terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Paixão V - Morte e Sepultamento





As últimas palavras

Em todos os evangelhos estão registadas as últimas palavras de Jesus. Como os registos não coincidem, não se percebe quais é que foram mesmo as últimas.

Marcos 15:33-37
Mateus 27:46-50
Lucas 23:44-46
João 19:29-30
“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Salmos 22:1, citado em aramaico)
“Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Salmos 31:5)
“Tenho sede”, e depois “está consumado” (nada de poesia!...)

Como curiosidade, no filme “A Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, foi feita uma interpretação “interessante” desta passagem, fundindo todas estas versões: Jesus diz sequencialmente todas estas frases. Mas são todas as últimas palavras de um homem prestes a morrer?

Parece que o autor de Marcos quis retratar Jesus como um Messias que morre decepcionado com Deus ao verificar que estava a morrer preso a uma cruz e que nada de espantoso sucedia.

As frases que Jesus profere em Marcos, Mateus e Lucas são citações de poesia do Antigo Testamento. Podemos ver que, em Marcos e Mateus, Jesus recita um texto de Salmos 22:1, enquanto, em Lucas, Jesus recita o texto de Salmos 31:5.
Salmos 22:1 Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? por que estás afastado de me auxiliar, e das palavras do meu bramido? 
Salmos 31:5 Nas tuas mãos entrego o meu espírito; tu me remiste, ó Senhor, Deus da verdade.

É compreensível que “Lucas” não quisesse retratar Jesus a recitar um texto que inspirasse decepção (“abandonaste-me, porquê?...”), pois o Filho de Deus não poderia duvidar do seu Pai, mas, ao dizer “nas tuas mãos entrego o meu espírito” revelaria uma forte confiança como Filho. Portanto, as duas citações têm valores opostos. No fim de contas, e considerando que Jesus nesta altura era um homem em agonia afixado numa cruz, a última coisa que se lembraria seria recitar poesia antiga! Daí que a frase mais realista está na versão de João: “está consumado”!


Morte e sobrenatural

Vamos agora comparar os acontecimentos sobrenaturais que estão relatados no momento da morte de Jesus.


Marcos 15:38
Mateus 27:51-53
Lucas 23:44-45
João 19:32-34
Trevas sobre a terra.; A cortina do santuário rasgou-se em dois, de alto a baixo.
Trevas sobre a terra. A cortina do santuário rasgou-se em dois, de alto a baixo; a terra tremeu, as pedras fenderam-se, os sepulcros abriram-se, e muitos mortos foram ressuscitados; e, sairam dos túmulos, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos.
Trevas sobre a terra, pois o sol se escurecera; e rasgou-se ao meio a cortina do santuário.

Os soldados, foram  quebrar as pernas aos crucificados; mas não quebraram as pernas de Jesus porque viram que já estava morto; um dos soldados furou-lhe de lado com uma lança, e saiu sangue e água.



Definitivamente, aqui os autores deixaram a imaginação fluir, principalmente “Mateus”, que relata acontecimentos que não poderiam passar despercebidos a muitos milhares de habitantes de Jerusalém.

Uma coisa é “Marcos” dizer que “a cortina do santuário rasgou-se”, pois o santuário era um local do Templo onde muito poucos podiam entrar e, para além disso, já vimos que Marcos poderá ter sido escrito depois de 70 EC, ou seja, após a destruição do Templo pelos romanos. Portanto Marcos relata um evento não só discreto como dificilmente comprovável. Completamente diferente é “Mateus” e “Lucas” apresentarem acontecimentos manifestamente públicos: um terramoto e o escurecimento do Sol, respectivamente (já para não falar nos zombies de Mateus):
-          “Mateus” relata um terramoto de escala suficiente para fender pedras e abrir túmulos – o que não poderia passar nada despercebido;
-          “Lucas” relata um escurecimento do Sol, o que tem sido interpretado como um eclipse solar; mas é impossível haver um eclipse solar em dia de lua-cheia (o Sol não pode iluminar a Lua e ser simultaneamente obscurecido por esta).


Por outro lado, João conta-nos que “os judeus” pediram a Pilatos para acelerar a morte dos condenados para poderem ir enterrá-los antes de chegar o Sábado (Sabbath). Por isso, os soldados foram quebrar as pernas dos crucificados:
João 19:31-34 Ora, os judeus, como era a preparação, e para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, pois era grande aquele dia de sábado, rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e fossem tirados dali.  Foram então os soldados e, na verdade, quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fora crucificado; mas vindo a Jesus, e vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas; …

No seguimento da morte de Jesus, é relatado em todos os evangelhos que José de Arimatéia foi pedir a Pilatos o corpo de Jesus para o sepultar. O que é estranho é, em Marcos, Pilatos mostrar-se surpreendido ao saber que Jesus já tinha morrido (podemos imaginar Pilatos a dizer: “Era só para espancar, crucificar e partir-lhe as pernas! Não mandei materem o homem!”...):
Marcos 15:43-44 José de Arimatéia, ilustre membro do sinédrio, que também esperava o reino de Deus, cobrando ânimo foi a Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Admirou-se Pilatos de que já tivesse morrido; e chamando o centurião, perguntou-lhe se, de fato, havia morrido.

Então podemos formular as seguintes hipóteses:
-          “Marcos” mentiu, afirmando que Pilatos admirou-se de saber que Jesus tinha morrido;
-          ou “João” mentiu e, portanto, Pilatos não ordenou que se quebrassem as pernas dos condenados;
-          nenhum dos autores mentiu, pois ambos estavam a descrever ensinamentos e não acontecimentos.


Sepultamento

Os quatro evangelhos são unânimes em relatar que quem tratou do sepultamento de Jesus foi um homem chamado José de Arimateia. Mas quem era este José de Arimateia?

Marcos 15:43
Mateus 27:57
Lucas 23:50-51
João 19:38
Membro ilustre do Sinédrio, que também aguardava o “reino de Deus”
Um homem rico, que era discípulo de Jesus
Membro do Sinédrio, justo e bom, que não votou contra Jesus
Discípulo secreto de Jesus.


E José de Arimatéia foi sozinho sepultar Jesus? Quem sepultou Jesus?

Marcos 15:43-46
Mateus 27:57-60
Lucas 23:50-53
João 19:38-40
José de Arimatéia
José de Arimatéia e Nicodemos


Em Marcos e Mateus está registado que José de Arimateia, antes de se ir embora, rolou uma pedra para tapar a entrada do túmulo. Então essa pedra não seria assim tão pesada, a não ser que José de Arimateia fosse um campeão de levantamento de pesos. Mateus acrescenta que os sacerdotes e fariseus sugeriram colocar uma guarda a vigiar o túmulo não fossem os discípulos roubar o corpo de Jesus.

O Evangelho de João acrescenta que Nicodemos, descrito como um príncipe (gr. archon; governante) judeu, também participou no sepultamento de Jesus (será que José de Arimateia fechou o túmulo ainda com Nicodemos lá dentro?...).




Nenhum comentário:

Postar um comentário