sábado, 26 de fevereiro de 2022

Século I - O Pastor de Hermas

 



O Codex Sinaiticus

Codex Sinaiticus é um antigo manuscrito bíblico, descoberto em 1844, pelo historiador alemão Von Tischendorf, num mosteiro na península do Sinai.

Escrito em grego, em meados do século IV, o Codex Sinaiticus é a versão completa mais antiga do Novo Testamento já encontrada.

Existem cópias mais antigas e fragmentos de livros individuais do Novo Testamento, mas esta é a compilação mais antiga dos mesmos 27 livros.

Importante para o assunto que vamos aprofundar aqui é que o Codex Sinaiticus inclui dois livros adicionais pouco conhecidos e que não são encontrados nas bíblias cristãs modernas: a Epístola de Barnabé e o Pastor de Hermas.


O Pastor de Hermas

O Pastor de Hermas foi um dos textos mais populares entre os primeiros cristãos. Importante o suficiente para ganhar um lugar no Codex Sinaiticus, junto dos Evangelhos e das cartas de Paulo.

É um livro longo e complexo. Manuscritos antigos normalmente o dividem em três secções.


Secção I - Visões

As visões têm como cenário Roma e arredores. Concentram-se no protagonista da narrativa, um ex-escravo chamado Hermas.

No início do livro, Hermas encontra sua antiga senhora, uma mulher chamada Rhoda, banhando-se nua no rio Tibre. Neste momento, Hermas tem um pensamento sobre ela, que o narrador descreve como sendo inocente mas, mais tarde, Rhoda aparece do céu e o repreende alegando que ele teve pensamentos lascivos, pecaminosos.

Este encontro fez com que Hermas entrasse numa ansiedade emocional questionando-se como poderia ser salvo ou se Deus iria perdoar os seus pecados. Então uma outra mulher aparece para lhe mostrar uma série de visões que ele deveria registar para que outros em Roma pudessem ler. Hermes pensa que ela é uma famosa profetisa de Nápoles, mas o leitor percebe que a mulher personifica a Igreja (eventualmente de Roma).

A visão que Hermas recebe da Igreja utiliza a imagem de uma torre em construção. Nesta visão, os crentes são descritos como pedras que são boas o suficiente ou não boas o suficiente para serem usadas na construção da torre. Algumas pedras estão prontas para serem adicionadas à torre, algumas precisam de ser retificadas e outras são descartadas. A chave para essa visão é que Deus oferece tempo para arrependimento ou mudança de mente para se remodelar e se ajustar para a construção da torre.

Este tema de arrependimento antes que o tempo se esgote ocorre repetidas vezes em todo o Pastor de Hermas.


Secção II - Mandamentos

Neste ponto, há uma mudança na narrativa. Ainda temos um narrador em primeira pessoa, mas ele não é mais explicitamente referido como Hermas. Este narrador anónimo é abordado por um novo parceiro de conversa divino, o anjo do arrependimento, com a aparência de um pastor, daí de onde vem o título do livro.

O pastor manda o narrador anotar todos os mandamentos e parábolas que vai lhe dar, pois serão edificantes e levarão ao seu arrependimento. O pastor discute uma enorme variedade de tópicos: crença em deus, sinceridade, pureza, casamento, raiva, autocontrole, profecias verdadeiras e falsas, desejos maus e bons.

Uma das imagens mais famosas dos mandamentos são os dois anjos, o anjo da justiça e o anjo da maldade, que podem viver dentro de uma pessoa e influenciar suas ações e comportamentos. Essa imagem evoluiu para o famoso anjo e diabo que se imagina guiarem as decisões pessoais.

Neste livro os crentes não são chamados de cristãos, mas são referidos como pessoas escravizadas a Deus, levantando questões sobre como os primeiros cristãos entendiam o que o relacionamento com o divino poderia ou deveria ser.


Secção III - As Similitudes (Parábolas)

As Similitudes também são conhecidas como parábolas. O pastor e o narrador anónimo continuam a sua conversa com parábolas sobre os crentes. Parábolas de árvores frutíferas e videiras e uma história muito parecida com as parábolas de Jesus sobre uma pessoa escravizada trabalhando numa vinha e recebendo a liberdade como recompensa por seu trabalho.

Também encontramos uma versão ampliada e remodelada da visão da torre que Hermas experimentou com a Igreja, mas desta vez ocorrendo numa região montanhosa na Grécia, de onde as pedras para a torre estão sendo extraídas.

O livro termina com um anjo ainda maior aparecendo, encorajando o narrador a espalhar a mensagem dos encontros que ele acabou de ter e que o Pastor permanecerá com ele para sempre para ajudá-lo a cumprir todos os mandamentos que recebeu. 


História

O livro mal se encaixa na narrativa típica que vemos noutras literaturas cristãs primitivas. Não há referência a Jesus. Há um personagem filho de deus em alguns pontos, mas até ele precisa ser salvo para fazer parte da torre (da Igreja). Não há citações ou referências à Bíblia Hebraica ou relação com outros textos do Novo Testamento. Em vez disso, há apenas uma citação para um livro do qual nunca ouvimos falar, o Livro de Eldad e Modot. Não há histórias dos apóstolos e suas aventuras. O único outro nome judaico ou cristão reconhecível é o anjo Miguel, que faz uma breve aparição.

Mas apesar de tão aparentemente desconectado de outra literatura cristã, este livro ocupou uma posição de destaque nas mentes e na vida ritual dos primeiros cristãos.

O Pastor de Hermas terá sido composto no final do primeiro ou início do segundo século, já que seu conteúdo parece depender um pouco das cartas de Paulo e é citado pela primeira vez por Irineu na década de 170. 

A autoria do Pastor também não é direta. É possível que parte do texto tenho sido escrita por alguém chamado Hermas. O texto não é claro nisso. 

O género do livro poderia ser rotulado como um texto apocalíptico porque investe em incitar seus leitores a se arrependerem antes do último dia (eschaton), como vimos naquela visão sobre ser incorporado à construção e conclusão da torre, mas o texto também tem muito material moralizante que é não tão claramente ligado ao conceito do fim dos tempos, parecendo mais um código de conduta para o dia-a-dia.


Provas materiais do livro

O livro terá sido escrito originalmente em grego, mas no século II foi traduzido para o latim no norte de África. Pelo século IV, cristãos egípcios traduziram para o copta (língua egípcia em cuja escrita se usa caracteres gregos) e espalharam o texto pelos mosteiros egípcios do sul. No século VI, o Pastor chegou a ser traduzido em língua etíope e permaneceu um texto proeminente entre os cristãos da Etiópia até à era moderna. Por volta dos séculos VII ou VIII, o Pastor também foi traduzido para o árabe, embora essa tradução infelizmente esteja perdida. Finalmente, foi traduzido para o persa médio e usado nas comunidades maniqueístas.

Apesar da versão original do Pastor ter sido a grega, as outras versões são úteis tanto para preencher as lacunas nos manuscritos gregos, que não possuem os últimos capítulos, quanto para revelar como os cristãos da Europa, África e Ásia usavam o texto.

Vemos indícios de como diferentes tradições deram sentido ao texto. Um manuscrito etíope afirma que Paulo o escreveu; a versão georgiana diz que Santo Efrém o escreveu, e um texto grego argumenta que a secção chamada de mandamentos foi dita pelo bispo de Alexandria Atanásio.


Uso do texto

Irineu, no livro "Contra Heresias", cita o texto como sendo escritura e autoritário. Cristãos alexandrinos proeminentes como Clemente e Orígenes também o consideravam autoritário.

No entanto, Tertuliano não concordou com a ideia de um longo prazo para um arrependimento: o texto dá aos humanos tanto tempo para se arrependerem que Tertuliano argumentou que a excessiva brandura poderia levar ao adultério e ao pecado. Portanto, já no segundo século, o texto era motivo de controvérsia.

Nos séculos IV e V, embora o cânon do Novo Testamento já estivesse praticamente solidificado, o Pastor ainda era muito importante. Escritores como Eusébio, Atanásio e Jerónimo notaram que o Pastor era usado nas igrejas e usado para educar novos cristãos.

Até mesmo no período medieval, ainda se faziam cópias por toda a Europa e Ásia. O Pastor era usado até mesmo como autoridade numa coleção medieval irlandesa (Hibernensis) de direito canônico que considerou os comentários do mandamentos sobre divórcio e novo casamento muito significativos.

Então, aparentemente, tanto os primeiros cristãos quanto os cristãos medievais acharam o conteúdo ético e as histórias do pastor benéficos para suas próprias vidas. E pelo menos alguns cristãos primitivos acharam suas histórias artisticamente valiosas também. Nas catacumbas de São Gennaro em Nápoles pode-se encontrar uma representação de uma cena do Pastor: três mulheres recolhendo pedras da pedreira para a construção de uma torre.

Tertuliano também menciona que alguns cristãos do norte de África gravavam imagens alusivas ao Pastor em seus cálices.


O esquecimento

O Pastor de Hermas caiu em desuso em diferentes momentos e diferentes lugares ao redor do Egito e do Levante, bem como em outras áreas do oriente de língua grega, o pastor tornou-se menos abundante nos séculos VII e VIII.

Inicialmente, grandes figuras como Irineu o consideraram como escritura, mas quando o cânon do Novo Testamento começou a solidificar, algumas autoridades da igreja o relegaram a um segundo status. Por exemplo, o patriarca Atanásio do século IV argumentou que o Pastor era um texto útil apenas para instruir novos fiéis.

Eusébio também relata que o Pastor foi contestado por muitos. As autoridades cristãs neste campo provavelmente trabalharam para manter o Pastor fora das compilações do Novo Testamento.

Contudo, na Europa Ocidental as versões latinas continuaram a circular até ao século XV e, na Etiópia, o pastor permaneceu um texto proeminente até ao século XVIII.


Referências:

 - http://www.earlychristianwritings.com/shepherd.html

 - http://monergismo.com/wp-content/uploads/Pastor_de_Hermas.pdf

 - https://www.youtube.com/watch?v=oX3Oi8j5AzY



quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Paulo - A Semente de David




Paulo sobre a semente de David

Em Romanos 1:3, Paulo diz que Jesus "foi feito da semente de Davi segundo a carne”. 

Romanos 1:1-3 Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual foi prometido por ele de antemão por meio dos seus profetas nas Escrituras Sagradas, acerca de seu Filho, que foi feito da semente de Davi segundo a carne...


Muitas vezes esta passagem é traduzida por "... que nasceu da descendência de Davi segundo a carne...".

Trata-se de uma tradução abusiva. Paulo usa a palavra γενομένου (genomenou) que não significa "nascer", mas qualquer coisa como "tornar-se".

Veja-se, no evangelho de Mateus, uma utilização de uma palavra da mesma família -  γένωνται (genontai):

Mateus 4:3 E chegando-se a ele o tentador, disse: Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se tornem em pães.


Mesmo sem a tradução abusiva, que diz que Jesus "nasceu da descendência de David", a passagem de Romanos 1:1-3 parece ser uma prova de que Paulo afirma que o Filho de Deus foi um homem que viveu na terra, eventualmente sob a identidade de Jesus Nazareno.

Mas qual a veracidade de Jesus Nazareno, um alegado pregador da Galileia, ter sido descendente de David? Nenhuma! Qualquer judeu iria estranhar essa alegação, pois havia séculos que a linhagem de David se havia extinguido. 

Segundo a profecia judaica entregue a David pela voz do profeta Natã, Deus disse que a casa de David governaria para sempre.

2 Samuel 7:12-13 Quando a sua vida chegar ao fim e você descansar com os seus antepassados, escolherei um dos seus filhos para sucedê-lo, um fruto do seu próprio corpo, e eu estabelecerei o reino dele. 13 Será ele quem construirá um templo em honra ao meu nome, e eu firmarei o trono dele para sempre.


Pensando em termos da crença judaica, para se cumprir a profecia de que o Cristo teria de ser descendente (da semente) de David, seria necessário que Deus ressuscitasse David ou algum antigo rei de Judá da sua linhagem de modo a ter um filho na Terra... Ou então, como Deus é omnipotente, porque não poderia Deus fazer um corpo para o Cristo usando a semente de David como matéria prima?


Paulo sobre a semente de Abraão

Também não podemos deixar de parte que Paulo poderia ter referido que o Cristo veio da semente de David em sentido figurado e não literal. Em Gálatas 3:29, Paulo diz que todos os crentes são da semente de Abraão.

Gálatas 3:29 E, se vocês são de Cristo, são da semente de Abraão e herdeiros segundo a promessa.


Paulo refere-se a todos os crentes, mesmo os que não eram etnicamente judeus para poderem ser considerados da "semente" literal de Abraão. Então os cristãos gentios eram também literalmente descendentes de Abraão? Não! Aqui Paulo usa a palavra "semente" no sentido figurativo.


Jesus como ser celestial

E se Jesus fosse imaginado como um ser celestial em vez de um homem que viveu na Terra?

Vamos ver a hipótese de que Jesus era imaginado por Paulo como um ser celestial. Paulo alegaria, então, que Jesus obteve um corpo (feito com o material do corpo ou semente de David) nos céus inferiores, que foi morto por poderes demoníacos e que ressuscitou, tudo no reino celestial e não na Terra.

Temos de ter em conta que os judeus criam que os seres celestiais podiam obter um corpo material (p.ex., Génesis 6, os filhos de deus que tiveram relações sexuais com mulheres).

É muito provável ter havido, inicialmente, a crença num Filho de Deus celestial. Combinando essa crença com a necessidade teológica de um Cristo descendente de David, então seria de esperar que os primeiros cristãos acreditassem que Cristo era um descendente de Davi, mesmo que acreditassem num Cristo celestial. Eles poderiam imaginar que o corpo de Jesus teria sido criado diretamente da semente de David preservada sobrenaturalmente nos céus inferiores.

O pensamento religioso não é necessariamente racional. Por isso qualquer crença, por mais bizarra que pareça, é possível. Pensadores religiosos têm criatividade ilimitada e os seus seguidores não costumam ser muito críticos. 


Receita para fazer um corpo

Na Carta aos Coríntios, Paulo refere como corpos podem ser feitos (não necessariamente nascidos).
1 Coríntios 15:35-49 
35 Mas alguém pode perguntar: “Como ressuscitam os mortos? Com que espécie de corpo virão?” 36 Insensato! O que você semeia não nasce a não ser que morra. 37 Quando você semeia, não semeia o corpo que virá a ser, mas apenas uma simples semente, como de trigo ou de alguma outra coisa. 38 Mas Deus lhe dá um corpo, como determinou, e a cada espécie de semente dá seu corpo apropriado. 39 Nem toda carne é a mesma: os homens têm uma espécie de carne, os animais têm outra, as aves outra, e os peixes outra. 40 Há corpos celestes e há também corpos terrestres; mas o esplendor dos corpos celestes é um, e o dos corpos terrestres é outro. 41 Um é o esplendor do sol, outro o da lua, e outro o das estrelas; e as estrelas diferem em esplendor umas das outras.

42 Assim será com a ressurreição dos mortos. O corpo que é semeado é perecível e ressuscita imperecível; 43 é semeado em desonra e ressuscita em glória; é semeado em fraqueza e ressuscita em poder; 44 é semeado um corpo natural e ressuscita um corpo espiritual.

Se há corpo natural, há também corpo espiritual. 45 Assim está escrito: “O primeiro homem, Adão, tornou-se um ser vivente”; o último Adão, espírito vivificante. 46 Não foi o espiritual que veio antes, mas o natural; depois dele, o espiritual. 47 O primeiro homem era do pó da terra; o segundo homem, dos céus. 48 Os que são da terra são semelhantes ao homem terreno; os que são dos céus, ao homem celestial. 49 Assim como tivemos a imagem do homem terreno, teremos também a imagem do homem celestial.

Paulo aqui explica como o corpo de Adão foi feito (tornou-se) e não nasceu. Jesus é referido como o último Adão - o seu corpo foi feito como o de Adão. Jesus não nasceu homem - Deus fez-lhe um corpo.

Na sua Carta aos Filipeneses, Paulo escreveu:
Filipenses 2:7 mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.

Mais uma vez, o corpo de Jesus teve origem no céu.


Mas um Cristo celestial?

Revelação 12 refere o nascimento celestial de Jesus. Não seria uma ideia estranha para os primeiros cristãos Jesus ter nascido no céu.

Revelação 12:1-5 E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do Sol, tendo a Lua debaixo dos pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. E estava grávida e com dores de parto e gritava com ânsias de dar à luz... Então apareceu outro sinal no céu: um enorme dragão vermelho com sete cabeças e dez chifres e sete coroas nas cabeças. Sua cauda varreu um terço das estrelas do céu e as arremessou para a terra. O dragão parou diante da mulher que estava para dar à luz, para que pudesse devorar seu filho no momento em que nascesse. Ela deu à luz um filho, um menino, que ‘regerá todas as nações com cetro de ferro’”.


Paulo subiu ao terceiro Céu

Paulo diz em 2 Coríntios 12 que ele, o próprio Paulo, subiu ao céu para receber revelações e voltou.

2 Coríntios 12:1-4 Em verdade que não convém gloriar-me; mas passarei às visões e revelações do Senhor. Conheço um homem em Cristo que, há catorze anos (se no corpo, não sei; se fora do corpo, não sei; Deus o sabe), foi arrebatado até ao terceiro céu. E sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, de que ao homem não é lícito falar.


Nesta passagem Paulo conta que ele próprio subiu ao céu em carne ou em espírito (ele diz que não se lembra). 

Portanto estar no céu em forma humana (em carne) não seria absurdo para Paulo. Para ele é aceitável a ideia de que se pode estar no céu em forma corporal.

Atenção: não há prova que Paulo cria naquilo que escrevia. Mas é claro que queria que os seus leitores cressem naquilo que escrevia.

Se ele achasse que seria absurdo alguém subir com corpo ao céu, ele teria dito que sem dúvida ele próprio subiu em espírito. Mas ele diz que pode ter sido em corpo, simplesmente não se lembra.

Paulo crê que Jesus fez-se carne. Mas podia ter-se feito carne sem sair do céu. Assim como Paulo pensa que subiu ao terceiro céu em corpo. Paulo poderia imaginar que Jesus esteve na forma carnal, foi morto e ressuscitou - tudo no céu.

É muito claro que Paulo não sabe nada sobre Jesus Nazareno. Muito menos saberiam os seus longínquos seguidores de Corínto, Tessalonica. Filipo, etc


Até os evangelhos!

Mesmo nos evangelhos de Mateus e de Lucas, o corpo de Jesus é fabricado por Deus - com a diferença que Deus fabrica o corpo de Jesus no útero de Maria. Os autores poderia ter tentado passar a ideia de que Deus teria colocado a semente de David no útero de Maria.

Os evangelhos de Mateus e Lucas inventaram genealogias para José para alegarem que ele seria descendente de David, mas ambos acabam por alegar que Jesus nasceu através de uma semente colocada por Deus em Maria.


Onde habitam Satanás e os seus demónios?

Ora Satanás e os seus demónios habitam a porção inferior dos céus, aquela logo abaixo do firmamento. Aquela porção do céu onde Jesus foi crucificado. Isto ficará para um próximo artigo! 



Referências:


sábado, 19 de fevereiro de 2022

Século II - Suetónio

 



Suetónio

Sobre Crestus e a expulsão de judeus de Roma

O historiador Gaius Suetonius Tranquillus (c. 69 a 140 EC) escreveu, por volta 121 EC, sobre o imperador Cláudio:
Suetónio, Vidas dos Doze Césares, Livro V, Vida de Cláudio, 25, 4
... Porque os judeus faziam constantes distúrbios por instigação de Crestus, ele [Cláudio] expulsou-os de Roma.

Esta passagem é habitualmente usada, por apologistas cristãos, como tentativa de prova de existência de Jesus da Nazaré. Para além disto parece também confirmar um texto de Atos:
Atos 18:1-2 Depois disto Paulo partiu para Atenas e chegou a Corinto. E encontrando um judeu por nome Áqüila, natural do Ponto, que pouco antes viera da Itália, e Priscila, sua mulher (porque Cláudio tinha decretado que todos os judeus saíssem de Roma), foi ter com eles,...

Em relação a confirmar a passagem de Atos 18:1-2, não parece haver grande obstáculo em aceitar que uma expulsão de judeus por parte de Cláudio é uma alegação historicamente válida. A expulsão de judeus não era novidade para Cláudio. Já Tibério tinha, em 19 EC, forçado o exílio a 4000 judeus.

Mas como prova da existência de Jesus Nazareno, nesta passagem de Suetónio os problemas são:

-          Suetónio escreveu mais de oitenta anos depois da suposta morte de Jesus Nazareno;

-          não menciona cristãos, mas judeus; mesmo que falasse de cristãos, não constituiria prova da existência do Jesus Nazareno dos evangelhos;

-          não fala de Jesus nem de Cristo mas de Crestus, um nome latino vulgar, principalmente entre escravos;

-          o texto presume que este Crestus residia em Roma, um local sobre o qual nunca é dito que Jesus tenha visitado.


O Cresto de Cícero

Cícero (Marcus Tullius Cícero, 106-43 AEC), numa sua carta refere um homem chamado Crestus. 
Cicero, Carta aos Familiares, 2.8.1 
O quê? Você acha que eu confiei isso a você, que você deveria me enviar as composições dos gladiadores, para adiar suas fianças, e a compilação de Crestus


O Cresto de César

Existe também a evidência de um indivíduo chamado Cresto que era "lictor" (guarda-costas, segurança pessoal) de César.


Referência: Livius.org 


Vemos, então, que "Crestus" não é o mesmo que "Cristo". E mesmo que fosse, por que é que "Cristo" seria necessariamente sinónimo de Jesus Nazareno? 

Portanto, Suetónio não se refere a nenhum Jesus da Nazaré na sua passagem quando relata aquele incidente em que Cláudio expulsa os judeus de Roma (entre 41 e 52 EC).

Para além de ser usada como um nome próprio, a palavra chrestus (χρηστὸς), com o sentido de "bom", "melhor", "bondoso" é usada no Novo Testamento nos seguintes versículos: Mateus 11:30; Lucas 5:39;6:35; 1 Pedro 2:3.


Sobre a punição dos cristãos por Nero

Outra passagem de Suetónio, desta vez no livro "Vida de Nero", refere cristãos torturados por Nero.
Suetónio, Vidas dos Doze Césares, Livro VI, Vida de Nero, 16, 2
Nero infligiu castigo aos cristãos, um grupo de pessoas dadas a uma superstição nova e maléfica.

O problema aqui é que no tempo de Nero (até 68 EC) os cristãos não eram conhecidos. Confundiam-se facilmente entre os judeus.

No tempo de Suetónio, sim, os cristãos já começavam a ser conhecidos. Mas Suetónio está a falar do tempo de Nero.

Aqui o problema é semelhante ao que se encontra na passagem de Tácito sobre o Incêndio de Roma de 64 EC, embora Suetónio não relacione "os castigos aos cristãos" com Nero querer apontar os cristãos como culpados do incêndio.


Referências:


sábado, 12 de fevereiro de 2022

Paulo - Quem crucificou Jesus?




O que é que o apóstolo Paulo sabia sobre a crucificação de Jesus? Vejamos o que é que ele escreveu na sua Carta aos Coríntios.

1 Coríntios 2:6-10 (NVI-PT)

6 Entretanto, falamos de sabedoria entre os que já têm maturidade, mas não da sabedoria desta era ou dos poderosos desta era, que estão sendo reduzidos a nada. 7 Ao contrário, falamos da sabedoria de Deus, do mistério que estava oculto, o qual Deus preordenou, antes do princípio das eras, para a nossa glória. 8 Nenhum dos poderosos desta era o entendeu, pois, se o tivessem entendido, não teriam crucificado o Senhor da glória. 9 Todavia, como está escrito:

“Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam” [Isaías 64:4];

10 mas Deus o revelou a nós por meio do Espírito. O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as coisas mais profundas de Deus. 


Então como é que Paulo soube que Jesus foi crucificado?

Paulo diz que foi Deus que revelou. Atenção que Paulo não alega apenas que Deus revelou que a crucificação de Jesus foi uma coisa planeada "antes do início das eras (aeons, mundos)". Parece estar implícito também que Paulo alega saber que Jesus foi crucificado porque Deus lhe revelou. Portanto, se é uma informação revelada é porque a crucificação ocorreu num mundo (aeon) fora do alcance dos humanos. Paulo parece usar aqui uma linguagem gnóstica.

E quem crucificou Jesus? 

Paulo refere que "poderosos (ἀρχόντων, archonton) desta era (αἰῶνος, aeonos, mundo)" crucificaram o "Senhor da glória" (1 Coríntios 2:8). Então todos os governantes do mundo mataram Jesus? Paulo não se refere necessariamente a poderosos humanos, mas certamente a poderes que regem "este mundo", ou aeon, desde as esferas sobrenaturais.

Paulo sempre alega ter duas fontes para o seu conhecimento: 

 - as escrituras (ou a Bíblia Hebraica, a que chamamos hoje de Antigo Testamento) - neste caso Paulo cita um verso de Isaías; 

 - a revelação celestial (de Deus e de Cristo) - foi Deus que lhe revelou sobre a crucificação de Jesus;


Na Carta aos Gálatas, Paulo diz:

Gálatas 3:1 (NVI-PT)

Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?


Obviamente, Paulo não está a insinuar que os gálatas (da Galácia, atualmente pertencente à Turquia) presenciaram uma crucificação literal de Jesus. Paulo aqui fala figurativamente, referindo que os gálatas tomaram conhecimento da crucificação através dos ensinamentos dele.


Conclusão

Os evangelhos relatam que Jesus foi crucificado em Jerusalém por Pilatos. Mas Paulo refere que Jesus foi crucificado num mundo fora do alcance dos humanos por poderosos desse mundo.


Ler também:

 - Paulo - Sumário sobre Cristo

 - Século II - Gnosticismo - Valentinius

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Paulo - Que Evangelho?



Mas o que é um evangelho? A palavra grega εὐάγγελος (evangelho) vem provavelmente de εὐ- (bom, boa) +‎ ἄγγελος (anjo, mensageiro). Significaria um portador de boas notícias, um bom mensageiro ou mesmo uma boa notícia. Muitas pessoas associam esta palavra às "boas novas" anunciadas por uma personagem chamada Jesus.

O Evangelho Segundo Marcos (capítulo 1) considera o “principio do εὐαγγέλιον” quando João Batista começa a pregar.

Mas Paulo, que muito provavelmente escreveu as suas cartas antes de Marcos ter sido escrito, já teria usado a palavra “εὐαγγέλιον” dezenas de vezes, por exemplo em Romanos:

Romanos 1:1 Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus,

Romanos 1:9 Porque Deus, a quem sirvo em meu espírito, no evangelho de seu Filho, me é testemunha de como incessantemente faço menção de vós,

Romanos 2:16 no dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho.


Então vejamos. Nestas passagens, Paulo refere:

 - o evangelho de Deus (Romanos 1:1)

 - o evangelho do Filho de Deus (Romanos 1:9)

 - o evangelho dele mesmo (Romanos 2:16) 


Portanto os escritos de Paulo poderão ter influenciado o autor de Marcos no uso da palavra “εὐαγγέλιον” e que o evangelho não era uma mensagem exclusiva de Jesus, mas também de Deus e de... Paulo.

E Paulo utiliza esta palavra muitas vezes. Podemos ver todas as utilizações da palavra "evangelho" no Novo Testamento (a maior parte nas cartas de Paulo):

 - https://www.blueletterbible.org/lexicon/g2098/kjv/tr/0-1/


Referências: