Prováveis datas e locais de escrita
Os evangelhos não apareceram todos ao mesmo tempo. Tal como
a autoria, a data e local de escrita permanecem um mistério. No entanto,
pensa-se que foram escritos a partir de 70 EC, pela seguinte ordem:
-
Marcos – cerca de 75-90 EC, possivelmente em Roma;
-
Mateus – cerca de 90-100 EC, possivelmente em
Antioquia (na Síria);
-
Lucas – cerca de 100-110 EC, possivelmente em
Filipos (a cidade dos Filipenses, na Macedónia);
-
João – cerca de 100-130 EC, possivelmente em
Éfeso (na actual Turquia);
Estas datas são aceites hoje em dia, porque o mais certo é
os evangelhos só terem sido escritos (ou colocados a circular) depois de o
apóstolo Paulo, o grande impulsionador do culto do cristianismo, ter morrido. Portanto,
os evangelhos foram escritos depois das cartas de Paulo, as quais formam uma
parte substancial não só do Novo
Testamento como também da doutrina cristã.
Comprovadamente, e até os mais crentes admitem, estes textos
tiveram adições posteriores, daí que estas datas refiram-se às versões iniciais
de cada evangelho.
Quanto ao Evangelho Segundo João, é possível que
tenha havido uma versão inicial por volta de 90 EC, possivelmente baseada em Marcos, completamente irreconhecível por
comparação à versão que conhecemos hoje, tal foi a quantidade de adições e rearranjos
a que foi submetido até cerca do ano 130 EC, quando surgiu a versão mais semelhante
à actual. Talvez tenha, ao longo dos tempos, sofrido remoção de conteúdos que
pudessem entrar em contradição com os evangelhos mais antigos. A versão que
conhecemos tem algumas influências de Lucas.
Quando os evangelhos começaram a circular juntos, deve ter
havido muitas tentativas de harmonização por parte dos copistas e escribas,
quer deliberadamente quer por erro de cópia ou por excesso de zelo religioso. A
tentação de compatibilizar passagens contraditórias seria enorme. Essas
tentativas de harmonização só eram detectadas quando havia um manuscrito mais
antigo como prova da fraude ou do erro.
Diferenças de estilo
Apesar das fontes comuns, notam-se estilos de escrita
totalmente diferenciados:
-
“Marcos”
escreve numa linguagem muito narrativa, que se pode considerar “de rua”, muito
apropriada para apresentações dramáticas em público, com o texto estruturado de forma muito peculiar; Jesus é retratado em
termos muito humanos e os apóstolos são retratados como fracos ou mesquinhos; muitas das situações são narradas de forma caricata, absurda ou inesperada;
-
“Mateus”
introduz muitos paralelos com o Antigo Testamento, e, elevando o conceito sobre
Jesus e os Apóstolos, censura ou embeleza descrições pouco apropriadas
encontradas em “Marcos”;
-
“Lucas”
utiliza um estilo literário erudito, como o encontrado em biografias de grandes
personagens históricas; também censura descrições pouco apropriadas encontradas
em Marcos; e apresenta uma perspectiva de traços femininos;
-
“João”
escreve um tratado teológico; onde Jesus aparece constantemente a meditar e a
descrever-se na primeira pessoa (“Eu sou...”).
Diferenças de doutrina
As doutrinas apresentadas diferem em cada evangelho:
-
Marcos apresenta Jesus como um homem comum que se
tornou muito especial – o Messias ou o Cristo – tendo-se tornado tal no momento
do seu baptismo; Jesus veio para salvar aqueles que perceberem a sua mensagem
enigmática (como se fosse um jogo de mistério...);
-
Mateus apresenta Jesus como um ser de
características divinas, distinto dos humanos logo no nascimento, que é
relatado como um evento miraculoso; Jesus veio para salvar os judeus;
-
Lucas apresenta Jesus como um ser de
características divinas, distinguido por um nascimento miraculoso; Jesus salva
não só os judeus como todos os outros (gentios);
-
João apresenta Jesus como o Deus Filho, com pré-existência
espiritual, tendo o seu espírito encarnado (em criança, no momento de um
não mencionado nascimento, ou já num homem adulto); Jesus salva aqueles que acreditam nele.
Colocando as doutrinas pela ordem cronológica da elaboração de cada escrito, assistimos a uma evolução do conceito de Jesus: de homem passa a ser divino e depois passa a ser um Deus.
Apesar de ter havido um esforço, no século IV, por parte do
imperador romano Constantino, de uniformizar a doutrina, tornando-a universal
(gr. katholikós), as doutrinas
cristãs actuais resultam de diferentes misturas das doutrinas dos quatro evangelhos,
conforme o doseamento de doutrina retirado de cada um. Por isso, não é de
estranhar que actualmente existam tantas religiões cristãs que se rivalizam.