Paulo, sobre a eucaristia
Paulo disse aos coríntios que foi o próprio “Senhor” (aqui
não se percebe se Paulo referia-se a Deus ou ao Filho) que lhe ensinou sobre a
eucaristia. Portanto, nenhum homem ensinou-lhe este ritual tão característico
dos cristãos.
1 Coríntios 11:23-25 Porque eu recebi do Senhor o que
também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou
pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por
vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear,
tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto,
todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.
É intrigante que Paulo tenha dito isso, quando nas suas
cartas também menciona que teve algum convívio com Cefas (tradicionalmente
identificado como sendo Pedro), Tiago e João. Segundo os evangelhos estes três
homens estiveram com Jesus na última ceia e participaram na eucaristia,
ministrada pelo próprio Jesus. Então porque é que Paulo diz que foi “o Senhor”
que lhe contou? Os apóstolos não lhe podiam ter contado?
Ao longo das cartas de Paulo, percebe-se o clima de
competição entre Paulo e os apóstolos de Jerusalém, por isso, estes poderiam
dizer: “ok, o Senhor contou-lhe, mas nós estivemos lá e ele não!”. Mas será que
os apóstolos estiveram mesmo com Jesus, participando numa eucaristia?
Esta carta, dirigida à comunidades de crentes de Corinto, foi escrita antes
dos evangelhos. Então, de onde foi Paulo buscar este ritual de comunhão?
O mitraísmo, originário dos persas, tornou-se um culto muito
popular para os romanos nesta época. Em tempos, teve rituais que incluíam o
sacrifício de um touro fazendo uso da carne e do sangue, mas posteriormente
outros rituais eram acompanhados da seguinte frase ou dizer litúrgico: “quem
não comer da minha carne e beber do meu sangue de modo a tornar-se parte de mim
e eu parte dele, não terá salvação”.
Ora havia um grande centro de culto do
mitraísmo em Tarso (da Cilícia, actual Turquia), a cidade originária de Paulo, o que leva a crer que Paulo é
que instituiu a eucaristia e não Jesus. Mas a reverência que os judeus tinham
pelo sangue (Levítico 3:17; 7:26; Deuteronómio 12:16, 23) não permitia o seu
consumo, como ditaria a liturgia, por isso o passo natural seria adoptar
ingredientes substitutos, o pão e o vinho, mas mantendo a simbologia. A
utilização de pão e vinho teria a vantagem adicional de ser menos dispendioso e
mais discreto do que a utilização de um animal sacrificado.
Tendo em conta que esta Carta aos Coríntios foi escrita por volta
de 50 EC, imaginemos os cenários alternativos:
-
Jesus
instituiu a eucaristia na noite da última ceia, por volta de 30 EC – então os
apóstolos tiveram cerca de vinte anos para ensinar e propagar o ritual da
eucaristia antes de Paulo escrever esta carta, e não faria sentido Paulo dizer
que foi Cristo que lhe transmitiu numa visão;
-
Jesus
não instituiu a eucaristia, Paulo é que instituiu – quando chegou a altura da
escrita dos evangelhos, em 70 EC, a eucaristia já era um facto entre os
cristãos, por isso foi incorporada no relato dos evangelhos como um episódio da vida de Jesus e dos apóstolos;
-
nem
Jesus nem Paulo instituiram a eucaristia – este ritual já era praticado antes
pelos adeptos do mitraísmo, uma religião popular entre os romanos, e Paulo
apenas a integrou no cristianismo.
O mais provável é que os evangelhos estejam errados e que
Paulo quis introduzir e legitimar no cristianismo um ritual pertencente a outra
crença, facilitando a conversão de fieis.
Outra subtileza habitualmente introduzida nas traduções
desta passagem de 1ª Coríntios
encontra-se na frase “... o Senhor Jesus, na noite em que foi traído...”. Em
questão está a palavra “traído” quando a tradução mais adequada seria “entregue”.
Com o claro objectivo de harmonizar as cartas de Paulo com o evangelhos,
insinuando que Paulo sabia que Jesus foi entregue por um traidor, dá-se
credibilidade histórica ao episódio da traição de Judas.
Plutarco, sobre o Mitraísmo na Cilícia no século I AEC
Plutarco (48 a 120 EC), em Vida de Pompeu, refere que os piratas da Cilícia (terra natal de Paulo) praticavam ritos de Mitra desde o tempo de Pompeu (106 AEC a 48 AEC) até aos dias dele próprio.
Plutarco, Vida de Pompeu, 24, 5
Eles também ofereciam estranhos sacrifícios próprios no Olimpo, e celebravam ali certos ritos secretos, entre os quais os de Mitra continuam até hoje, tendo sido instituídos primeiro por eles.
Justino, sobre a eucaristia
Justino Mártir (100 a 165 EC) era um apologista do cristianismo primitivo. Ele era de um tempo em que já existiam os evangelhos.
Na sua "Primeira Apologia" fala sobre a eucaristia, diz que o ritual foi transmitido por Jesus aos apóstolos, mas sabe claramente que esse ritual veio de Mitra. De tal maneira que tenta justificar que a tradição da eucaristia iniciou-se com o mitraísmo porque os demónios perversos imitaram Cristo por antecipação!
Justino, Primeira Apologia, cap. LXVI - Da Eucaristia.
E este alimento é chamado entre nós Eucaristia, do qual ninguém pode participar, exceto o homem que crê que as coisas que ensinamos são verdadeiras, e que foi lavado com a lavagem que é para a remissão dos pecados, e para a regeneração, e que vive assim como Cristo ordenou. Pois não como pão comum e bebida comum nós os recebemos; mas assim como Jesus Cristo, nosso Salvador, tendo-se feito carne pela Palavra de Deus, teve carne e sangue para nossa salvação, assim também fomos ensinados que o alimento que é abençoado pela oração de sua palavra, e de que nosso sangue e nossa carne por transmutação são nutridos, é a carne e o sangue daquele Jesus que se fez carne. Pois os apóstolos, nas memórias compostas por eles, que são chamadas de Evangelhos, assim nos entregaram o que lhes foi ordenado; que Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, disse: "Fazei isto em memória de mim, isto é o meu corpo"; e que, da mesma maneira, tendo tomado o cálice e dado graças, Ele disse: “Isto é o meu sangue”; e deu a eles sozinhos. Que os demônios perversos imitaram nos mistérios de Mitra, ordenando que a mesma coisa fosse feita. Pois, esse pão e um copo de água são colocados com certos encantamentos nos ritos místicos de quem está sendo iniciado, como sabeis ou podeis informar-vos.
Já em "Diálogo com Trifão", Justino refere novamente Mitra.
Justino, Diálogo com Trifão, cap. LXX - Mistérios de Mitra
E quando aqueles que gravaram os mistérios de Mitra dizem que ele foi gerado de uma pedra, e que o lugar onde os crentes são iniciados é uma caverna, não se vê aqui a pronunciação de Daniel de que uma pedra foi cortada, sem mãos, de uma grande montanha?
Foi imitado por eles. E não tentaram também, da mesma forma, imitar as palavras de Isaías? Pois eles artificialmente citam as palavras de Isaías, as quais repetirei aqui para você saiba como são estas coisas: "Ouvi, vós os que estais longe, [...] ele morará na caverna elevada da rocha forte; pão deve ser dado a ele, e sua água não faltará; vereis o Rei da glória[...]"
Agora é evidente que nesta profecia [é feita alusão] ao pão que o nosso Cristo nos deu de comer, em memória de ter-se feito carne para o bem de Seus crentes, para quem também sofreu, e para o cálice que Ele nos deu a beber, em memória de seu próprio sangue, com acções de graças. [...]
Além disso, as Escrituras são igualmente explícitas ao dizer que aqueles que têm a reputação de conhecer as Escrituras, e os que ouvem as profecias, não têm entendimento. E quando eu ouço, Trifon, que Perseus foi gerado de uma virgem, eu entendo que a serpente enganadora falsificou também isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário