Censura sobre Marcos
Os autores “Mateus” e “Lucas”, ao basearem as suas
respectivas obras num texto tão insuficiente e absurdo como Marcos, provavelmente pensaram, cada um por seu lado, que a sua
obra iria substituir a anterior, assumindo que Marcos cairia no esquecimento. Como tal não aconteceu, temos hoje
os três evangelhos sinópticos, com todas as contradições que se podem
verificar.
Os autores de Mateus e Lucas, em algumas
passagens, não se limitaram a copiar as frases encontradas em Marcos. Algumas
alterações ao texto revelam a intenção de simplesmente o embelezar, mas outras
revelam a intenção de modificar a doutrina apresentada em Marcos.
Isto também acontece no Evangelho
Segundo João, mais raramente porque encontram-se poucas passagens paralelas
entre este e os sinópticos.
O baptismo de Jesus
No início do seu livro, “Marcos” diz que João Baptista
pregava o baptismo para o arrependimento dos pecados e que este batiptizou Jesus.
“Mateus” não admitia ver Jesus envolvido num baptismo de arrependimento, pois Jesus não podia ter pecados, e por isso omitiu esta frase na sua versão.
“Mateus” não admitia ver Jesus envolvido num baptismo de arrependimento, pois Jesus não podia ter pecados, e por isso omitiu esta frase na sua versão.
Marcos
|
Mateus
|
Lucas
|
Marcos 1:4 assim apareceu João, o Batista, no deserto,
pregando o batismo de arrependimento para remissão dos pecados.
|
Mateus 3:1 Naqueles dias apareceu João, o Batista,
pregando no deserto da Judeia, dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o
reino dos céus.
|
Lucas 3:3 E ele percorreu toda a circunvizinhança do
Jordão, pregando o batismo de arrependimento para remissão de pecados;
|
“Lucas” resolve este embaraço teológico, mantendo que João
baptizava para o arrependimento, mas insinuando que Jesus não teria sido
baptizado por João. Como? “Lucas” coloca o aprisionamento de João imediatamente
antes do baptismo de Jesus (João Baptista foi preso - e depois morto - por opinar em público sobre Herodes).
Marcos
|
Mateus
|
Lucas
|
Marcos 1:9 E aconteceu naqueles dias que veio Jesus de
Nazaré da Galiléia, e foi batizado por João no Jordão.
|
Mateus 3:13-15 Então veio Jesus da Galiléia ter com
João, junto do Jordão, para ser batizado por ele. Mas João o impedia,
dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Jesus, porém,
lhe respondeu: Consente agora; porque assim nos convém cumprir toda a justiça.
Então ele consentiu.
|
Lucas 3:19-22 Mas o tetrarca Herodes, sendo
repreendido por ele por causa de Herodias, mulher de seu irmão, e por todas
as maldades que havia feito, acrescentou a todas elas ainda esta, a de
encerrar João no cárcere.
Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus
também batizado, ...
|
Na doutrina apresentada por “Mateus”, seria um embaraço
apresentar Jesus a ser baptizado por João Baptista. Mas, como constatamos que o
autor relatou o episódio, é forçoso considerar que, por alguma razão, este não
poderia ter sido omitido. No entanto, para minimizar o embaraço, o autor
colocou a justificação “porque nos convém cumprir toda a justiça”, mas não se
percebe qual o significado desta.
Qualquer das versões sobre o baptismo de Jesus, é embaraçosa
para as doutrinas cristãs porque não existe uma explicação teológica
satisfatória para que Jesus tivesse de ser baptizado por João Baptista. É
possível que o episódio do baptismo de Jesus Nazareno por João Baptista, já fizesse
parte de uma importante doutrina anterior à escrita dos evangelhos, talvez com
o objectivo de cativar os seguidores de João Baptista. Os proto-cristãos
tentaram “provar” que Jesus era superior e que João Baptista esteve apenas a
preparar o caminho para Jesus.
Sabe-se que, a par do desenvolvimento do cristianismo,
continuaram a existir seguidores de João Baptista, durante muito tempo, que não
reconheceram autoridade nos evangelhos. Por outro lado, os evangelhos nunca falam
em João Baptista tornar-se um seguidor de Jesus, apesar de indicarem que aquele
reconhecia que Jesus era-lhe superior. Pelo contrário, os evangelhos referem
que muitos dos que viam Jesus presumiam que ele era o João Baptista
ressuscitado (Marcos 6:14; 8:28; Mateus 14:1-2; 16:14; Lucas 9:7; 9:19).
O Espírito Santo e a pomba
Na sequência do baptismo, em todos os evangelhos há o relato
do espírito santo que desceu dos céus em forma de pomba. O que varia em cada
relato é quem é que observou a aparição da pomba:
Marcos
|
Mateus
|
Lucas
|
João
|
Marcos 1:9-11 E aconteceu naqueles dias que veio Jesus
de Nazaré da Galiléia, e foi batizado por João no Jordão. E logo, quando saía
da água, viu os céus se abrirem, e o Espírito, qual pomba, a descer sobre
ele; e ouviu-se dos céus esta voz: Tu és meu Filho amado; em ti me comprazo.
|
Mateus 3:16-17 Batizado que foi Jesus, saiu logo da
água; e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito Santo de Deus
descendo como uma pomba e vindo sobre ele;
e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo.
|
Lucas 3:21-22 Quando todo o povo fora batizado, tendo
sido Jesus também batizado, e estando ele a orar, o céu se abriu; e o
Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e ouviu-se
do céu esta voz: Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.
|
João 1:32-34 E João deu testemunho, dizendo: Vi o
Espírito descer do céu como pomba, e repousar sobre ele. Eu não o conhecia; mas o que me enviou a
batizar em água, esse me disse: Aquele sobre quem vires descer o Espírito, e
sobre ele permanecer, esse é o que batiza no Espírito Santo. Eu mesmo vi e já vos dei testemunho de
que este é o Filho de Deus.
|
Vejamos quais as diferenças nestes relatos:
-
Marcos
mostra que apenas Jesus viu os céus abrirem-se e descer a pomba e a voz falou
directamente com ele (“Tu és...”), não indiciando se foi ouvida por mais
alguém. Isto é consistente com a doutrina de missão secreta, pois é relatado
como tendo sido um evento discreto;
-
em Mateus,
o evento também é relatado como discreto mas há uma ligeira modificação: a voz
dos céus já não falou directamente com Jesus mas com as pessoas que presenciaram
o evento (“Este é...” em vez de “Tu és...”);
-
em Lucas
este evento discreto transforma-se num evento público, indicando que a abertura
dos céus, a descida da pomba e a voz dos céus foram testemunhadas
colectivamente; João Baptista não deve ter visto, porque já estava preso;
-
em João,
quem disse que viu a descida da pomba foi João Baptista, não sendo referidas
mais testemunhas do evento.
Uma contradição em Mateus
é o relato sobre João Baptista, depois de preso, ter enviado mensageiros para
perguntar a Jesus se ele era mesmo o Messias ou se deveriam aguardar outro.
Mateus
|
Lucas
|
Mateus 11:2-3 Ora, quando João no cárcere ouviu falar
das obras do Cristo, mandou pelos seus discípulos perguntar-lhe: És tu aquele
que havia de vir, ou havemos de esperar outro?
|
Lucas 7:18-19 Ora, os discípulos de João
anunciaram-lhe todas estas coisas. E João, chamando a dois deles, enviou-os
ao Senhor para perguntar-lhe: És tu aquele que havia de vir, ou havemos de
esperar outro?
|
Ora, esta dúvida de João Baptista, depois de assistir a uma
aparição do Espírito Santo em forma de pomba e ouvir uma voz do céu a anunciar
que Jesus era o Filho de Deus, é estranha. Portanto “Mateus” quis embelezar o
episódio da pomba, transformando-o numa experiência colectiva, mas não se apercebeu da
inconsistência que iria criar.
Vemos a mesma passagem em Lucas mas, neste caso, o relato é consistente, considerando que Lucas diz que João Baptista foi preso antes
do baptismo de Jesus e, portanto, não presenciou a descida da pomba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário