Os alimentos impuros
Os judeus incluem, desde os seus primórdios, regras de
alimentação na sua religiosidade, distinguindo alimentos puros de alimentos
impuros. Também as regras de higiene fazem parte da religião.
Em Mateus, cujo
autor deveria pertencer à facção judaica conservadora dos primeiros cristãos,
Jesus tem relutância em mudar aquilo que havia na lei religiosa judaica.
“Mateus” coloca na boca de Jesus as seguintes palavras:
Mateus 5:17-19 Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus.
Segundo este autor, o crente, para além de se tornar
seguidor do Cristo, também tinha de seguir as regras religiosas judaicas. Para
reforçar esta ideia, em Mateus, Jesus
tem uma mensagem apenas para os judeus, “as ovelhas perdidas da casa de
Israel”.
Mateus 10:5-6 A estes doze enviou Jesus, e ordenou-lhes, dizendo: Não ireis aos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel;
Mateus 15:24 Respondeu-lhes ele: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.
No entanto, quando os fariseus criticaram os discípulos de
Jesus por não lavarem as mãos antes de comer, Jesus respondeu:
Marcos
|
Mateus
|
Marcos 7:18-19 Não compreendeis que tudo o que de fora
entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no
ventre, e é lançado fora? Assim declarou puros todos os alimentos.
|
Mateus 15:17-20 Não compreendeis que tudo o que entra
pela boca desce pelo ventre, e é lançado fora? Mas o que sai da boca procede
do coração; e é isso o que contamina o homem. Porque do coração procedem os
maus pensamentos, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos e blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem; mas o
comer sem lavar as mãos, isso não o contamina.
|
Em Marcos lemos
que Jesus “declarou puros todos os alimentos”. Em Mateus, a mesma passagem refere-se apenas ao acto de lavar as mãos
antes de comer. Porque será que “Mateus” resolveu omitir a frase onde Jesus
declara “puros todos os alimentos”?
Já vimos muitas provas de que “Mateus” escreveu para uma
audiência judaica. E para os judeus era inadmissível quebrar as leis religiosas
da alimentação. Ainda hoje, no século XXI, os judeus (pelo menos os ortodoxos) respeitam
as regras dietéticas, rejeitando a carne de porco e outros alimentos proibidos
pela religião.
Os apologistas da Igreja argumentam que os judeus tinham as
regras cerimoniais e as leis religiosas, e que a alimentação faria parte das
regras cerimoniais as quais não estavam abrangidas pelo texto de Mateus
5:17-19. É importante referir que os judeus, desde há cerca de dois mil anos,
abandonaram as práticas religiosas de sacrifícios animais, mas ainda hoje
respeitam a lei dietética. Isto mostra o quão importante esta lei é e era para a
sua religião.
Pode ser que a frase “Assim declarou puros todos os
alimentos”, em Marcos, tenha sido uma
adição muito posterior pois não ficou reflectida na versão de Mateus. Por outro lado, caso Marcos tivesse essa frase na versão
inicial, obviamente que “Mateus” a iria censurar, omitindo-a na sua versão,
porque violava a sua doutrina.
Mas a questão que hoje se coloca para os crentes é que a declaração
de Jesus, sobre os alimentos, em Marcos
torna ainda mais absurdo um episódio relatado em Actos, que decorreu já depois da morte de Jesus, em que Pedro se vê
confrontado com a questão da alimentação e “o Senhor”, numa visão, convida-o a
comer alimentos considerados abomináveis para os judeus (Actos 10:9-16;
detalhado na secção “Pedro e o lençol gigante”).
Se, em vida, Jesus já havia declarado que todos os alimentos
são puros não necessitava de aparecer a Pedro para lhe repetir o mesmo.
Baptismo de quem e em nome de quem?
No final do livro Mateus,
no capítulo 28, o ressuscitado Jesus encarrega os discípulos a fazer novos
crentes e a baptizá-los em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Mateus 28:19 Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;
“Mateus” entra em contradição consigo mesmo, ao referir
“todas as nações”, pois tinha escrito que Jesus e os apóstolos tinham uma
missão só para os judeus (Mateus 10:5-6; Mateus 15:24).
E no livro Actos dos
Apóstolos, que supostamente relata os acontecimentos dos trinta anos que se seguiram à
ressurreição, vemos que os novos crentes eram baptizados apenas em nome de
Jesus.
Actos 2:38 Pedro então lhes respondeu: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para remissão de vossos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo.
Actos 8:16 Porque sobre nenhum deles havia ele descido ainda; mas somente tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus.
Actos 10:48 Mandou, pois, que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. Então lhe rogaram que ficasse com eles por alguns dias.
Actos 19:5 Quando ouviram isso, foram batizados em nome do Senhor Jesus.
Conclusão: estamos perante mais uma óbvia adição que entra
em contradição com o que estava escrito previamente. Esta frase poderá ter sido
inserida pelos adeptos do trinitarismo, a doutrina que afirma que a divindade
está distribuída por três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O capítulo 28 de Mateus,
que trata dos episódios pós-ressurreição, à semelhança de parte do capítulo 16
de Marcos, parece ter sido uma adição
posterior.
Reino dos Céus ou de Deus?
Uma das características que se pode observar em Mateus é o
uso da expressão “Reino dos Céus” em 31 versículos, quando no resto dos evangelhos
e Novo Testamento é usada a expressão
“Reino de Deus”. A excepção são quatro versículos (Mateus 12:28; 19:24; 21:31;
21:43) em que Mateus é consistente
com o resto das escrituras, utilizando a expressão mais habitual “Reino de
Deus”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário