Carta aos Hebreus
A autoria da Carta aos
Hebreus foi tradicionalmente atribuida a Paulo mas nem sequer é “assinada”
por Paulo como as outras cartas atribuidas a este autor. No entanto, a sua
doutrina tem semelhanças com aquela divulgada por Paulo e é possível que a data
da sua composição situe-se por volta de 60 ou 70 EC. É, portanto, provável que
o autor tenha origem na mesma “escola” à qual Paulo pertencia.
Os Irmãos do Senhor
O Evangelho Segundo
Marcos menciona quatro irmãos e duas ou mais irmãs de Jesus (Marcos 6:3),
insinuando que estes eram filhos de Maria ou do pai de Jesus ou de ambos, mas o
autor de Hebreus tinha uma opinião
diferente sobre quem eram os “Irmãos do Senhor”:
Hebreus 2:11-12 Pois tanto o que santifica como os que são santificados, vêm todos de um só; por esta causa ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação.
O autor de Hebreus
ensina que qualquer um poderia ser irmão de Cristo. Paulo, numa das suas cartas,
exprimiu um parecer semelhante:
Romanos 8:29 Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos;
E “Marcos” também produziu um ensinamento semelhante a
estes, fazendo com que Jesus afirmasse que os seus verdadeiros irmãos e a sua
verdadeira mãe eram aqueles que estavam entre os crentes e não os seus parentes
de sangue:
Marcos 3:31-34 Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo. E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram. Respondeu-lhes Jesus, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos? E olhando em redor para os que estavam sentados à roda de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos!
O mais interessante é que parece que estes ensinamentos têm
provavelmente origem em alguma organização cujos membros (ou apenas os
dirigentes) intitulavam-se “Irmãos do Senhor”. Numa carta de Paulo, o seguinte
versículo pode suportar esta hipótese:
1 Coríntios 9:5 Não temos nós direito de levar conosco esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?
Jesus não tinha genealogia
A Carta aos Hebreus
menciona uma figura enigmática do Antigo
Testamento, Melquisedeque, como sendo uma figura intemporal e eterna.
Hebreus 7:1-3 Porque este Melquisedeque, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando este regressava da matança dos reis, e o abençoou, a quem também Abraão separou o dízimo de tudo (sendo primeiramente, por interpretação do seu nome, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas feito semelhante ao Filho de Deus), permanece sacerdote para sempre.
Este autor estaria a afirmar que Melquisedeque seria um modelo
para Jesus. Será que era um homem que servia de modelo para Jesus?
Como o Antigo
Testamento não deixou nada mais do que duas breves referências sobre
Melquisedeque (Génesis 14:17-20; Salmos 110:4), o autor de Hebreus atribuiu-lhe um significado mítico, servindo de modelo para
Jesus que seria também uma personagem mítica. À semelhança de Melquisedeque, Jesus
não teve nem pai nem mãe nem genealogia! Este autor faz com que as genealogias
que os evangelhos de Mateus e Lucas apresentam nos primeiros capítulos
pareçam ainda mais descabidas no contexto do Novo Testamento.
Para mais, este autor entendia que Jesus nunca esteve na
Terra, pois escreveu a respeito dele o seguinte:
Hebreus 8:4 Ora, se ele estivesse na terra, nem seria sacerdote, havendo já os que oferecem dons segundo a lei
Se este autor soubesse que tinha havido um Jesus Nazareno
que tinha andado recentemente pela Terra, diria: “... quando ele esteve na
terra, não foi sacerdote...”.
Isto leva-nos também a considerar os seguintes versículos do
capítulo 7, na sequência da equiparação entre Melquisedeque e Jesus:
Hebreus 7:13-16 Porque aquele, de quem estas coisas se dizem, pertence a outra tribo, da qual ninguém ainda serviu ao altar, visto ser manifesto que nosso Senhor procedeu de Judá, tribo da qual Moisés nada falou acerca de sacerdotes. E ainda muito mais manifesto é isto, se à semelhança de Melquisedeque se levanta outro sacerdote, que não foi feito conforme a lei de um mandamento carnal, mas segundo o poder duma vida indissolúvel.
O autor diz que Cristo não tem genealogia humana mas
procedeu (ou provem) da tribo de Judá segundo uma interpretação imaterial das Escrituras Judaicas: se estas previam o
Cristo a partir da descendência de Judá, então de alguma forma isso tinha de
ser verdade ainda que considerasse Cristo como uma criatura celeste. O que o autor
provavelmente queria dizer aos leitores é que o Cristo foi revelado aos judeus
e estes é que eram provenientes da tribo de Judá.
Isto está, de certa forma, em harmonia com o que Paulo
escreveu na sua Carta aos Romanos:
Romanos 1:1-4 Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus, que ele antes havia prometido pelos seus profetas nas santas Escrituras, acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de David segundo a carne, e que com poder foi declarado Filho de Deus segundo o espírito de santidade, pela ressurreição dentre os mortos - Jesus Cristo nosso Senhor
Em muitas traduções de Romanos
a expressão “... procedeu da descendência de David” foi trocada por “... nasceu
da descendência de David” para ligar esta passagem à existência física de Jesus
Nazareno. E pode ser que a expressão original de Paulo tenha sido “...
descendência de Judá” (ou nenhuma, pois pode tratar-se de mais uma inserção).