sábado, 29 de junho de 2013

Outras Cartas - Carta aos Hebreus



Carta aos Hebreus

A autoria da Carta aos Hebreus foi tradicionalmente atribuida a Paulo mas nem sequer é “assinada” por Paulo como as outras cartas atribuidas a este autor. No entanto, a sua doutrina tem semelhanças com aquela divulgada por Paulo e é possível que a data da sua composição situe-se por volta de 60 ou 70 EC. É, portanto, provável que o autor tenha origem na mesma “escola” à qual Paulo pertencia.

Os Irmãos do Senhor

O Evangelho Segundo Marcos menciona quatro irmãos e duas ou mais irmãs de Jesus (Marcos 6:3), insinuando que estes eram filhos de Maria ou do pai de Jesus ou de ambos, mas o autor de Hebreus tinha uma opinião diferente sobre quem eram os “Irmãos do Senhor”:
Hebreus 2:11-12 Pois tanto o que santifica como os que são santificados, vêm todos de um só; por esta causa ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação.

O autor de Hebreus ensina que qualquer um poderia ser irmão de Cristo. Paulo, numa das suas cartas, exprimiu um parecer semelhante:
Romanos 8:29 Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos;

E “Marcos” também produziu um ensinamento semelhante a estes, fazendo com que Jesus afirmasse que os seus verdadeiros irmãos e a sua verdadeira mãe eram aqueles que estavam entre os crentes e não os seus parentes de sangue:
Marcos 3:31-34 Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo. E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram. Respondeu-lhes Jesus, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos? E olhando em redor para os que estavam sentados à roda de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos!

O mais interessante é que parece que estes ensinamentos têm provavelmente origem em alguma organização cujos membros (ou apenas os dirigentes) intitulavam-se “Irmãos do Senhor”. Numa carta de Paulo, o seguinte versículo pode suportar esta hipótese:
1 Coríntios 9:5 Não temos nós direito de levar conosco esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?

Jesus não tinha genealogia

A Carta aos Hebreus menciona uma figura enigmática do Antigo Testamento, Melquisedeque, como sendo uma figura intemporal e eterna.
Hebreus 7:1-3 Porque este Melquisedeque, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando este regressava da matança dos reis, e o abençoou, a quem também Abraão separou o dízimo de tudo (sendo primeiramente, por interpretação do seu nome, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas feito semelhante ao Filho de Deus), permanece sacerdote para sempre.

Este autor estaria a afirmar que Melquisedeque seria um modelo para Jesus. Será que era um homem que servia de modelo para Jesus?

Como o Antigo Testamento não deixou nada mais do que duas breves referências sobre Melquisedeque (Génesis 14:17-20; Salmos 110:4), o autor de Hebreus atribuiu-lhe um significado mítico, servindo de modelo para Jesus que seria também uma personagem mítica. À semelhança de Melquisedeque, Jesus não teve nem pai nem mãe nem genealogia! Este autor faz com que as genealogias que os evangelhos de Mateus e Lucas apresentam nos primeiros capítulos pareçam ainda mais descabidas no contexto do Novo Testamento.

Para mais, este autor entendia que Jesus nunca esteve na Terra, pois escreveu a respeito dele o seguinte:
Hebreus 8:4 Ora, se ele estivesse na terra, nem seria sacerdote, havendo já os que oferecem dons segundo a lei

Se este autor soubesse que tinha havido um Jesus Nazareno que tinha andado recentemente pela Terra, diria: “... quando ele esteve na terra, não foi sacerdote...”.

Isto leva-nos também a considerar os seguintes versículos do capítulo 7, na sequência da equiparação entre Melquisedeque e Jesus:
Hebreus 7:13-16 Porque aquele, de quem estas coisas se dizem, pertence a outra tribo, da qual ninguém ainda serviu ao altar, visto ser manifesto que nosso Senhor procedeu de Judá, tribo da qual Moisés nada falou acerca de sacerdotes. E ainda muito mais manifesto é isto, se à semelhança de Melquisedeque se levanta outro sacerdote, que não foi feito conforme a lei de um mandamento carnal, mas segundo o poder duma vida indissolúvel.

O autor diz que Cristo não tem genealogia humana mas procedeu (ou provem) da tribo de Judá segundo uma interpretação imaterial das Escrituras Judaicas: se estas previam o Cristo a partir da descendência de Judá, então de alguma forma isso tinha de ser verdade ainda que considerasse Cristo como uma criatura celeste. O que o autor provavelmente queria dizer aos leitores é que o Cristo foi revelado aos judeus e estes é que eram provenientes da tribo de Judá.

Isto está, de certa forma, em harmonia com o que Paulo escreveu na sua Carta aos Romanos:
Romanos 1:1-4 Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, que ele antes havia prometido pelos seus profetas nas santas Escrituras, acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de David segundo a carne, e que com poder foi declarado Filho de Deus segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dentre os mortos - Jesus Cristo nosso Senhor


Em muitas traduções de Romanos a expressão “... procedeu da descendência de David” foi trocada por “... nasceu da descendência de David” para ligar esta passagem à existência física de Jesus Nazareno. E pode ser que a expressão original de Paulo tenha sido “... descendência de Judá” (ou nenhuma, pois pode tratar-se de mais uma inserção).



sábado, 8 de junho de 2013

Pseudo Paulo - Calem-se as Mulheres




As cartas pastorais (pseudo-Paulo)

Quanto às três cartas pastorais que são tradicionalmente atribuídas a Paulo, muitos especialistas estão de acordo de que foram escritas muito depois de Paulo estar morto e enterrado. Essas cartas são:
-          1ª e 2ª Carta a Timóteo;
-          Carta a Tito



As genealogias tolas

Nestas cartas, por duas vezes os autores advertem para que não se discutam genealogias, pois seriam discussões fúteis.

1 Timóteo 1:4 nem se preocupassem com fábulas ou genealogias intermináveis, pois que produzem antes discussões que edificação para com Deus, que se funda na fé...
Tito 3:9 Mas evita questões tolas, genealogias, contendas e debates acerca da lei; porque são coisas inúteis e vãs.

Certamente este autor seria contra as doutrinas sobre um Messias proveniente de uma linhagem (genealogia) humana, ou seja, seria contra as doutrinas que encontramos nos primeiros capítulos dos evangelhos Mateus e Lucas.



Os cretenses são cretinos e maus

Encontramos uma postura preconceituosa contra os cretenses (da ilha de Creta) na Carta a Tito:
Tito 1:12 Um dentre eles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, glutões preguiçosos.

O autor queria fazer passar a mensagem de que todos os cretenses eram mentirosos e “ruins”! Mas Paulo, um comunicador internacional, dificilmente embarcaria neste tipo de discurso!



Calem-se as mulheres

Na Primeira Carta a Timóteo o autor faz uma série de reparos sobre as mulheres e restrições que se devem aplicar:
-          as mulheres devem vestir-se com modéstia (1 Timóteo 2:9);
-          devem estar em silêncio e não devem ter autoridade sobre o homem (1 Timóteo 2:11-12);
-          as viúvas não podem ter sexualidade (1 Timóteo 5:5-6);
-          só se deve ajudar as viúvas com menos de 60 anos, que tiveram um só marido, que tiveram filhos, que tiverem hospedado estranhos e que tiverem lavado os pés dos santos (1 Timóteo 5:9-10);
-          as viúvas jovens só querem sexo e são vadias e tagarelas (1 Timóteo 5:11-13);
-          as viúvas jovens devem casar-se e ter filhos (1 Timóteo 5:14)


A avaliar pela biografia de Paulo, segundo Actos dos Apóstolos, e pelas suas cartas genuínas, Paulo nunca iria criar regulamentos tão grosseiramente discriminadores para as mulheres.



domingo, 2 de junho de 2013

Paulo - Sumário sobre Cristo




Sumário: o que Paulo disse sobre Cristo

Para quem não conhece ou não se lembra da história, aqui vai uma síntese do que se pensa sobre Jesus e sobre a Bíblia:

Visão do cristianismo
Visão secular tradicional
Jesus era Filho de Deus
Nem pensar
Filho de uma virgem
Nem pensar, quando muito um caso extraconjugal.
Nasceu em Belém
Nada contra
Família: José e Maria, 4 irmãos, irmãs e uma tia
Nada contra
Originário da Nazaré e chamado Nazareno
Nada contra
Era carpinteiro, filho de carpinteiro
Nada contra
Baptizado por João Baptista
Nada contra
Vivia na Galileia em Cafarnaum
Nada contra
Recrutou doze apóstolos que o acompanharam até ser capturado
Nada contra
Teve milhares de seguidores
Nada contra
Fez muitas pequenas viagens
Nada contra
Ensinou sobre muitas coisas
Nada contra
Fez curas e exorcismos
Quando muito, truques
Transfigurou-se
Quando muito, truques
Entrou triunfalmente em Jerusalém, onde foi aclamado como rei
Nada contra 
Fez uma “limpeza” do Templo, expulsando cambistas e comerciantes
Nada contra
Última ceia e eucaristia
Nada contra
Traido por Judas e capturado
Nada contra
Julgado pelos sacerdotes e por Pilatos
Nada contra
Foi executado a mando de Pilatos
Nada contra
Foi crucificado
Nada contra
Ressuscitou ao fim de três dias
Quando muito, truques
Ascendeu aos céus
Nem pensar - nem com truques
Apareceu a Maria Madalena, aos apóstolos e aos discípulos
Quando muito, truques
Apareceu, anos mais tarde, a Paulo, numa visão
Nada contra alucinações
Paulo juntou-se aos apóstolos para aprender sobre Jesus
Nada contra
Paulo tem autorização para converter não judeus
Nada contra
Paulo corta com os apóstolos de Jerusalém
Nada contra
Paulo escreve cartas às comunidades afastadas
Nada contra


O principal problema na biografia de Jesus e da história do cristianismo é que o apóstolo Paulo, o grande divulgador do cristianismo, não menciona nas suas cartas (escritas entre 45 e 60 E.C.):
-          que Jesus nasceu de uma Virgem chamada Maria (independentemente de essa informação ser falsa;
-          que Jesus tinha vivido, uma ou duas décadas antes, na Galiléia;
-          que Jesus foi baptizado por João Baptista;
-          os discursos de Jesus;
-          os milagres de Jesus (independentemente de serem falsos);
-          os distúrbios que Jesus causou no Templo de Jerusalém;
-          que Jesus foi traído por um discípulo/apóstolo


As cartas de Paulo parecem ser sobre um filho do Deus dos judeus. Este filho de Yahveh teria alegadamente revelado a Paulo (e a outros antes dele) que iria proceder muito brevemente a uma salvação dos judeus. Nada transparece que Paulo referir-se-ia a um homem da Galiléia chamado Jesus da Nazaré. Mas Paulo teria todo o interesse em convencer a sua audiência (os seus leitores) que o Jesus da Nazaré era o filho de Yahveh, caso tivesse conhecimento da história de Jesus da Nazaré).

A seguinte tabela resume aquilo que Paulo escreveu sobre Cristo nas suas cartas genuinas. Resume a ideia que Paulo tinha sobre Cristo ou, no mínimo, a ideia que Paulo queria divulgar:

O que os evangelhos dizem sobre Jesus
O que Paulo disse sobre o Cristo
Os pais de Jesus: Deus, José e Maria
Mãe alegórica, o Pai é só Deus
A mãe era virgem
-
O nascimento ocorreu em Belém
-
Família: 4 irmãos, irmãs e uma tia.
Menciona uns “irmãos do Senhor” e ensina que todos os crentes tornam-se irmãos de Cristo
João Baptista era parente de Jesus (Lucas).
-
Originário da Nazaré e chamado Nazareno
-
Baptizado por João Baptista
Paulo não tem a certeza se o baptismo é uma boa ideia
Vivia na Galileia em Cafarnaum
-
Recrutou doze apóstolos que o acompanharam até ser capturado.
Num único versículo refere que Cristo apareceu a “doze” e também apareceu a “apóstolos”. Os apóstolos são aqueles que tiveram uma revelação, tal como Paulo teve, e não homens que conviveram com Cristo
Teve milhares de seguidores
-
Fez muitas viagens
-
Ensinou muitas coisas
Apenas sobre o casamento indissolúvel e sobre a eucaristia – tudo o que Paulo sabe foi lhe ensinado directamente por Cristo em revelação
Ensinou o “Pai Nosso” aos apóstolos
Paulo queixa-se por não saber como rezar
Fez curas e exorcismos
-
Transfigurou-se
-
Entrou triunfalmente em Jerusalém, onde foi aclamado como rei
-
Fez uma “limpeza” do Templo
-
Última ceia e eucaristia
eucaristia – e foi o Senhor (e não os apóstolos) que lhe explicou como foi a eucaristia.
Traido por Judas e capturado
Entregue em vez de “traído”
Julgado pelos sacerdotes e por Pilatos
-
Foi executado a mando de Pilatos
Todos os governantes do mundo contribuíram para a morte de Cristo
Foi crucificado
Ressuscitou ao fim de três dias
Ressuscitou ao fim de três dias
Ascendeu aos céus
-
(não existe distinção entre ressureição e ascensão, ou seja, não diz que Cristo foi para o Céu, porque presume que Cristo nunca saiu do céu)
Apareceu a Maria Madalena, aos apóstolos e aos discípulos
Apareceu em revelação, não fisicamente, a Cefas, aos “doze”, a 500 “irmãos”, a Tiago, aos apóstolos e, finalmente, a Paulo.