terça-feira, 9 de outubro de 2012

Marcos - Censura IV - Família e Profissão



Os autores de Mateus e Lucas, em algumas passagens, não se limitaram a copiar as frases encontradas em Marcos. Algumas alterações ao texto revelam a intenção de simplesmente o embelezar, mas outras revelam a intenção de modificar a doutrina apresentada em Marcos.






Família: desapareçam

Quando Jesus encontrava-se na sua terra, a sua mãe e irmãos queriam prendê-lo, pois achavam que ele estava louco.

Marcos 3:20-34 Depois entrou numa casa. E afluiu outra vez a multidão, de tal modo que nem podiam comer. Quando os seus ouviram isso, saíram para o prender; porque diziam: Ele está fora de si. ...Chegaram então sua mãe e seus irmãos e, ficando da parte de fora, mandaram chamá-lo. E a multidão estava sentada ao redor dele, e disseram-lhe: Eis que tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te procuram. Respondeu-lhes Jesus, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos! E olhando em redor para os que estavam sentados à roda de si, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos!

“Mateus” e “Lucas” certamente acharam este episódio embaraçoso para a teologia que queriam apresentar, por isso omitiram-no.

Este episódio retrata uma situação banal, se fosse no contexto da biografia e dos conflitos pessoais de um homem comum. Até poderíamos dizer que Jesus resolve repudiar a sua mãe e irmãos por se ter irritado com o comportamento deles. Seria uma reacção humanamente compreensível, embora talvez exagerada. O problema é que este episódio não é compatível com um ser semi-divino, por isso foi omitido por “Mateus” e “Lucas”.

Em Marcos, parece que este repúdio durou para o resto da vida, pois, a seguir a este episódio, nenhum membro da família é mencionado junto a Jesus, nem sequer na crucificação. Apenas no Evangelho Segundo João essa situação é corrigida colocando-se a sua mãe aos pés de Jesus, junto à cruz.

Esta passagem de Marcos é das poucas que poderiam fundamentar a autenticidade historica de Jesus pelo facto de o autor descrever um episódio desfavorável à sua personagem central e bastante verosímil.

Por outro lado, podemos partir do princípio que “Marcos” estaria a desenvolver literatura alegórica e, por conseguinte, esta passagem não seria um apontamento biográfico mas um ensinamento. Serviria, imaginemos, para ilustrar que os crentes deveriam, se tal fosse necessário, repudiar a família e agarrarem-se à fé, tal como o próprio Cristo faria.



A profissão de Jesus

Em Marcos ficamos a saber que Jesus era carpinteiro (gr. tekton), mas parece que “Mateus” e “Lucas” têm relutância em desvendar que Jesus tinha um ganha-pão como qualquer outro homem.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 6:3 Não é este o carpinteiro,  filho de Maria, ...?
Mateus 13:55 Não é este o filho do carpinteiro? ...
Lucas 4:22 ...Este não é filho de José?

“Mateus” transfere a profissão de carpinteiro para o pai de Jesus. Para este autor, Jesus dedica-se exclusivamente à profissão de Rabi ou Mestre e o seu pai é que era carpinteiro.

“Lucas” não menciona a profissão de carpinteiro em nenhum contexto. A profissão exclusiva de Jesus é de Mestre. Este autor reforça este conceito ao indicar que Jesus até sabia ler, inserindo um episódio exclusivo em que Jesus lê perante uma audiência para insinuar que Jesus era alfabetizado.

Lucas 4:16 Chegando a Nazaré, onde fora criado; entrou na sinagoga no dia de sábado, segundo o seu costume, e levantou-se para ler.

A palavra grega tekton, que é traduzida por “carpinteiro” em praticamente todas as edições do Novo Testamento, só ocorre duas vezes ao longo de todo o texto (apenas nas duas passagens acima transcritas), indicando que, realmente, esta profissão não era muito importante para o objectivo dos autores dos evangelhos. Já a profissão de pescador parece mais importante para a mensagem, pois é mencionada frequentemente e, pelo menos, quatro dos apóstolos são referidos como tendo esta profissão. Pode ter havido o intuito de suportar uma possível doutrina sobre Jesus fazer a transição para a era astrológica de Peixes.

Finalmente, como curiosidade, a palavra tekton não está necessariamente relacionado com trabalhar a madeira, podendo ter outros significados como, por exemplo, “pedreiro” ou “construtor”. Por exemplo, a palavra “arquitecto” é uma derivação de tekton: archi-tekton, ou o “principal construtor”.



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