domingo, 7 de outubro de 2012

Marcos - Censura I - Batismo e a pomba






Censura sobre Marcos

Os autores “Mateus” e “Lucas”, ao basearem as suas respectivas obras num texto tão insuficiente e absurdo como Marcos, provavelmente pensaram, cada um por seu lado, que a sua obra iria substituir a anterior, assumindo que Marcos cairia no esquecimento. Como tal não aconteceu, temos hoje os três evangelhos sinópticos, com todas as contradições que se podem verificar.

Os autores de Mateus e Lucas, em algumas passagens, não se limitaram a copiar as frases encontradas em Marcos. Algumas alterações ao texto revelam a intenção de simplesmente o embelezar, mas outras revelam a intenção de modificar a doutrina apresentada em Marcos.

Isto também acontece no Evangelho Segundo João, mais raramente porque encontram-se poucas passagens paralelas entre este e os sinópticos.


O baptismo de Jesus

No início do seu livro, “Marcos” diz que João Baptista pregava o baptismo para o arrependimento dos pecados e que este batiptizou Jesus.

“Mateus” não admitia ver Jesus envolvido num baptismo de arrependimento, pois Jesus não podia ter pecados, e por isso omitiu esta frase na sua versão.

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 1:4 assim apareceu João, o Batista, no deserto, pregando o batismo de arrependimento para remissão dos pecados.
Mateus 3:1 Naqueles dias apareceu João, o Batista, pregando no deserto da Judeia, dizendo: Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus.
Lucas 3:3 E ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão, pregando o batismo de arrependimento para remissão de pecados;


“Lucas” resolve este embaraço teológico, mantendo que João baptizava para o arrependimento, mas insinuando que Jesus não teria sido baptizado por João. Como? “Lucas” coloca o aprisionamento de João imediatamente antes do baptismo de Jesus (João Baptista foi preso - e depois morto - por opinar em público sobre Herodes).

Marcos
Mateus
Lucas
Marcos 1:9 E aconteceu naqueles dias que veio Jesus de Nazaré da Galiléia, e foi batizado por João no Jordão.
  
Mateus 3:13-15 Então veio Jesus da Galiléia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado por ele. Mas João o impedia, dizendo: Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Jesus, porém, lhe respondeu: Consente agora; porque assim nos convém cumprir toda a justiça. Então ele consentiu.
Lucas 3:19-22 Mas o tetrarca Herodes, sendo repreendido por ele por causa de Herodias, mulher de seu irmão, e por todas as maldades que havia feito, acrescentou a todas elas ainda esta, a de encerrar João no cárcere.
Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, ...

Na doutrina apresentada por “Mateus”, seria um embaraço apresentar Jesus a ser baptizado por João Baptista. Mas, como constatamos que o autor relatou o episódio, é forçoso considerar que, por alguma razão, este não poderia ter sido omitido. No entanto, para minimizar o embaraço, o autor colocou a justificação “porque nos convém cumprir toda a justiça”, mas não se percebe qual o significado desta.

Qualquer das versões sobre o baptismo de Jesus, é embaraçosa para as doutrinas cristãs porque não existe uma explicação teológica satisfatória para que Jesus tivesse de ser baptizado por João Baptista. É possível que o episódio do baptismo de Jesus Nazareno por João Baptista, já fizesse parte de uma importante doutrina anterior à escrita dos evangelhos, talvez com o objectivo de cativar os seguidores de João Baptista. Os proto-cristãos tentaram “provar” que Jesus era superior e que João Baptista esteve apenas a preparar o caminho para Jesus.

Sabe-se que, a par do desenvolvimento do cristianismo, continuaram a existir seguidores de João Baptista, durante muito tempo, que não reconheceram autoridade nos evangelhos. Por outro lado, os evangelhos nunca falam em João Baptista tornar-se um seguidor de Jesus, apesar de indicarem que aquele reconhecia que Jesus era-lhe superior. Pelo contrário, os evangelhos referem que muitos dos que viam Jesus presumiam que ele era o João Baptista ressuscitado (Marcos 6:14; 8:28; Mateus 14:1-2; 16:14; Lucas 9:7; 9:19).


O Espírito Santo e a pomba

Na sequência do baptismo, em todos os evangelhos há o relato do espírito santo que desceu dos céus em forma de pomba. O que varia em cada relato é quem é que observou a aparição da pomba:

Marcos
Mateus
Lucas
João
Marcos 1:9-11 E aconteceu naqueles dias que veio Jesus de Nazaré da Galiléia, e foi batizado por João no Jordão. E logo, quando saía da água, viu os céus se abrirem, e o Espírito, qual pomba, a descer sobre ele; e ouviu-se dos céus esta voz: Tu és meu Filho amado; em ti me comprazo.    

Mateus 3:16-17 Batizado que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre ele;     e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo.    

Lucas 3:21-22 Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e estando ele a orar, o céu se abriu; e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como uma pomba; e ouviu-se do céu esta voz: Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.    
João 1:32-34 E João deu testemunho, dizendo: Vi o Espírito descer do céu como pomba, e repousar sobre ele.     Eu não o conhecia; mas o que me enviou a batizar em água, esse me disse: Aquele sobre quem vires descer o Espírito, e sobre ele permanecer, esse é o que batiza no Espírito Santo.     Eu mesmo vi e já vos dei testemunho de que este é o Filho de Deus.

Vejamos quais as diferenças nestes relatos:
-          Marcos mostra que apenas Jesus viu os céus abrirem-se e descer a pomba e a voz falou directamente com ele (“Tu és...”), não indiciando se foi ouvida por mais alguém. Isto é consistente com a doutrina de missão secreta, pois é relatado como tendo sido um evento discreto;
-          em Mateus, o evento também é relatado como discreto mas há uma ligeira modificação: a voz dos céus já não falou directamente com Jesus mas com as pessoas que presenciaram o evento (“Este é...” em vez de “Tu és...”);
-          em Lucas este evento discreto transforma-se num evento público, indicando que a abertura dos céus, a descida da pomba e a voz dos céus foram testemunhadas colectivamente; João Baptista não deve ter visto, porque já estava preso;
-          em João, quem disse que viu a descida da pomba foi João Baptista, não sendo referidas mais testemunhas do evento.

Uma contradição em Mateus é o relato sobre João Baptista, depois de preso, ter enviado mensageiros para perguntar a Jesus se ele era mesmo o Messias ou se deveriam aguardar outro.

Mateus
Lucas
Mateus 11:2-3 Ora, quando João no cárcere ouviu falar das obras do Cristo, mandou pelos seus discípulos perguntar-lhe: És tu aquele que havia de vir, ou havemos de esperar outro?
Lucas 7:18-19 Ora, os discípulos de João anunciaram-lhe todas estas coisas. E João, chamando a dois deles, enviou-os ao Senhor para perguntar-lhe: És tu aquele que havia de vir, ou havemos de esperar outro?  

Ora, esta dúvida de João Baptista, depois de assistir a uma aparição do Espírito Santo em forma de pomba e ouvir uma voz do céu a anunciar que Jesus era o Filho de Deus, é estranha. Portanto “Mateus” quis embelezar o episódio da pomba, transformando-o numa experiência colectiva, mas não se apercebeu da inconsistência que iria criar.

Vemos a mesma passagem em Lucas mas, neste caso, o relato é consistente, considerando que Lucas diz que João Baptista foi preso antes do baptismo de Jesus e, portanto, não presenciou a descida da pomba.

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