quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Lucas - Lázaro, qual Lázaro?





Marta e Maria... e Lázaro?


É estranho “Lucas” descrever episódios com Marta e Maria mas “esquecer-se” completamente de Lázaro o qual, segundo João, foi objecto do maior dos milagres realizados por Jesus - ressuscitar um homem sepultado há quatro dias. Este milagre é contado em João como um evento espectacular, presenciado por uma multidão.

Resumindo esta questão:
-          Marcos e Mateus não referem Marta, Maria nem Lázaro
-          Lucas narra um episódio com Marta e Maria, mas nada sobre Lázaro
-          João reformula o episódio com Marta e Maria e ainda narra um episódio onde Jesus ressuscita Lázaro, o irmão destas

Porque é que os outros três evangelhos ignoram completamente o episódio em que Jesus ressuscita Lázaro o qual já se encontrava morto por quatro dias? Este seria uma das maiores demonstrações de poder por parte de Jesus! 

No entanto a personagem de Lázaro existe em Lucas(!!!!), não como um homem que Jesus ressuscita, mas como uma personagem de uma parábola que Jesus conta aos discípulos:
Lucas 16:19-31  [Jesus conta uma parábola:]
Ora, havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo, e todos os dias se regalava esplendidamente.
Ao seu portão vivia deitado um mendigo, chamado Lázaro, todo coberto de úlceras; o qual desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as úlceras.
Veio a morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico, e foi sepultado.
No Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe a Abraão, e a Lázaro no seu seio. E, clamando, disse:
 - Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e envia-me Lázaro, para que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.
Disse, porém, Abraão:
 - Filho, lembra-te de que em tua vida recebeste os teus bens, e Lázaro de igual modo os males; agora, porém, ele aqui é consolado, e tu atormentado. E além disso, entre nós e vós está posto um grande abismo, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá passar para nós.
Disse ele então:
 - Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes à casa de meu pai, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham eles também para este lugar de tormento.
Disse-lhe Abraão:
 - Têm Moisés e os profetas; ouçam-nos.
Respondeu ele:
 - Não! pai Abraão; mas, se alguém dentre os mortos for ter com eles, hão de se arrepender.
Abraão, porém, lhe disse:
 - Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos.


No Evangelho de João, Lázaro aparece como um amigo de Jesus que morre e é ressuscitado.
João 11 (resumo)
Ora, estava enfermo um homem chamado Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta.
...
Chegando, pois, Jesus [a Betânia], encontrou-o já com quatro dias de sepultura.
...
Tendo, pois, Maria chegado ao lugar onde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se-lhe aos pés e disse:
 - Senhor, se tu estiveras aqui, meu irmão não teria morrido.
Jesus, pois, quando a viu chorar, e chorarem também os judeus que com ela vinham, comoveu-se em espírito, e perturbou-se, e perguntou:
 - Onde o puseste?
Responderam-lhe:
 - Senhor, vem e vê.
Jesus chorou.
Disseram então os judeus:
 - Vede como o amava.
Mas alguns deles disseram:
 - Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também que este não morresse?
 Jesus, pois, comovendo-se outra vez, profundamente, foi ao sepulcro; era uma gruta, e tinha uma pedra posta sobre ela. Disse Jesus: Tirai a pedra. Marta, irmã do defunto, disse- lhe:
 - Senhor, já cheira mal, porque está morto há quase quatro dias.
Respondeu-lhe Jesus:
 - Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?
Tiraram então a pedra. ...
E, ..., clamou em alta voz:
 - Lázaro, vem para fora!
Saiu o que estivera morto, ligados os pés e as mãos com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus:
 - Desligai-o e deixai-o ir.
 Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo visitar Maria, e que tinham visto o que Jesus fizera, creram nele.

Vamos agora comparar os dois Lázaros


Lucas
João
Quem é Lázaro
Em Lucas existem as personagens Marta e Maria mas estas não têm um irmão chamado Lázaro.
Lázaro é uma personagem de uma parábola contada por Jesus.
Um amigo de Jesus, irmão de Marta e Maria
Lázaro depois de morto
Lázaro vai para o “seio de Abraão”, uma referência a um estado pós-morte
Lázaro é colocado num túmulo
Ressurreição de Lázaro
O rico anónimo, que foi parar ao inferno, pede a ressurreição de Lázaro para que este possa avisar a família de quão mau é o inferno.
Jesus ressuscita Lázaro
Resultado da Ressureição de Lázaro
Abraão diz ao rico que mesmo que se a sua família visse Lázaro ressuscitado nunca iriam crer.
Muitas pessoas crêm ao ver Lázaro ressuscitado.




terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lucas - Jesus e as Armas





Jesus e as armas

Jesus, afinal, não era só “paz e amor”, pois sugeriu aos discípulos que ajuntassem espadas:
Lucas 22:35-38 E perguntou-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada. Disse-lhes pois: Mas agora, quem tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e quem não tiver espada, venda o seu manto e compre-a. Porquanto vos digo que importa que se cumpra em mim isto que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Pois o que me diz respeito tem seu cumprimento. Disseram eles: Senhor, eis aqui duas espadas. Respondeu-lhes: Basta.

Queria Jesus formar um braço armado no seu movimento? Segundo esta passagem, Jesus pretendia forçar que as escrituras se cumprissem nele, ao citar um texto de Isaías:
Isaías 53:12 ... porquanto derramou a sua alma até a morte, e foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e pelos transgressores intercedeu.

O texto de Lucas é desconcertante, porque:
-          se Jesus queria formar um movimento armado, então não seria consistente com uma boa parte da sua mensagem;
-          se Jesus queria forçar o cumprimento de profecias, então o autor atribui ao próprio Jesus uma tentativa de fraude teológica.


Mas, tanto em Lucas como em Mateus, Jesus tinha dito que a sua missão não era de paz mas de espada e divisão:

Mateus
Lucas
Mateus 10:34-35 Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra;
Lucas 12:51-53 Cuidais vós que vim trazer paz à terra? Não, eu vos digo, mas antes dissensão: pois daqui em diante estarão cinco pessoas numa casa divididas, três contra duas, e duas contra três; estarão divididos: pai contra filho, e filho contra pai; mãe contra filha, e filha contra mãe; sogra contra nora, e nora contra sogra.


Para além disto, em Lucas, Jesus, através de uma parábola, ordenou aos futuros discípulos para capturar e matar aqueles que não aceitassem que ele era rei:
Lucas 19:27 Quanto, porém, àqueles meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim.

Portanto, ou Jesus não tinha consistência ao promover simultaneamente a paz e a guerra, a união e a desunião, ou os autores dos evangelhos construiram as suas narrativas a partir de fontes muito diversas.


domingo, 25 de novembro de 2012

Lucas - Impostos







Lucas e os Cobradores de Impostos

Podemos facilmente suspeitar que os cobradores de impostos eram das pessoas mais odiadas na Galiléia e Judeia pelas seguintes razões:
-          eram considerados um dos elos da força de submissão por parte do poder ocupante dos romanos;
-          cobravam dinheiro a mais de modo a guardarem para eles próprios uma boa margem;


O autor de Lucas intensificou a tradição de Marcos quanto à questão de trazer uma imagem favorável aos cobradores de impostos. Para além das passagens que também encontramos no outro evangelho, Lucas contém uma série apreciável de passagens exclusivas que branqueiam a imagem tradicional dos cobradores de impostos.



Cobradores são fervorosos crentes

Em várias passagens exclusivas, “Lucas” mostra o quão devotos os cobradores de impostos se estavam a tornar. 
Lucas 3:12-13 Chegaram também uns publicanos para serem batizados, e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos nós de fazer? Respondeu-lhes ele: Não cobreis além daquilo que vos foi prescrito. 
Lucas 7:29 E todo o povo que o ouviu, e até os publicanos, reconheceram a justiça de Deus, recebendo o batismo de João. 
Lucas 15:1 Ora, chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir.

Com estas passagens, Lucas enviava aos seus leitores as seguintes mensagens:
-          os cobradores de impostos, ao se tornarem crentes, deixavam de enganar os contribuintes, passando a cobrar apenas o estritamente necessário;
-          os cobradores de impostos eram boas pessoas com vontade de se misturar com o povo e de se converter às mesmas crenças;



Parábola do fariseu e do cobrador

Numa passagem exclusiva de Lucas, Jesus conta uma parábola onde figuram um fariseu e um cobrador de impostos. 
Lucas 18:9-14 Propôs também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo para orar; um fariseu, e o outro publicano.  O fariseu, de pé, assim orava consigo mesmo: Ó Deus, graças te dou que não sou como os demais homens, roubadores, injustos, adúlteros, nem ainda com este publicano.  Jejuo duas vezes na semana, e dou o dízimo de tudo quanto ganho. Mas o publicano, estando em pé de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, o pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que a si mesmo se exaltar será humilhado; mas o que a si mesmo se humilhar será exaltado.

Nesta história, o cobrador de impostos sai-se muito melhor do que o fariseu! (... porque é que não estamos surpreendidos...?)



O chefe Zaqueu

Noutra passagem, Zaqueu, que era um rico chefe de cobradores de impostos (rico, porque obviamente roubava os contribuintes...), é brindado com uma visita de Jesus a sua própria casa. 
Lucas 19:2-10 Havia ali um homem chamado Zaqueu, o qual era chefe de publicanos e era rico. Este procurava ver quem era Jesus, e não podia, por causa da multidão, porque era de pequena estatura. E correndo adiante, subiu a um sicômoro a fim de vê-lo, porque havia de passar por ali. Quando Jesus chegou àquele lugar, olhou para cima e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa; porque importa que eu fique hoje em tua casa. Desceu, pois, a toda a pressa, e o recebeu com alegria. Ao verem isso, todos murmuravam, dizendo: Entrou para ser hóspede de um homem pecador. Zaqueu, porém, levantando-se, disse ao Senhor: Eis aqui, Senhor, dou aos pobres metade dos meus bens; e se em alguma coisa tenho defraudado alguém, eu lho restituo quadruplicado. Disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, porquanto também este é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.

No fim de contas, Zaqueu quis arrepender-se e devolver aos contribuintes todo o dinheiro que tinha roubado. Este episódio, bem como os outros que já vimos, serviriam para demonstrar a vitória do cristianismo sobre a corrupção. Esta posição parece também conter um apelo ao aparelho de Estado para tolerar ou mesmo apoiar o cristianismo.



sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Lucas - Mulheres II





Lucas e as mulheres (cont.)

Continuação de artigo anterior.

Sensualidade feminina

Não se consegue encontrar uma passagem bíblica contendo tanta sensualidade feminina como neste episódio relatado apenas em Lucas:
Lucas 7:36-50 ... E eis que uma mulher pecadora que havia na cidade, quando soube que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com bálsamo; e estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas e os enxugava com os cabelos da sua cabeça; e beijava-lhe os pés e ungia-os com o bálsamo. ...

A cena relatada tem uma tal carga de sensualidade que dá a sensação ao leitor que a “pecadora” estava louca de paixão por Jesus. Este episódio é exclusivo de Lucas, mas parece uma adaptação criativa de um episódio relatado em Marcos:
Marcos 14:3-9 Estando ele em Betânia, reclinado à mesa em casa de Simão, o leproso, veio uma mulher que trazia um vaso de alabastro cheio de bálsamo de nardo puro, de grande preço; e, quebrando o vaso, derramou-lhe sobre a cabeça o bálsamo. Mas alguns houve que em si mesmos se indignaram e disseram: Para que se fez este desperdício do bálsamo? Pois podia ser vendido por mais de trezentos denários que se dariam aos pobres. E bramavam contra ela. Jesus, porém, disse: Deixai-a; por que a molestais? Ela praticou uma boa ação para comigo. Porquanto os pobres sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem; a mim, porém, nem sempre me tendes. ela fez o que pode; antecipou-se a ungir o meu corpo para a sepultura. ...

Vale a pena referir que, no que se refere a este episódio, “Mateus” transcreve rigorosamente a versão de Marcos, sem qualquer omissão ou adição. Mas, vamos comparar os pontos principais entre as versões apresentadas em Marcos e Lucas:


Marcos 14:3-9
Lucas 7:36-50
Local:
Betânia
-
Casa:
De Simão, o leproso
De um fariseu chamado Simão
Mulher:
Uma desconhecida
Uma “pecadora”
O que fez a mulher:
Deitou óleo dispendioso na cabeça de Jesus
Deitou lágimas nos pés de Jesus, limpou com os cabelos, deitou óleo nos pés
Reclamação:
Alguns discípulos queixam-se que é um desperdício de dinheiro que poderia ser utilizado para caridade.
O fariseu critica Jesus por tocar numa “pecadora”.
O que faz Jesus:
Explica que aquele gesto prenuncia o seu enterro.
Perdoa a “pecadora”


A história contada em Lucas, embora com conteúdo diferente, tem a mesma estrutura que aquela contada em Marcos. Brevemente poderemos ver que estas duas histórias estiveram, possivelmente, na origem de outra contada no Evangelho de João.



Útero, ventre, concepção

A palavra “ventre” (significando útero; no gr: koilia, gastri, mêtra) aparece nove vezes em Lucas (Lucas 1:15, 31, 41, 42, 44, 2:21, 23, 11:27; 23:29):
Lucas 1:15 porque ele será grande diante do Senhor; não beberá vinho, nem bebida forte; e será cheio do Espírito Santo já desde o ventre [gr. koilia] de sua mãe; 
Lucas 1:31 Eis que conceberás [gr. gastri] e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. 
Lucas 1:41 Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, saltou a criancinha no seu ventre [gr. koilia], e Isabel ficou cheia do Espírito Santo, 
Lucas 1:42 e exclamou em alta voz: Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre [gr. koilia]! 
Lucas 1:44 Pois logo que me soou aos ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria dentro [gr. koilia] de mim. 
Lucas 2:21 Quando se completaram os oito dias para ser circuncidado o menino, foi-lhe dado o nome de Jesus, que pelo anjo lhe fora posto antes de ser concebido [gr. koilia]. 
Lucas 2:23 (conforme está escrito na lei do Senhor: Todo primogênito [o que abre o ventre (gr. dianoigon mêtran)] será consagrado ao Senhor), 
Lucas 11:27 Ora, enquanto ele dizia estas coisas, certa mulher dentre a multidão levantou a voz e lhe disse: Bem-aventurado o ventre [gr. koilia] que te trouxe e os peitos em que te amamentaste. 
Lucas 23:29 Porque dias hão de vir em que se dirá: Bem-aventuradas as estéreis, e os ventres [gr. koilia] que não geraram, e os peitos que não amamentaram!

Nos outros evangelhos esta palavra é mencionada apenas uma vez, excepto em Marcos, que não aparece de todo. Será que Lucas, uma vez que é identificado como um médico amigo de Paulo, era ginecologista ou será que era obstetra?



Especial compaixão pelas mulheres

Em Lucas, para além de episódios que encontramos também em Marcos e Mateus, há mais dois episódios exclusivos em que Jesus demonstra compaixão especial pelas mulheres.

Lucas 7:12-15 Quando chegou perto da porta da cidade, eis que levavam para fora um defunto, filho único de sua mãe, que era viúva; e com ela ia uma grande multidão da cidade. Logo que o Senhor a viu, encheu-se de compaixão por ela, e disse-lhe: Não chores. Então, chegando-se, tocou no esquife e, quando pararam os que o levavam, disse: Moço, a ti te digo: Levanta-te. O que estivera morto sentou-se e começou a falar. Então Jesus o entregou à sua mãe. 
Lucas 13:10-13 Jesus estava ensinando numa das sinagogas no sábado. E estava ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade havia já dezoito anos; e andava encurvada, e não podia de modo algum endireitar-se. Vendo-a Jesus, chamou-a, e disse-lhe: Mulher, estás livre da tua enfermidade; e impôs-lhe as mãos e imediatamente ela se endireitou, e glorificava a Deus.

É de salientar que, no primeiro destes episódios, a especial compaixão pelas mulheres toma contornos claros, pois Jesus ressuscitou o rapaz porque teve pena da mãe do morto e não do próprio morto!



As mulheres são crentes mais fortes

Lucas relata que as mulheres lembraram-se das declarações de Jesus e creram na ressurreição. Os homens não acreditaram. Dentro do contexto, as mulheres, também neste caso, são protagonistas.
Lucas 24:6-11 Ele não está aqui, mas ressurgiu. Lembrai-vos de como vos falou, estando ainda na Galiléia, dizendo: Importa que o Filho do homem seja entregue nas mãos de homens pecadores, e seja crucificado, e ao terceiro dia ressurja. Lembraram-se, então, das suas palavras; e, voltando do sepulcro, anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os demais. E eram Maria Madalena, e Joana, e Maria, mãe de Tiago; também as outras que estavam com elas relataram estas coisas aos apóstolos. E pareceram-lhes como um delírio as palavras das mulheres e não lhes deram crédito.



As mulheres no livro dos Actos dos Apóstolos

Assumindo que o livro dos Actos dos Apóstolos foi também escrito por “Lucas”, podemos verificar que, neste livro, mulheres de alto estatuto social protagonizam episódios importantes.

Actos 13:50 Mas os judeus incitaram as mulheres devotas de alta posição e os principais da cidade, suscitaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé, e os lançaram fora dos seus termos. 
Actos 17:4 E alguns deles ficaram persuadidos e aderiram a Paulo e Silas, bem como grande multidão de gregos devotos e não poucas mulheres de posição. 
Actos 17:12 De sorte que muitos deles creram, bem como bom número de mulheres gregas de alta posição e não poucos homens.

Portanto, o autor de Actos não esqueceu a importância das mulheres na missão de Paulo.



As mulheres em Filipos

O autor de Actos relata que, em Filipos, as primeiras pessoas com quem Paulo falou foram mulheres. De seguida descreve que uma empresária chamada Lídia acolheu Paulo e a sua comitiva (na qual se inclui o próprio narrador) em sua casa.

Actos 16:12-15 e dali para Filipos, que é a primeira cidade desse distrito da Macedônia, e colônia romana; e estivemos alguns dias nessa cidade. No sábado saímos portas afora para a beira do rio, onde julgávamos haver um lugar de oração e, sentados, falávamos às mulheres ali reunidas. E certa mulher chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que temia a Deus, nos escutava e o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia. Depois que foi batizada, ela e a sua casa, rogou-nos, dizendo: Se haveis julgado que eu sou fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso.

E na sua carta aos filipenses, Paulo menciona as mulheres que trabalharam com ele na sua missão, indicando que a igreja de Filipos foi iniciada com o apoio de mulheres.

Filipenses 4:2-3 Rogo a Evódia, e rogo a Síntique, que sintam o mesmo no Senhor. E peço também a ti, meu verdadeiro companheiro, que as ajudes, porque trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros meus cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida.

Assumindo que “Lucas” era de Filipos, estes textos constituem mais umas provas da relação priveligiada que este autor tinha com as mulheres.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Lucas - Mulheres I




Lucas e as mulheres

O texto de Lucas é dominado por uma perspectiva muito feminina dos factos, quase como se tivesse sido composto para uma audiência feminina. É muito provável que “Lucas” estivesse habituado a escrever para mulheres (se “Lucas” fosse vivo actualmente, era bem capaz de rivalizar com o escritor Nicholas Sparks...). 

Em Lucas as mulheres são vistas de um ângulo muito favorável. Em algumas passagens são claramente superiores aos homens.

O autor de Lucas poderia, muito bem, até ser uma mulher. 


Mulher não comete adultério

Segundo Marcos, Jesus diz que a mulher e o homem estariam igualmente sujeitos à lei do casamento e poderiam, em igualdade, ter de responder por adultério por uma possível responsabilidade pelo rompimento do matrimónio.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 10:11-12 Ao que lhes respondeu: Qualquer que repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério contra ela; e se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério.
Mateus 5:32 Eu, porém, vos digo que todo aquele que repudia sua mulher, a não ser por causa de infidelidade, a faz adúltera; e quem casar com a repudiada, comete adultério.
Lucas 16:18 Todo aquele que repudia sua mulher e casa com outra, comete adultério; e quem casa com a que foi repudiada pelo marido, também comete adultério.


"Mateus", como escrevia para uma audiência judaica, teve de ultrapassar a questão de que, na lei dos judeus, a mulher não tinha poderes para repudiar o marido, por isso coloca o texto numa perspectiva em que a iniciativa do divórcio (ou separação) seria sempre do homem. No entanto, na primeira parte do texto, mantém a possibilidade de a mulher ter de responder por adultério.

Em Lucas, a culpa de adultério é imputada ao homem em qualquer dos casos apresentados: quer por repudiar a mulher e casar com outra quer por casar com uma mulher repudiada por outro homem.



Tudo menos os cabelos

Em caso de perseguição, onde poderiam morrer alguns, “Lucas” preocupa-se com a perda do cabelo!

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 13:12-13 Um irmão entregará à morte a seu irmão, e um pai a seu filho; e filhos se levantarão contra os pais e os matarão. E sereis odiados de todos por causa do meu nome; mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo.
Mateus 10:21-22 Um irmão entregará à morte a seu irmão, e um pai a seu filho; e filhos se levantarão contra os pais e os matarão. E sereis odiados de todos por causa do meu nome, mas aquele que perseverar até o fim, esse será salvo.
Lucas 21:16-18 E até pelos pais, e irmãos, e parentes, e amigos sereis entregues; e matarão alguns de vós; e sereis odiados de todos por causa do meu nome. Mas não se perderá um único cabelo da vossa cabeça.


“Lucas” estaria a dizer “poderão ser mortas, mas serão enterradas com um belo penteado”...! (ok, poderia ter outro significado, mas não deixa de ser embaraçosa a referência aos cabelos num cenário supostamente de grande angústia)



Maria é protagonista

Nos primeiros dois capítulos de Lucas, Maria protagoniza como mulher altamente emancipada, pois ela é que recebe a “Anunciação” do anjo e não necessita de consultar o noivo antes de aceitar a gravidez milagrosa nem para pedir consentimento para viajar. 
Lucas 1:26-39 Ora, no sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão cujo nome era José, da casa de David; e o nome da virgem era Maria. ... Disse-lhe então o anjo: Não temas, Maria; pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. ... Então Maria perguntou ao anjo: Como se fará isso, uma vez que não conheço varão? Respondeu-lhe o anjo: Virá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; ...  Disse então Maria. Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo ausentou-se dela. Naqueles dias levantou-se Maria, foi apressadamente à região montanhosa, a uma cidade de Judá, ...

Pouco depois do nascimento de Jesus, um ilustre chamado Simeão, dirige a palavra a Maria, embora José esteja presente. E o que Simeão diz não é nada que diga respeito apenas a Maria. 
Lucas 2:33-35 Enquanto isso, seu pai e sua mãe se admiravam das coisas que deles se diziam. E Simeão os abençoou, e disse a Maria, mãe do menino: Eis que este é posto para queda e para levantamento de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição, ...

Noutro episódio, quando Jesus tinha doze anos e os seus pais encontram-no após três dias de procura, Maria é que repreende o filho, e fala também em nome do marido:
Lucas 2:45-48 e não o achando, voltaram a Jerusalém em busca dele. E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, ... e disse-lhe sua mãe: Filho, por que procedeste assim para conosco? Eis que teu pai e eu ansiosos te procurávamos.

Podemos concluir que Lucas retrata José como sendo uma personagem completamente insignificante quando, em Mateus, José é o condutor de todos os acontecimentos relativos ao nascimento de Jesus.



Outras mulheres protagonistas

Em Lucas, o papel das mulheres é realçado e, mais importante, as mulheres são colocadas lado-a-lado com os doze. 
Lucas 8:1-3 Logo depois disso, andava Jesus de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus; e iam com ele os doze, bem como algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios. Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Susana, e muitas outras que os serviam com os seus bens.

Neste texto, “Lucas” detalha que Joana era uma mulher de alta posição social e que as mulheres davam suporte financeiro.



As tarefas domésticas

“Lucas” atira para segundo plano a importância das tarefas domésticas para as mulheres, num episódio em que Jesus visita as duas irmãs Marta e Maria. Neste episódio, Maria ficou a ouvir Jesus e não ajudou a sua irmã, desagradando-a, pois Marta se atarefava em muito serviço. 
Lucas 10:39-42 Tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta, porém, andava preocupada com muito serviço; e aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá que minha irmã me tenha deixado a servir sozinha? Dize-lhe, pois, que me ajude. Respondeu-lhe o Senhor: Marta, Marta, estás ansiosa e perturbada com muitas coisas; entretanto poucas são necessárias, ou mesmo uma só; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada. 

Vemos que Jesus não só desculpou a atitude despreocupada de Maria, como até a louvou. Se “Lucas” seria uma mulher, então não deixou escapar esta oportunidade de pregar a emancipação da mulher face aos deveres domésticos.

domingo, 18 de novembro de 2012

Lucas - A Grande Omissão






Quem rasgou Marcos?

Partindo do pressuposto que Marcos foi uma das fontes principais para “Lucas”, é surpreendente Lucas não incluir nenhum do material fornecido por Marcos num grande bloco que vai desde Marcos 6:47 até 8:27a (primeira metade do versículo 8:27). Isto fez com que dez episódios consecutivos da narrativa de Marcos ficassem excluidos da versão de Lucas.

Façamos a comparação dos textos em causa. O bloco de Marcos que foi omitido começa no final do episódio onde Jesus alimenta 5.000 fiéis com apenas uns poucos pães e peixes:

Marcos 6, 7, 8
Lucas 9
[primeiro milagre da multiplicação dos pães e dos peixes]
6:42 E todos comeram e se fartaram.
6:43 Em seguida, recolheram doze cestos cheios dos pedaços de pão e de peixe.
6:44 Ora, os que comeram os pães eram cinco mil homens.
[milagre da multiplicação dos pães e dos peixes]
9:17 Todos, pois, comeram e se fartaram; e foram levantados, do que lhes sobejou, doze cestos de pedaços.
6:45 Logo em seguida obrigou os seus discípulos a entrar no barco e passar adiante, para o outro lado, a Betsaida, enquanto ele despedia a multidão.
6:46 E, tendo-a despedido, foi ao monte para orar.
9:18 Enquanto ele estava orando à parte





[a grande omissão - Lucas omite vários episódios consecutivoss da narrativa de Marcos]
6:47 Chegada a tardinha, estava o barco no meio do mar, e ele sozinho em terra.
6:48 até 8:26, contém as seguintes passagens
 - Jesus anda sobre as águas
 - Jesus à volta de Genezaré
 - sobre a pureza e impureza
 - declara puros todos os alimentos
 - a mulher grega, a quem Jesus chamou cão
 - a viagem a Sídon e Decapolis
 - a cura do surdo mudo (com cuspo)
 - Segundo milagre da multiplicação dos alimentos: Jesus alimenta quatro mil
 - os discípulos, agindo como estúpidos, discutem porque não têm pão
 - a cura do cego em Betsaida (com cuspo)
8:27 E saiu Jesus com os seus discípulos para as aldeias de Cesaréia de Filipe,
e no caminho interrogou os discípulos, dizendo: Quem dizem os homens que eu sou?
achavam-se com ele somente seus discípulos; e perguntou-lhes: Quem dizem as multidões que eu sou?
8:28 Responderam-lhe eles: Uns dizem: João, o Batista; outros: Elias; e ainda outros: Algum dos profetas.
9:19 Responderam eles: Uns dizem: João, o Batista; outros: Elias; e ainda outros, que um dos antigos profetas se levantou.


Repare-se como “Lucas” fez a “colagem” do versículo de Marcos 6:46 com a segunda parte do versículo de Marcos 8:27, omitindo tudo o que estava de permeio.

Surgem então duas hipóteses:
-          “Lucas” conhecia a totalidade do texto de “Marcos”, mas resolveu deliberadamente encurtar a sua própria versão;
-          “Lucas” não conhecia a totalidade do texto de “Marcos”, pois tinha uma cópia danificada do texto onde faltava este bloco;



Quem rasgou Mateus?
Partindo, por outro lado, do pressuposto que Mateus foi uma das fontes principais para “Lucas”, façamos a comparação dos textos em causa. O bloco de Mateus que foi omitido começa no final do episódio onde Jesus alimenta 5.000 fiéis com apenas uns poucos pães e peixes:

Mateus 14, 15, 16
Lucas 9
[primeiro milagre da multiplicação dos pães e dos peixes]
14:20 E comeram todos e saciaram-se, e levantaram dos pedaços que sobejaram doze cestos cheios. 
14:21 E os que comeram foram quase cinco mil homens, além das mulheres e crianças.
[milagre da multiplicação dos pães e dos peixes]
9:17 Todos, pois, comeram e se fartaram; e foram levantados, do que lhes sobejou, doze cestos de pedaços.
14:22 E logo ordenou Jesus que os seus discípulos entrassem no barco e fossem adiante, para a outra banda, enquanto despedia a multidão.
14:23 E, despedida a multidão, subiu ao monte para orar à parte. E, chegada já a tarde, estava ali só. 
9:18 Enquanto ele estava orando à parte





[a grande omissão - Lucas omite vários episódios consecutivos da narrativa de Mateus]
14:24 E o barco estava já no meio do mar, açoitado pelas ondas, porque o vento era contrário.
14:25 até 16:12, contém as seguintes passagens:
 - Jesus anda sobre as águas
 - Jesus à volta de Genezaré
 - sobre a pureza e impureza
 - declara puros todos os alimentos
 - a mulher grega, a quem Jesus chamou cão
 - Jesus faz curas em doentes
 - Segundo milagre da multiplicação dos alimentos: Jesus alimenta quatro mil
 - os discípulos, agindo como estúpidos, discutem porque não têm pão
16:13 E saiu Jesus com os seus discípulos para as aldeias de Cesaréia de Filipe,
interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?
achavam-se com ele somente seus discípulos; e perguntou-lhes: Quem dizem as multidões que eu sou?
16:14 E eles disseram: Uns, João Batista; outros, Elias, e outros, Jeremias ou um dos profetas.
9:19 Responderam eles: Uns dizem: João, o Batista; outros: Elias; e ainda outros, que um dos antigos profetas se levantou.


Hipótese: “Lucas” conhecia integralmente o texto

Esta primeira hipótese não explica a “colagem” que Lucas fez, juntando partes de duas frases que fazem parte de contextos diferente. Se Lucas quisesse encurtar a sua narrativa, cortaria episódios inteiros, não iria colar metade de um episódio com metade de outro muito mais à frente.


Hipótese: a versão danificada de Marcos

Antes de avançarmos para esta hipótese é necessário lembrar que, naquele tempo, a escrita não tinha pontuação, não tinha espaços entre as palavras, só havia letras maiúsculas e a mudança de linha fazia-se sem quaisquer regras:



Seria equivalente a escrever-se em português do seguinte modo:
ENQUANTOELEESTAVAORANDOAPARTEACHAVAMSECOMELESOMENTESEUSDISCIPULOSEPERGUNTOULHESQUEMDIZEMASMULTIDOESQUEEUSOURESPONDERAMELESUNSDIZEMJOAOOBAPTISTAOUTROSELIASEAINDAOUTROSQUEUMDOSANTIGOSPROFETASSELEVANTOU...

Numa situação normal, com um texto em perfeito estado, era já muito difícil a leitura de cada frase. A falta de um conjunto de linhas ou um grande bloco de texto complicaria apenas mais um pouco a leitura, mas o leitor poderia fazer um esforço para tentar “remendar” o que não conseguia ler. Ou seja, a falta de partes do texto não era notada pelo leitor.

Esta hipótese faz mais sentido, porque, tendo uma versão danificada, “Lucas” não poderia saber que as duas frases pertenciam a contextos diferentes. Mas, ao escolhermos esta hipótese, surgem mais duas hipóteses:
-          a cópia de Marcos que “Lucas” possuía foi acidentalmente danificada, perdendo parte do seu conteúdo;
-          a cópia de Marcos que “Lucas” possuía foi censurada por alguém, antes de chegar às mãos de “Lucas”, que subtraiu partes que considerou embaraçosas.

Para ambas hipóteses é necessário também lembrar que as cópias de livros eram extremamente raras. É perfeitamente aceitável que houvesse apenas uma cópia de Marcos para toda a comunidade onde “Lucas” vivia.

O embaraçoso episódio da mulher-cão (ver: "Marcos: A mulher-cão")

Podemos, finalmente, considerar que a cópia de Marcos que “Lucas” possuía, poderá ter sido censurada por alguém, por causa do muito embaraçoso episódio, que faz parte da “grande omissão de Lucas”, sobre uma mulher grega (helénica, de origem síria e fenícia) que pede ajuda a Jesus, mas Jesus recusa-se à primeira vez argumentando que “primeiro tem de alimentar os filhos, só depois os cães”:
Marcos 7:24-30 ... certa mulher, cuja filha estava possessa de um espírito imundo, ouvindo falar dele, veio e prostrou-se-lhe aos pés; (ora, a mulher era grega, de origem siro-fenícia) e rogava-lhe que expulsasse de sua filha o demônio. Respondeu-lhes Jesus: Deixa que primeiro se fartem os filhos; porque não é bom tomar o pão dos filhos e lança-lo aos cachorrinhos. Ela, porém, replicou, e disse-lhe: Sim, Senhor; mas também os cachorrinhos debaixo da mesa comem das migalhas dos filhos. Então ele lhe disse: Por essa palavra, vai; o demônio já saiu de tua filha. E, voltando ela para casa, achou a menina deitada sobre a cama, e que o demônio já havia saído.

Com esta frase o autor mostrava (deliberadamente ou não) que os judeus, incluindo Jesus, consideravam os não-judeus como seres inferiores equivalentes a cães. Esta posição seria inaceitável para uma comunidade cristã composta por não-judeus, pois nunca iriam aceitar um Salvador que praticasse esse tipo de discriminação.

Ora, é provável que "Lucas" pertencesse a uma comunidade grega (de Filipos). E uma cópia de Marcos poderá ter sido deliberadamente subtraída de algumas partes antes de chegar à comunidade a que “Lucas” pertencia. Provavelmente, por alguma pressa ou falta de habilidade com as mãos, alguém poderá ter destruido mais texto do que aquele que realmente desejava censurar.

Para finalizar esta questão, no livro Actos é evidente que o seu autor (possivelmente, pelo menos os primeiros capítulos, o mesmo que escreveu Lucas) não sabia que Jesus tinha declarado, em Marcos 7:18-19, numa passagem que também faz parte da “grande omissão de Lucas”, que todos os alimentos são bons para se comer. O autor de Actos descreve um episódio depois da morte de Jesus onde Pedro, confrontado com a questão da alimentação, é convidado por Jesus, numa visão, a comer alimentos considerados abomináveis para os judeus (Actos 10:9-16; detalhado na secção “Pedro e o lençol gigante”).

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Lucas - Anunciação, Jesus de onde?




Anunciação

Em Lucas quem recebe a mensagem do anjo é Maria, ao contrário do que acontece em Mateus. Neste episódio, Maria fica a saber que vai ficar grávida por meio do Espírito Santo, em vez de ser por meio de José. Isto significa que José fica excluído da concepção de Jesus e que todas as profecias àcerca do Messias da linhagem de David ficam sem efeito porque a concepção de Jesus não envolve um homem. Tanto em Mateus como em Lucas apenas José é referido como “filho de David” (Mateus 1:20; Lucas 1:27).

“Lucas” introduz uma dupla anunciação ao relatar também um nascimento fora do comum para João Baptista: a sua mãe, Elisabete, que tinha sido estéril toda a vida, fica grávida já em idade avançada. Maria recebe a anunciação seis meses mais tarde e visita a sua parente, Elisabete (em Lucas, Maria é uma mulher altamente emancipada que não dá satisfações a ninguém nem quando fica grávida nem quando viaja para a Judeia para visitar a sua prima). Sim, Lucas tem esta novidade: João Baptista é parente de Jesus.

João Baptista deu um salto de alegria no ventre de sua mãe, supostamente, ao reconhecer o Salvador, quando Maria e Elisabete se juntam, ambas grávidas. Mas, em adulto, quando estava preso, enviou mensageiros para perguntar a Jesus: “És tu aquele que havia de vir, ou havemos de esperar outro?” (Lucas 7:18-19). Esta dúvida de João Baptista não é muito coerente com o relato das anunciações. Também não é coerente com o relato do baptismo de Jesus nos outros evangelhos, onde João Baptista presenciou a descida do Espírito Santo em forma de uma pomba ao mesmo tempo que uma voz celestial informava que Jesus era o Filho de Deus (mas, em Lucas, João Baptista não está presente no baptismo de Jesus, porque já estava preso).

O parentesco de Maria com Elisabete também põe em causa o argumento apologista da Igreja que defende que a genealogia apresentada em Lucas é a genealogia de Maria. Ora, Elisabete era levita, pois segundo o relato de Lucas, era descendente de Arão e, portanto, da tribo de Levi (Arão era irmão de Moisés e bisneto de Levi; Êxodo 6:16-20; Lucas 1:5). Então, se Elisabete era da tribo de Levi, e como Maria era aparentada com esta, também teria de o ser e não poderia ser descendente de David, uma vez que este era da tribo de Judá.


Belém, o local do nascimento

 “Lucas” diz que Maria e José foram para Belém por causa de um “recenseamento mundial decretado por César Augusto”, que obrigava as pessoas a deslocarem-se às suas terras de origem (!!).

Lucas 2:1-4 Naqueles dias saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirínio era governador da Síria. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. Subiu também José, da Galiléia, da cidade de Nazaré, à cidade de David, chamada Belém, porque era da casa e família de David

Um censo mundial que obrigasse todas as pessoas a deslocarem-se às suas terras de origem, não só não seria praticável como seria um absurdo, pois paralisaria a economia do Império durante semanas, enquanto as pessoas andavam a viajar de um lado para o outro. Os censos dos romanos tinham o objectivo de facilitar a colecta de impostos e eram realizados nos locais onde as pessoas viviam e trabalhavam.

Na verdade, “Lucas” só podia referir-se ao recenciamento organizado pelo governador Públio Sulpicius Quirinius, quando a Judeia começou a ser governada directamente pelos romanos, após a expulsão do rei Arquelau, filho de Herodes. Este censo aconteceu em 6 EC, e deu origem a uma revolta anti-romana organizada por um agitador chamado Judas Galileu. Por outro lado, Tertuliano, outro autor cristão, cria que Jesus nascera ainda mais cedo, no tempo de Gaius Sentius Saturninus (governador da Síria de 9 a 7 AEC).

Se combinarmos a informação de que Maria ficou grávida no tempo do rei Herodes, que morreu em 4 AEC, com a informação de que Jesus nasceu no tempo do recenciamento de 6 EC, temos de concluir que Maria teve uma gravidez de quase dez anos! Ora, uma gravidez de tal duração é um milagre muito mais notável que a gravidez de uma virgem (tendo em conta que, teoricamente, a ciência dos nossos dias possibilita uma virgem engravidar por inseminação in vitro...), e este milagre nunca é referido!


Nazaré, o regresso à morada de família

“Lucas” explica que Maria e José já viviam na Nazaré, uma cidade da Galiléia, e que foi para esta cidade que regressaram depois do nascimento de Jesus.

Mateus 2:21-23 Então ele se levantou, tomou o menino e sua mãe e foi para a terra de Israel. Ouvindo, porém, que Arquelau reinava na Judeia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá; mas avisado em sonho por divina revelação, retirou-se para as regiões da Galiléia, e foi habitar numa cidade chamada Nazaré; para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado nazareno.
Lucas 2:39 Assim que cumpriram tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia, para sua cidade de Nazaré.


Isto entra em contradição com o relato de Mateus que diz que José levou a família para viver na Nazaré pelas seguintes razões:
-          tinha medo de Herodes Arquelau, que reinava na Judeia;
-          foi avisado em mais um sonho de divina revelação para ir para a Galiléia;
-          escolheu Nazaré na Galiléia porque havia uma profecia que indicava que Jesus ia chamar-se “nazareno”.

Mateus refere Nazaré como se se tratasse do começo de uma nova vida, numa nova terra. Lucas refere apenas um regresso a casa após alguns dias de ausência.

Excluindo a narrativa do nascimento e da infância de Jesus, Lucas contém uma referência à localidade de Nazaré e três referências ao adjectivo “nazareno”:
Lucas 4:16 Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler. 
Lucas 4:34 Ah! que temos nós contigo, Jesus, nazareno? vieste destruir-nos? Bem sei quem é: o Santo de Deus. 
Lucas 18:37 Disseram-lhe que Jesus, o nazareno, ia passando. 
Lucas 24:19 Ao que ele lhes perguntou: Quais? Disseram-lhe: As que dizem respeito a Jesus, o nazareno, que foi profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo.

Já vimos anteriormente que não é certo que a designação “Jesus o Nazareno” fosse equivalente a “Jesus da Nazaré, da Galiléia”. Dos evangelhos canónicos apenas Lucas menciona um episódio decorrido explicitamente na Nazaré (Lucas 4:16-30). Este episódio inclui uma visita de Jesus à sinagoga da Nazaré. Ora, os historiadores não encontram provas da existência de uma localidade destes tempos com o nome Nazaré. Se Nazaré tivesse uma sinagoga nesse tempo, então seria uma localidade com dimensões relevantes.


Comparando com Mateus

Para recapitular, vamos comparar todos os pontos do relato do nascimento e origem de Jesus dos textos de Mateus e Lucas.


Mateus
Lucas
Nome do pai de José
Eli
Importância de José nos acontecimentos
José não fala e tem pouca importância, Maria é protagonista
Residência antes
O texto implica Belém, Judeia
Nazaré, Galileia
Anunciação
José recebe a mensagem do anjo depois de Maria engravidar.
Maria recebe a mensagem do anjo e fica grávida antes de Herodes morrer, 4 AEC, o mais tardar.
Data de nascimento de Jesus
Antes de Herodes morrer, 4 AEC o mais tardar
Quando Quirinius era governador da Síria, a partir de 6 EC, ou seja, 10 anos depois de Maria ficar grávida.
Local de nascimento
Belém, Judeia
Belém, Judeia
Porquê esse local de nascimento
Presume-se que já lá viviam, e por causa de uma profecia.
Por causa de um recenciamento que obrigava as pessoas a deslocarem-se à terra dos seus antepassados.
Acontecimentos entre o nascimento e a ida para a Nazaré
Magos visitam Herodes.
Magos visitam a criança.
Anjo avisa José de perigo.
José leva família para o Egipto.
Herodes ordena o massacre das crianças de Belém.
Herodes morre.
Anjo avisa José que podem regressar.
José e família regressam do Egipto.
Visita dos pastores.
Em Jerusalém:
 - Aos 8 dias, circuncisão
 - Aos 40 dias, oferta de duas rolas para serem sacrificadas no templo.
Residencia depois
José queria regressar a Belém, na Judeia, mas receava Arquelau (filho de Herodes); por isso e para cumprir uma profecia leva a família para Nazaré na Galiléia.
Retornam à sua casa, a Nazaré.