domingo, 17 de janeiro de 2021

Século I - Primeira Guerra Judaico-Romana




Grande Revolta Judaica ou Primeira Guerra Judaico-Romana

Um dos episódios mais infames de violência entre Roma e os Judeus foi a Grande Revolta Judaica de 66-73 EC, culminando com a captura de Jerusalém e a destruição do seu Templo.


Contexto

Recuemos 230 anos antes desta guerra. Após uma rebelião em 164 AEC, aproveitando o declínio do Império Selêucida, a dinastia dos Asmoneus consolidou o poder na Judeia em 146 AEC, estabelecendo um reino de soberania judaica. Os judeus recuperam a sua independência pela primeira vez desde a conquista de Nabucodonosor.

Em 67 AEC, a rivalidade entre dois irmãos Asmoneus, Hircano II e Aristóbulo II, levou o reino à guerra civil durante alguns anos. O general romano Pompeu, intervindo na guerra civil em apoio de Hircano, capturou Jerusalém e, por fim, fez da Judeia um reino fantoche ao serviço dos romanos, governado por um aristocrata idumeu chamado Antipatro

Após uma breve ocupação de Jerusalém pelos partos, Roma, com Marco António, retomou a cidade em 37 AEC e instalou Herodes, o Grande, filho de Antipatro, como rei. Herodes tinha casado com uma princesa Asmoneia para legitimar o acesso ao trono. Em 4 AEC Herodes morreu, e o seu filho Arquelau assumiu o governo da Judeia, até ser afastado em 6 EC e substituído por governantes apontados por Roma. Outro filho de Herodes, Ântipas, foi governador da Galileia até 40 EC.

O objectivo principal de Roma, ao segurar aquele pequeno território, era manter os partos (império arsácida da Pártia) afastados do Mar Mediterrâneo - os romanos queriam manter o controlo total do comércio neste mar.

A partir de 6 EC, uma série de governadores romanos supervisionou a Judeia, mas muitas vezes estes careciam da competência ou poder militar para impor a ordem. A autoridade romana na região confiava fortemente nas elites locais, mas a desconfiança da população judaica resultava em inúmeros conflitos. Ao longo do início do século I EC, a frustração judaica cresceu e as tensões contra a ocupação romana subiam.


A Primeira Guerra Judaico-Romana

A Judeia era um barril de pólvora pronto a explodir, um emaranhado de classes, etnias e religiões em constante atrito. Judeus, samaritanos, fenícios, sírios, romanos, gregos - uns pobres, outros ricos - tinham uma convivência cada vez mais difícil.

Em 66 EC, uma turba grega profanou a sinagoga de Cesareia, o que enfureceu a população judaica.

Enquanto isso, em Jerusalém, o governador romano Gessius Florus escolheu esse momento inoportuno para cobrar impostos em atraso. Numa atitude imprudente, saqueou 17 talentos de prata e ouro do tesouro do Templo.

Reagindo a isso, alguns jovens e ousados ​​judeus zombaram de Florus encenando uma coleta de pequenas moedas de cobre para entregar ao "pobre" governador.

Enfurecido com a chacota, Florus executou centenas de judeus, causando uma retaliação violenta da população contra os romanos.

Florus tentou trazer reforços, mas os judeus mostraram a sua força. Superados pela população local, os soldados romanos refugiaram-se na cidadela e a Grande Revolta Judaica começou. Os membros da seita radical Sicarii marcharam então para a fortaleza de Massada, junto ao Mar Morto, onde subjugaram a guarnição romana.

Os soldados romanos que se haviam refugiado na cidadela de Jerusalém foram massacrados quando tentaram render-se. As facções judaicas rivais uniram-se, capturando várias fortalezas ao longo da Judeia e Galileia. As tensões entre as populações desesperadas também aumentaram: turbas gregas massacravam judeus em cidades como Ascalon, Cesaréia e Tiro, e os judeus retaliavam.

Tentando conter a desordem, o procônsul da Síria, Cestius Gallus, marchou sobre Jerusalém com 30 mil soldados, mas o cerco falhou e as suas legiões foram posteriormente emboscadas enquanto recuavam para a costa. Rebeldes judeus, apenas empunhando dardos, fundas e arcos, cercaram-nos e infligiram enormes perdas. Uma legião foi aniquilada. A campanha punitiva de Gallus foi uma catástrofe completa e encorajou os rebeldes.

Entretanto o imperador romano Nero nomeou Vespasiano para comandar o exército na Judeia. Vespasiano partiu imediatamente para a Judéia, e o seu filho, Tito, também. No total, reuniram cerca de 60 mil soldados para esmagar a revolta.

Na campanha da Galileia de 67 EC, Vespasiano teve vitória completa sobre inúmeras fortalezas. Foi em Jotapata (Yodfat), na Galileia, que o historiador Josefo - neste tempo, general das forças judaicas - se rendeu a Vespasiano e passou a ser colaborador deste, traindo a revolta.


A tomada de Jerusalém

A queda da Galileia fez com que muitos dos rebeldes judeus fugissem para Jerusalém. Com Jerusalém sobrelotada, a tensão entre as várias facções judaicas era elevada e começou a haver sangue entre os próprios revoltosos - os judeus matavam-se uns aos outros.

Quando a campanha de 68 EC começou, Vespasiano não tinha pressa em intervir, afirmando que "Como nossos inimigos estão ocupados morrendo pelas suas próprias mãos", o melhor seria "permanecer como espectadores em vez de enfrentar fanáticos que acolhem a morte e que já estão ocupados matando-se uns aos outros."

Satisfeito em deixar Jerusalém para suas disputas internas, o general romano tratou das zonas periféricas.

Na temporada de campanha de 69 EC, Vespasiano marchou sobre Jerusalém.

Entretanto os judeus tiveram um milagre: Nero tinha morrido em 68 EC e, até 69, Galba, Oto e Vitélio tomaram o poder em sucessivos golpes de estado. O ano 69 EC ficou conhecido como o ano do quatro imperadores.

Com Roma à beira do colapso, devido a lutas internas, a campanha na Judeia foi interrompida porque Vespasiano teve de se concentrar no problema de Roma. Em 1 de julho de 69 EC, Vespasiano foi proclamado Imperador, terminando a instabilidade.

Tito, filho de Vespasiano, retomou a campanha de Jerusalém a partir da primavera de 70 EC. Reuniu quatro legiões, cavalaria e outras unidades auxiliares, totalizando 70 mil soldados.

Depois de montar um cerco durante alguns meses, Tito conseguiu abrir as muralhas de Jerusalém e invadir a cidade. O historiador Josefo refere uma vítima da guerra de cerco - um homem que se chamava Jesus ben Ananias, com uma história semelhante à do Jesus da Nazaré e que foi vítima de uma pedra de balista.

O cerco de Jerusalém foi um esforço militar maciço como nunca se viu desde a queda de Cartago, dois séculos antes. A batalha seria uma luta brutal sem barreiras travada em cada centímetro da cidade. Em jogo estava a sobrevivência do povo judeu.

A utilização de artilharia de fogo causou o incêndio do Templo. Jerusalém foi tomada pelos romanos e o que restava da resistência judaica fugiu para Massada, perto do Mar Morto.

Tito retornou a Roma e o seu pai concedeu-lhe o triunfo - a maior honra que um militar poderia obter. 

O Arco de Tito permanece até hoje em Roma. Nele pode-se observar a famosa cena da pilhagem do Templo de Jerusalém (foto de capa do artigo).


A tomada de Massada

Mais tarde, em 73 EC, os romanos haveriam de tomar a fortaleza de Massada. Esta operação foi conduzida pelo general Lucius Flavius Silva e culminou com o suicídio colectivo de quase todos os rebeldes.


Cronologia

Resumo dos acontecimentos:

Data
Acontecimentos
66 EC
Início da Grande Revolta dos Judeus contra os romanos. Josefo é comandante militar na Galileia.
Cestius Gallus, governador da Síria, não consegue conter a revolta.
67 EC
O general Vespasiano é comissionado por Nero para conter a revolta. Josefo rende-se a Vespasiano, na Galileia, em Jotapata.
68 EC
Em Jerusalém, as facções judaicas divergentes combatem entre si. Vespasiano prefere aguardar que os judeus se aniquilem mutuamente do que atacar Jerusalém.
Em Roma, Nero é condenado à morte e opta pelo suicídio. 
69 EC
O império romano ameaça desmoronar-se: três imperadores governam e são assassinados (Galba, Oto e Vitélio). Vespasiano controla o poder em Roma e torna-se imperador em Roma.
70 EC
Tito derrota os judeus em Jerusalém. O Templo é destruído. 
73 EC
A última bolsa de resistência judaica é derrotada em Masada.


Conclusões

Com esta derrota e humilhação dos judeus o judaísmo caiu em descrédito, abrindo caminho ao cristianismo. O cristianismo começa por ser uma aproximação do judaísmo à cultura greco-romana.

E depois desta guerra, os judeus ainda se envolveriam em poucas décadas em mais duas revoltas contra o império romano:


Referências

Texto baseado no vídeo anexo.

Vídeo




2 comentários:

  1. Tenho acompanhado a muitos anos seus textos. Sem sombras de dúvidas, a formação do cristianismo como é conhecido em nosso mundo, derivou da guerra romana judaica. Vespasiano, Tito e Domiciano, tem a assinatura escrita no chamado Novo Testamento. O Culto Imperial Romano foi escrito quem sabe por um simples romano nos jogos capitolinos. O Livro de Marcos , o primeiro do que é considerado " Evangelho ", quem sabe nasceu aí para homenagear as vitórias romanas da guerra . Simples assim.... Se olharmos o livro a Guerra Judaica de Flávio Josefo, e o Evangelho de Marcos, veremos a campanha militar de Tito Flávio ( o Deus Filho ), e veremos Vespasiano ser o Deus Pai. Tais fatos nasceram pela mente de Domiciano, que estudou bastante o período do Império de Tibério ( de fácil comprovação este fato ). Temos assim , um novo Culto Imperial, com um Novo Deus Pai ( para substituir Julio Cesar, que agora é Vespasiano ) e um novo Filius Divus... que agora não é mais Augusto ( adotado por Julio Cesar ) e sim Tito Flávio....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela apreciação.
      Interessante a sua interpretação, pois pelo menos o autor de Marcos, o primeiro evangelho, mostra ser de cultura claramente romana.
      Saudações

      Excluir