domingo, 19 de janeiro de 2020

Século IV - Concílio de Niceia em 325 EC


Fresco da Capela Sistina, século XVI, Fonte: wikipedia

O Concílio de Niceia

Devido a violentas disputas entre vários grupos de cristãos, o imperador Constantino convocou um concílio de líderes religiosos cristãos de todo o império. Eles deveriam resolver todas as disputas entre as várias denominações cristãs para que ele, Constantino, pudesse unir o império sob uma única denominação uniformizada.

O concílio deveria resolver questões como:
- em que dia celebrar a Páscoa, 
- uniformização da liturgia,
- regras para a organização e estrutura da Igreja,
- estabelecer algumas directrizes para os padres: não viver em casas com mulheres jovens, não se castrar, não se envolver em usura;


Mas, acima de tudo, o objectivo principal era lidar com a heresia ariana. Ário e o seus seguidores defendiam que Jesus era menor que Deus. Este foi o tópico principal do Concílio de Niceia. Era a questão que mais dividia o mundo cristão.

Assim, realizou-se a famosa conferência em 325 EC, em Niceia, no litoral da Anatólia (hoje Turquia), para resolver o assunto de uma vez por todas.

O centro de conferências em Niceia tinha um nível elevado de luxo com todas as despesas pagas pelo imperador para cada um dos 318 bispos mais os seus assistentes e conselheiros.

O imperador esteve também presente na conferência a acompanhar a ordem de trabalhos. A discussão continuou por semanas.


Atanásio contra Ário

Quase tudo ficou resolvido excepto a disputa entre Atanásio e Ário, ambos de Alexandria do Egipto:
- Atanásio defendia a trindade que define Deus como três pessoas consubstanciais: o Pai, o Filho (Jesus Cristo) e o Espírito Santo; "um Deus em três pessoas". As três pessoas são distintas, mas são uma única "substância, essência ou natureza" (gr. 'homoiousian'). 
- Ário negava a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus Pai, que os igualasse, concebendo Cristo como um ser criado. Jesus então, seria subordinado a Deus Pai, sendo divino mas não igual a Deus.

Tanto Atanásio como Ário eram de Alexandria, no Egipto, e não eram bispos. Atanásio foi ao concílio como assistente do bispo Alexandre de Alexandria. Ário foi junto com 22 bispos que suportavam a sua teologia.

Atanásio odiava a doutrina de Ário. Ele pretendia fazer tudo ao seu alcance para garantir que nenhum acordo com os arianos seria alcançado e nem sequer encontrar uma doutrina que estivesse a meio caminho entre ambas as visões.

E assim o tempo avançou e o concílio polarizou entre arianos e atanasianos. O tom da discussão tornou-se violento, tendo o imperador de intervir lembrando que o objectivo era atingir a unidade.

Atanásio, arguto, quis introduzir o termo 'homoiousian', que significa 'da mesma substância', na discussão. Ele sabia que Ário se opunha e que nunca iria concordar com qualquer compromisso que envolvesse o uso desse termo.

Como nunca mais se chegava a um acordo, Atanásio culpou Ário de ser inflexível. Somente o próprio Ário, um diácono e dois outros bispos se recusaram a assinar o que ficaria conhecido como Credo Niceno, cimentando o Tratado Trinitário.


Credo Niceno

O texto aprovado em 19 de Junho de 325 EC, em Nicéia, na Ásia Menor marca o surgimento da Igreja Católica (universal, do gr. katholikos):
"Cremos em um só Deus, Pai Todo-Poderoso, criador de todas as coisas, visíveis e invisíveis.
E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, unigénito do Pai, da substância do Pai;
Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai; por quem foram criadas todas as coisas que estão no céu ou na terra.
O qual por nós homens e para nossa salvação, desceu do céu, se encarnou e se fez homem.
Padeceu e ao terceiro dia ressuscitou e subiu ao céu.
Ele virá novamente para julgar os vivos e os mortos.
E cremos no Espírito Santo.
E quem quer que diga que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, ou que antes que fosse gerado ele não existia, ou que ele foi criado daquilo que não existia, ou que ele é de uma substância ou essência diferente do Pai, ou que ele é uma criatura, ou sujeito à mudança ou transformação, todos os que falem assim, são anatemizados pela Igreja Católica e Apostólica."

E assim, o arianismo foi declarado heresia, seus ensinamentos anátema, e pregar isso seria uma ofensa muito grave. 

Com isto, o Imperador pensou ter unido quase todos os bispos que concordaram com todos os pontos em discussão, e agora ele podia exilar aqueles poucos que discordaram.

É de notar que nesta primeira versão do Credo Niceno, Jesus é retratado como um ser divino que desceu dos céus, vestiu uma pele de homem, foi crucificado e retornou ao céu. É um ser com uma ligação muito ténue com o mundo físico.
Não há nada relativo a Jesus de Nazaré, carpinteiro, pregador, amigo de pescadores, de pecadores e de cobradores de impostos...


Mas o arianismo sobreviveu a Niceia

Alguns meses depois, Constantino descobriu que também teria de exilar um homem chamado Eusébio de Nicomedia - um bispo que assinou o Credo, mas sempre recusou-se a condenar Ário. É que este Eusébio (não confundir com Eusébio de Cesareia) era parente de Constantino e membro da corte. Acabou mesmo por exilar Eusébio porque este continuava a minar o circulo interno de Constantino com as ideias de Ário. 

Mas a irmã de Constantino gostava de Eusébio e, rapidamente, ele retornou do exílio. E se havia alguma dúvida de que lado Eusébio estava, o seu exílio cimentou nele um firme arianismo e, portanto, ele trabalhou na corte, dia após dia, para suavizar as opiniões do imperador sobre o arianismo.

Constantino, mesmo exilando seu principal partidário e declarando a crença herética, na verdade não eliminou as crenças arianas. Começou a ser receptivo à ideia de uma aproximação, uma espécie de "coexistência". Afinal, ele queria harmonia no seu império.

Mas a harmonia não estava na mente de Eusébio, pois ele tornou-se um firme adversário de Atanásio, discretamente, fazendo com que outros grupos acusassem Atanásio de uma infinidade de crimes. Finalmente, através de um julgamento fraudulento, conseguiu condenar Atanásio e convencer o imperador de que, na verdade, era Atanásio que estava a alimentar uma fenda no cristianismo, com a sua recusa obstinada de readmitir cismáticos na Igreja.

Com isso, Eusébio conseguiu exilar Atanásio e trazer Ário de volta. Assim, a doutrina ariana começou a ganhar força no Império novamente.

O próprio Constantino seria, no final de sua vida, batizado por Eusébio. Os seus filhos, Constantino II (337-340 EC) e Constâncio II (337-361 EC) seriam arianos obstinados em todo o seu domínio.

Este alívio no arianismo permitiu que se espalhasse e escapasse do Império, pois Eusébio ordenou um godo chamado Ulfilas para ir numa missão, muito bem sucedida, às tribos góticas, convertendo muitos e cimentando o cristianismo ariano como o cristianismo das tribos do norte. E esta é uma das razões pelas quais as tribos góticas nunca realmente integraram o Império Romano. É, também, uma das razões pelas quais, ao invés de tornarem-se assimilados como muitos outros grupos, eles permanecem separados; integrante para o império, mas nunca fazendo parte dele. 


Credo Niceno-Constantinopolitano

Entretanto, em 381 EC, chegou-se a um Credo menos fraturante no Primeiro Concílio de Constantinopla:
"Cremos em um só Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Cremos em um só Senhor Jesus Cristo, o único Filho de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus de Deus, luz de luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus; gerado, não criado, de igual substância do Pai; por Ele todas as coisas foram feitas. Por nós, homens, e por nossa salvação, Ele desceu do céu e se fez carne, pelo Espírito Santo, da virgem Maria, e se tornou homem. Também por nós, foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. Ressurgiu no terceiro dia, conforme as Escrituras. Subiu ao céu, está sentado à direita do Pai e de novo há de vir, com glória, para julgar os vivos e os mortos, e seu reino não terá fim.
Cremos no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; que falou através dos profetas. E numa só igreja, santa, universal e apostólica. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do século vindouro. Amém."


É de sublinhar a referência à Virgem Maria nesta revisão do Credo Niceno.

E note-se na introdução da expressão "foi crucificado sob Pôncio Pilatos". Estamos a testemunhar o momento em que a Igreja a introduz no credo a historicidade de Jesus da Nazaré! Ou seja, crer que Jesus é uma personagem histórica tal como Pôncio Pilatos passou a fazer parte do dogma.


Godos

E no fim, foram os godos que destruíram o Império. 

Em 476 EC, Odoacer conquista Roma e acaba com o império romano ocidental. Odoacer era ariano mas não interferiu com a igreja trinitária de Roma.



Conclusão

A expressão "foi crucificado sob Pôncio Pilatos" foi incluída no Credo católico no ano 381 EC. A História regista o momento em que a Igreja introduz no Credo a historicidade de Jesus da Nazaré! Ou seja, crer que Jesus é uma personagem histórica tal como Pôncio Pilatos passou a fazer parte do dogma por decreto de uma autoridade! Isto leva a suspeitar que antes deste momento haveria, dentro do cristianismo, quem não cresse que Jesus fosse uma personagem histórica e que, de alguma forma, a autoridade da Igreja achou por bem combater no concílio de Constantinopla.



Concepções erradas sobre o Concílio de Niceia

Algumas ideias erradas, mas que são muito populares:
 - no Concílio de Niceia foram escolhidos os quatro evangelhos canónicos - Errado: os quatro evangelhos foram escolhidos muito antes; 
 - no Concílio de Niceia o cristianismo tornou-se a religião oficial do império romano - Errado: o cristianismo tornou-se a religião oficial em 380 EC com o Édito de Tessalónica pelo imperador Teodósio. No Concílio de Niceia em 325 EC foi apenas legalizado o cristianismo, dando-se início ao catolicismo.