Enquadramento histórico
Apesar de figurarem no início de qualquer edição do Novo Testamento, os evangelhos não foram
as primeiras obras escritas. O mais aceitável é que tenham sido escritos depois
das cartas de Paulo, apesar de os eventos relatados nos evangelhos (aprox. 7
AEC a 36 EC) serem supostamente anteriores aos eventos relatados nas cartas de
Paulo (aprox. 40 EC a 60 EC).
Os evangelhos invocam poucos acontecimentos e personagens
considerados como históricos.
Vejamos quais:
Vejamos quais:
-
Mateus diz que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes (o Grande, pai de Arquelau, de Herodes Antipas e de Filipe), rei da Judeia, ou seja, Jesus teria nascido antes de 4 AEC (data da morte de Herodes o Grande);
-
Mateus também diz que Herodes, quando ordenou o massacre das crianças de Belém, estimou que Jesus teria perto de dois anos; por estes dados Jesus teria
nascido antes de 6 AEC (para que fosse possível ter dois anos de idade antes da morte de Herodes);
-
Lucas diz que Maria ficou grávida durante o tempo de Herodes, ou seja, antes
de 4 AEC, mas também diz que Jesus nasceu no tempo do recenseamento “mundial”
decretado por César Augusto, quando Quirinius era governador da Síria, isto é,
a partir de 6 EC; para além de a data de nascimento não confirmar o relatado em
Mateus, teríamos que crer que Maria
esteve grávida durante 10 anos!
-
Lucas diz que Jesus iniciou a sua actividade
pública cerca do 15º ano da regência de Tibério, ou seja, em 29 EC; e também
diz que Jesus teria trinta anos nessa altura; por este registo, teríamos a data
de 1 ou 2 AEC para o nascimento de Jesus; foi esta a passagem que esteve provavelmente
na origem do calendário que hoje utilizamos;
-
Marcos relata que João Baptista foi executado por criticar publicamente o
casamento de Herodes (Antipas) com Herodias, a mulher do seu irmão; o
historiador Flávio Josefo relaciona o incidente com uma guerra contra o reino árabe
vizinho, na sequência do divórcio entre Antipas e a filha do rei Aretas da Nabateia (um reino antigo cujo território pertence à actual Jordânia), e que se pode datar por volta de 36
EC;
-
Mateus menciona que Jesus foi levado a Caifás, que foi sumo-sacerdote em
Jerusalém entre 18 e 36 EC;
-
os
quatro evangelhos mencionam que Poncius Pilatus ordenou a execução de Jesus, ou
seja, Jesus foi morto algures entre 26 EC e 36 EC.
Como não podemos obter no Novo Testamento dados históricos concretos, temos de recorrer aos
historiadores dessa época. No caso da história dos judeus da época, temos as
fontes de Flávio Josefo, com as suas obras Guerras
dos Judeus e Antiguidades Judaicas,
entre outras.
Imperadores romanos
Apenas dois imperadores romanos são referidos nos evangelhos,
nomeadamente no Evangelho de Lucas:
-
César
Augusto – nascido em 63 AEC com o nome Gaius Julius Caesar Octavianus, foi o
imperador de Roma durante mais de 40 anos, desde 27 AEC até à sua morte em 14
EC, recebendo o título Augustus; o seu grande feito foi o acabar com muitos
anos de guerras civis entre os romanos, com a vitória sobre Marco António (em
Accio, 31 AEC), e a consolidação de um Império sobre a República de Roma; o Evangelho Segundo Lucas diz que Augusto
promoveu um “recenseamento mundial”;
-
Tibério
– nascido com o nome Tiberius Claudius Nero, foi imperador desde 14 EC até 37
EC, tendo sucedido ao seu padrasto César Augusto; Tibério era o imperador no principal
período abrangido pelos evangelhos;
A lista completa de imperadores romanos do período abrangido
pelo Novo Testamento é a seguinte:
Datas
|
Imperador
|
27 AEC a 14 EC
|
Augusto (Octaviano)
|
14 a 37 EC
|
Tibério
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37 a 41 EC
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Calígula (Gaio)
|
41 a 54 EC
|
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54 a 68 EC
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Nero
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68 a 69 EC
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Galba, Oto, Vitélio
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69 a 79 EC
|
|
79 a 81 EC
|
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81 a 96 EC
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Domiciano
|
A família Herodes
Nos evangelhos e noutros livros do Novo Testamento encontram-se referências a vários membros da
dinastia de Herodes o Grande. O nome Herodes é utilizado como nome de família para
identificar diversos descendentes de Herodes o Grande, embora estes tivessem os
seus nomes próprios.
Herodes o Grande, pertencia a uma família de idumeus (da
Idumeia, região a sul da Judeia) que mantinha boas relações com Roma. O seu pai,
Antipatro, foi nomeado procurador da Judeia em 47 AEC mas morreu quatro anos
mais tarde. Depois de alguma conturbação na região, Marco António, que na
altura era um dos homens mais poderosos da República de Roma (no triunvirato
Octaviano-António-Lépido, António ficou com o Egipto e o Oriente), deu a Herodes o título de Rei da Judeia em 40 AEC. Herodes conseguiu manter-se rei,
mesmo quando Marco António foi derrotado por Octaviano (Augusto), e até mesmo
alargar o seu reinado a uma grande parte da Palestina, mas sempre com a
condição de prestar tributo a Roma. O seu reinado foi marcado por grandes obras
de construção, incluindo importantes melhorias no Templo de Jerusalém.
O Evangelho Segundo
Mateus relata que Herodes ordenou a matança de todas as crianças de Belém
que tivessem até dois anos de idade (episódio conhecido por “Massacre dos
Inocentes”, Mateus 2:16-18). Este incidente não foi relatado por Flávio Josefo,
apesar de este historiador descrever muitos outros episódios sobre a paranóica
violência de Herodes contra possíveis pretendentes ao trono judaico, inclusive
contra os seus próprios filhos.
Em 4 AEC, Herodes morreu e deixou o reino a três filhos,
resultando na divisão do país em três estados. Esses filhos eram:
-
Arquelau ficou como etnarca da Judeia, Idumeia e Samaria; devido à sua crueldade
e incompetência como regente, acabou por ser expulso pelos próprios romanos em
6 EC, sendo substituído por governadores ou procuradores nomeados directamente
por Roma; em Mateus é referido que
José e Maria evitaram regressar à Judeia (depois de um exílio no Egipto) porque
tinham medo de Arquelau;
-
(Herodes)
Antipas ficou como tetrarca (que significa “governante de uma quarta parte”) da
Galiléia e mais alguns territórios da margem oriental do rio Jordão (Peréia);
os evangelhos relacionam Antipas com a morte de João Baptista; apenas em Lucas é referida uma participação de
Antipas no julgamento de Jesus;
-
Filipe
ficou como tetrarca dos territórios da margem oriental do Mar da Galiléia
(Ituréia, Gaulanitis ou montes Golã, e Traconitis); em Mateus e Marcos é referido
que Herodias era casada com Filipe antes de se casar com Antipas, mas Flávio
Josefo diz que Herodias era mulher de um outro filho de Herodes o Grande,
chamado simplesmente Herodes e que vivia em Roma, e acrescenta que Salomé,
filha de Herodias, é que casou com Filipe, o tetrarca.
Para além destes ainda há mais dois elementos da dinastia de
Herodes no Novo Testamento: Agripa I
e Agripa II, respectivamente neto e bisneto de Herodes o Grande, mas não são
mencionados nos evangelhos. São apenas mencionados no livro Actos dos Apóstolos.
Procuradores e governadores romanos
A partir de 6 EC, a Judeia, englobando a Idumeia e a
Samaria, passou a ser governada por procuradores ou governadores romanos:
-
Quirinius,
um senador romano, foi governador da Síria de 6 a 9 EC; o seu mandato como
procurador de Roma teria sido extensível à Judeia, durante algum tempo. Ao
tomar posse organizou um censo para facilitar a colecta de impostos, o que veio
a atiçar muitas revoltas populares;
-
Poncius
Pilatus foi governador da Judeia de 26 a 36 EC e parece que para alguns
assuntos respondia ao legado da Síria (e ao respectivo procurador) em vez de
directamente a Roma, o que leva a uma disputa histórica sobre se ele teria um
mandato como procurador de Roma ou apenas como prefeito;
Datas
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Judeia
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Galileia
|
|
4 AEC
|
Arquelau, etnarca (4 AEC - 6 EC), filho de Herodes o Grande
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Herodes Antipas, tetrarca (4 AEC - 39 EC)
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2
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2 EC
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4
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6
|
Coponius, prefeito (6 - 9 EC)
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8
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10
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Ambivulus, prefeito (9 - 12 EC)
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12
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14
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Rufus, prefeito (12 - 15 EC)
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16
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Valerius Gratus, prefeito (15 - 26 EC)
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18
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20
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22
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24
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26
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Poncius Pilatus, prefeito (26
- 36 EC)
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28
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30
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32
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34
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36
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Marcellus, prefeito? (37 - 41 EC)
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38
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40
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Agrippa
I, rei ( 39-44 EC)
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42
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44
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Cuspius Fadus, prefeito (44 - 46? EC)
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46
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Tiberius Alexandre, prefeito (46? - 48 EC), sobrinho de Filo de Alexandria
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48
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Cumanus, prefeito (48 - 52 EC)
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50
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52
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Antonius Felix, prefeito (52-60
EC)
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Agrippa II, rei/tetrarca (52 - 93 EC)
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54
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56
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58
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60
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62
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Festus, prefeito (60 - 62 EC)
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64
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Albinus, prefeito (62 - 64 EC)
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66
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Florus, prefeito (64 - 66 EC)
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68
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Grande Revolta (66 - 73 EC)
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70
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72
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