Paulo, primeiramente conhecido pelo nome de Saulo, é descrito, nos capítulos 7 e 8 de Actos, como um perseguidor de judeus-cristãos que supervisionou o apedrejamento de Estêvão.
E, no capítulo 9 de Actos, o narrador relata que Paulo ia para Damasco em serviço, mandatado pelo sumo-sacerdote, quando teve uma visão de uma luz e uma voz que se identificou como Jesus. Essa visão fez com que se convertesse.
Mas a conversão de Paulo, através de uma visão de Jesus, é contada
três vezes em Actos:
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na primeira, é uma narrativa do autor com Paulo
na terceira pessoa;
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a segunda é, supostamente, um depoimento do
próprio Paulo, na primeira pessoa, quando foi preso em Jerusalém, perante o
comandante militar e da multidão que observava;
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a terceira, também supostamente, é um outro
depoimento que Paulo fez perante o rei Herodes Agripa (rei de 41 a 44 EC).
Actos 9:3-7
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Actos 22:6-10
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Actos 26:12-16
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Mas, seguindo ele viagem e aproximando-se de Damasco,
subitamente o cercou um resplendor de luz do céu; e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo,
Saulo, por que me persegues?” Ele perguntou: “Quem és tu, Senhor?” Respondeu
o Senhor: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues; ...” Os homens que viajavam com
ele quedaram-se emudecidos, ouvindo [gr.
akouontes], na verdade, a voz, mas não vendo ninguém.
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Aconteceu, porém, que, quando caminhava e ia chegando
perto de Damasco, pelo meio-dia, de repente, do céu brilhou-me ao redor uma grande luz. Caí por terra e ouvi
uma voz que me dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Eu respondi: “Quem
és tu, Senhor?” Disse-me: “Eu sou Jesus, o nazareno, a quem tu persegues.” E
os que estavam comigo viram, em verdade, a luz, mas não entenderam [ouviram - gr.
êkousan] a voz daquele que falava comigo. Então disse eu: Senhor
que farei? ...
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Indo com este encargo a Damasco, munido de poder e
comissão dos principais sacerdotes, ao
meio-dia, ó rei vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol,
resplandecendo em torno de mim e dos que iam comigo. E, caindo nós todos por
terra, ouvi uma voz que me dizia
em língua hebraica: Saulo, Saulo, por que me persegues? Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões.
Disse eu: Quem és, Senhor? ...
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Podemos observar coisas estranhas nestes três relatos (e é
necessário lembrar que nenhum destes foi escrito pelo próprio Paulo):
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no primeiro relato, o narrador diz que os
companheiros de Paulo ouviram (gr. akouo)
a voz;
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no segundo relato, o primeiro depoimento, Paulo
refere que os que estavam com ele não ouviram a voz mas muitas traduções do Novo Testamento trocam a expressão “não
ouviram a voz” por “não entenderam a voz”, embora a palavra grega seja também uma forma do verbo akouo; a bem da honestidade algumas
traduções colocam a expressão correcta - p. ex. a King James e a American
Standard Version;
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no terceiro relato, o segundo depoimento, Paulo refere
Jesus a falar em hebraico mas a citar uma expressão que Eurípedes, dramaturgo
grego da antiguidade, usou, mais de quatrocentos anos antes, na peça de teatro As Bacantes (linha 795): “dar pontapés contra
aguilhões” (gr. “pros kentra laktizein” ou “laktizo
pros kentron”, Actos 26:14);
Resumindo: o segundo relato é uma contradição do primeiro; e o terceiro relato é inspirado em dramaturgia grega.
Sobre a expressão "Recalcitrar contra os aguilhões"
"Recalcitrar contra os aguilhões" = "dar pontapés em ferrões" = ser teimoso
Um aguilhão é uma vara com um ferrão ponteagudo na ponta que os pastores usam para disciplinar o gado. Por vezes, um boi poderia tornar-se teimoso e começar a dar coices no aguilhão do pastor, e o único resultado era magoar-se cada vez mais.
Referência grega de "Actos": http://www.qbible.com/greek-new-testament/acts/26.html#14
Num próximo artigo faremos mais paralelos entre Actos e As Bacantes.
Não quer dizer que o segundo relato é uma contradição do primeiro!
ResponderExcluirE qual o problema de usar uma expressão de origem grega?
Isto está explicado no próximo artigo, sobre a ligação entre Actos dos Apóstolos e As Bacantes de Eurípedes:
Excluirhttp://quem-escreveu-torto.blogspot.pt/2013/02/actos-dos-apostolos-as-bacantes-de.html
Saudações
Mesmo assim, não quer dizer que o segundo relato é uma contradição do primeiro!
ResponderExcluirE não é porque houve Histórias parecidas com a minha que a minha não é verdadeira!