Eucaristia
Nos três evangelhos sinópticos, no final da última ceia,
Jesus celebra a eucaristia. Esta celebração consiste em comer o pão e tomar o
vinho simbolizando o corpo e o sangue do Cristo.
Em João não há relato
da celebração da eucaristia na noite da última ceia. Existe apenas o relato de Jesus a lavar os
pés dos discípulos, após a ceia, e a discursar longamente. No entanto, numa
passagem anterior (fora do contexto da última ceia) é referido por Jesus que “só aquele que come a carne e bebe o sangue do
Cristo é que tem salvação” sem haver uma ligação simbólica ao pão e ao vinho.
João 6:53-56 Disse-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.
Repare-se que nestas declarações não existe o simbolismo do pão e do vinho. Pelo contrário, a utilização do termo “verdadeiramente” reforça a
noção que estas deveriam ser entendidas literalmente. No entanto, na sequência
desta passagem, Jesus explica que a carne é o espírito e o sangue é a vida. Em
todo o caso, “João” não fala em nenhuma celebração simbólica com recurso a pão
e vinho, e também não existe qualquer ligação à última ceia. E podemos
também dizer que esta doutrina de João foi muitas vezes entendida literalmente
pelos perseguidores dos cristãos que, muitas vezes, acusavam estes de práticas
canibalísticas.
Por outro lado, o (auto-proclamado) apóstolo Paulo, que
conheceu Jesus apenas por visões, disse que recebeu as seguintes instruções
para a eucaristia:
1 Coríntios 11:23-25 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
Esta carta, dirigida à igreja de Corinto, foi escrita antes
dos evangelhos. Ora, Paulo não estava presente na última ceia com Jesus. Ele disse aos coríntios que foi o "Senhor" (pressupõe que foi por visão ou revelação) que lhe informou como se praticava a eucaristia (mas as visões só ensinam aquilo que uma pessoa já conhece de antemão...). Então, de onde foi Paulo buscar este ritual de comunhão?
O mitraísmo, originário dos persas, tornou-se um culto muito
popular para os romanos nesta época. Em tempos, teve rituais que incluíam o
sacrifício de um touro fazendo uso da carne e do sangue, mas posteriormente
outros rituais eram acompanhados da seguinte frase ou dizer litúrgico: “quem
não comer da minha carne e beber do meu sangue de modo a tornar-se parte de mim
e eu parte dele, não terá salvação”. Ora havia um grande centro de culto do
mitraísmo em Tarso, a cidade originária de Paulo, o que leva a crer que Paulo é
que instituiu a eucaristia e não Jesus. Mas a reverência que os judeus tinham
pelo sangue (Levítico 3:17; 7:26; Deuteronómio 12:16, 23) não permitia o seu
consumo, como ditaria a liturgia, por isso o passo natural seria adoptar
ingredientes substitutos, o pão e o vinho, mas mantendo a simbologia. A
utilização de pão e vinho teria a vantagem adicional de ser menos dispendioso e
mais discreto do que a utilização de um animal sacrificado.
Tendo em conta que a carta aos coríntios foi escrita por volta
de 50 EC, imaginemos os cenários alternativos:
-
Jesus
instituiu a eucaristia na noite da última ceia, por volta de 30 EC – então os
apóstolos tiveram cerca de vinte anos para ensinar e propagar o ritual da
eucaristia antes de Paulo escrever esta carta, e não faria sentido Paulo dizer
que foi Jesus que lhe transmitiu numa visão;
-
Jesus
não instituiu a eucaristia, Paulo é que instituiu – quando chegou a altura da
escrita dos evangelhos, em 70 EC, a eucaristia já era um facto entre os cristãos,
por isso foi incorporada no relato dos evangelhos;
-
nem
Jesus nem Paulo instituiram a eucaristia – este ritual já era praticado antes
pelos adeptos do mitraísmo, uma religião popular entre os romanos, e Paulo
apenas a integrou no cristianismo.
Bebeu ou não bebeu?
Nos sinópticos, no final da eucaristia, Jesus promete aos
apóstolos que não beberá mais nenhum “produto da videira” até ao dia em que se
encontrasse no Reino de Deus.
Marcos
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Mateus
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Lucas
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Marcos 14:25 Em verdade vos digo que não beberei mais
do fruto da videira, até aquele dia em que o beber, novo, no reino de Deus.
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Mateus 26:29 Mas digo-vos que desde agora não mais
beberei deste fruto da videira até aquele dia em que convosco o beba novo, no
reino de meu Pai.
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Lucas 22:18 porque vos digo que desde agora não mais
beberei do fruto da videira, até que venha o reino de Deus.
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Nos sinópticos, Jesus é verdadeiro com a sua palavras, pois
durante o seu caminho para a crucificação, é-lhe oferecido vinho, mas ele
recusa.
Marcos
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Mateus
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Marcos 15:22-23 Levaram-no, pois, ao lugar do Gólgota,
que quer dizer, lugar da Caveira. E ofereciam-lhe vinho misturado com mirra;
mas ele não o tomou.
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Mateus 27:33-34 Quando chegaram ao lugar chamado
Gólgota, que quer dizer, lugar da Caveira, deram-lhe a beber vinho misturado
com fel; mas ele, provando-o, não quis beber.
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No entanto, enquanto estava na cruz, é-lhe oferecido vinagre
(vinho acre) para beber, mas, nos sinópticos, não fica claro se Jesus aceitou e
bebeu ou se recusou esta oferta.
Marcos
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Mateus
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Lucas
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Marcos 15:36 Correu um deles, ensopou uma esponja em
vinagre e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber, dizendo: Deixai, vejamos se
Elias virá tirá-lo.
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Mateus 27:48-49 E logo correu um deles, tomou uma
esponja, ensopou-a em vinagre e, pondo-a numa cana, dava-lhe de beber. Os
outros, porém, disseram: Deixa, vejamos se Elias vem salvá-lo.
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Lucas 23:36-37 Os soldados também o escarneciam,
chegando-se a ele, oferecendo-lhe vinagre, e dizendo: Se tu és o rei dos
judeus, salva-te a ti mesmo.
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Em João, fica
explícito que ele tomou o vinagre, bebendo-o.
João 19:29-30 Estava ali um vaso cheio de vinagre. Puseram, pois, numa cana de hissopo uma esponja ensopada de vinagre, e lha chegaram à boca. Então Jesus, depois de ter tomado o vinagre, disse: está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito.
Se combinarmos a informação de João com os sinópticos então Jesus não cumpriu a sua palavra ao ter
recebido o vinagre para beber, porque vinagre é um “produto da videira”. Mas,
como em João não existe o episódio da
celebração da eucaristia, também não houve a promessa que Jesus fez de não mais
beber do produto da videira.
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