta corrente de cópias só se formou a partir do século IX EC e não é claro quais foram as fontes iniciais para esta.


No século XX, por volta de 1947, foram encontrados os Rolos do Mar Morto que continham cópias hebraicas dos livros do Antigo Testamento cerca de mil anos mais antigas que as cópias Massoréticas.


Personagens e Eventos Principais

Todas as histórias do Antigo Testamento têm personagens cujas características são mais ou menos detalhadas. A seguinte tabela contém uma lista resumida das personagens principais, bem como eventos relativos aos judeus em geral, ordenados segundo a cronologia bíblica.

Personagem
Época
Descrição
-
O personagem principal com várias designações: Elohim, El, Yahveh (também Javé ou Jeová), etc.
4000 AEC
Pais da humanidade. Foram expulsos do paraíso por desobedecerem a Deus.
2600 AEC
Protagonista do dilúvio. Graças a ele, a humanidade sobrevive à extinção.
2000 AEC
Patriarca dos povos do médio oriente. Foi-lhe prometida a posse da terra de Canaã (Palestina) para os seus herdeiros.
1900 AEC
Neto de Abraão, Pai das 12 tribos e da nação de Israel.
1850 AEC
Filho de Jacob, antepassado dos judeus.
1850 AEC
Filho de Jacob, leva a família para o Egipto.
1500 AEC
Resgata o povo, escravos no Egipto, e leva-os em direcção à Terra Prometida.
1400 AEC
Faz a conquista militar da Terra Prometida.
até 1100 AEC
Israel tem uma estrutura tribal, sendo governado por Juízes.
Samuel
1100 AEC
Profeta e último juíz de Israel.
1040 AEC
Primeiro rei das tribos de Israel
1000 AEC
Rival da família de Saul. O território do Reino Unido de Israel atinge a sua extensão máxima.
960 AEC
Filho de David. O Reino Unido de Israel atinge um estado máximo de riqueza, mas acaba fortemente endividado.
900 AEC
Profeta que, para os judeus, tem quase a mesma importância que Moisés.
Vários Reis
até 700 AEC
O Reino divide-se em dois: Judá a sul e Israel a norte.
Até 700 AEC
Jonas, Amós e Oseias, Miquéias, Naum, Sofonias e Isaías. Alguns mostram o ambiente instalado pela ameaça assíria. O livro de Isaías foi escrito durante mais de cem anos, mas começa no ambiente pré-exílio.
700 AEC
O reino de Israel é destroçado. O povo israelita é distribuído pelos territórios do Império Assírio. Muitos refugiam-se em Judá.
600 AEC
O reino de Judá é conquistado pelos Babilónios. Jerusalém é destruida. A elite é deportada para Babilónia para servir o Império.
Até 500 AEC
Vários escritos produzidos durante a estada em Babilónia: Ezequiel, Jeremias, Daniel.
500 AEC
Os judeus recuperam autonomia de Jerusalém sob o Império Persa.
Até 400 AEC
Neemias, Esdras, Ageu, Zacarias, Malaquias


Nesta tabela, as datas apresentadas não têm significado histórico. São ditadas pela tradição (judaica e outras) e são sustentadas pelas cronologias da própria Bíblia. Estas cronologias da Bíblia têm a mesma fiabilidade que as histórias aí encontradas e só fariam sentido se estas fossem classificadas como narrativas históricas. 

Na verdade, as narrativas da Bíblia só começam a fazer algum sentido histórico a partir dos episódios dos últimos reis de Judá, por volta do século VII AEC.