sábado, 29 de setembro de 2007

Os primeiros mitos - A criação




O livro de Génesis encerra os mais conhecidos contos e lendas do Antigo Testamento. Existem muitas denominações religiosas que promovem estas histórias como se se tratassem de verdadeiros factos históricos!


A criação

No primeiro e, provavelmente, mais famoso versículo da Bíblia declara-se que “Deus criou os céus e a Terra”.
Génesis 1:1 No princípio criou Deus os céus e a terra.
Na verdade, deveria traduzir-se por “No princípio os Deuses criaram os céus e a Terra”, pois nos manuscritos hebraicos, a designação divina está no plural (Elohim, plural da palavra hebraica El, Deus). Nota-se aqui uma descuidada conversão de tradições politeístas para um texto monoteísta. O autor deste versículo não conseguiu esconder um passado outrora devotado a múltiplos deuses.


Uma história com duas versões

O livro Génesis, que faz parte do Pentateuco (Torah, para os judeus), contém duas distintas histórias sobre a Criação. A primeira parece uma tradição mesopotamica (semelhante ao mito de criação babilónico, Enuma Elish) e a segunda já é uma tradição mais adaptada ao judaísmo. Na primeira, a divindade é designada por Elohim e na segunda é designada por Yahveh (nome revelado aos hebreus através de Moisés que, em português, habitualmente se escreve Javé ou Jeová mas que na maioria das traduções do Antigo Testamento aparece como “Senhor”).


Primeira versão da Criação
   Génesis 1:1-2:3 (resumo)
No princípio os deuses (heb. Elohim) criaram os céus e a Terra (completamente coberta por água), depois foram feitas as seguintes criações:
Dia 1: luz, o dia e a noite;
Dia 2: separação das águas abaixo e acima do céu;
Dia 3: terra seca, plantas;
Dia 4: Sol para iluminar de dia, Lua para a noite; e também as estrelas.
Dia 5: monstros marinhos (baleias), peixes, aves;
Dia 6: animais terrestres, répteis, insectos e, finalmente, homem e mulher para dominarem sobre o resto da criação;
Dia 7: dia de descanso; os deuses foram descansar estando muito satisfeitos com tudo o que fizeram.

Segunda versão da Criação
   Génesis 2:4-22 (resumo)
Yahveh criou o céu e a Terra.
Criou o homem (heb. Adhám), a partir do barro, numa terra sem vida, pois nunca tinha chovido, embora houvesse um jorro de vapor que brotava da terra.
Depois Yahveh criou um jardim num local chamado Éden (desse jardim partia um rio que dividia-se em quatro rios entre os quais o Tigre e o Eufrates).
No jardim, Yahveh criou plantas e, apercebendo-se que o homem estava sozinho, criou animais para lhe fazerem companhia. O homem ainda esteve entretido uns tempos com os animais, mas Yahveh entendeu que tinha de fazer uma mulher. Yahveh, criou a mulher a partir de uma costela do homem.

Uma grande diferença é que na primeira narrativa o homem e a mulher foram criados em último lugar, enquanto que na segunda, exceptuando a criação dos céus e da terra, o homem foi a primeira criação e a mulher foi a última. Na segunda narrativa, todas as coisas, incluindo a mulher, foram criadas à medida das necessidades do homem.


E... Adão pariu Eva!

Numa inversão da ordem natural das coisas, Génesis diz que foi a partir do homem que Deus criou a mulher (provocou uma anestesia geral em Adão e recolheu uma costela!). Quando Génesis foi escrito, longe iam os tempos em que os povos louvavam o poder gerador de vida que a Mulher possuía através do seu útero.

Durante milhares de anos praticou-se o culto em torno da Grande Deusa (ou a Grande Mãe). Antes da imposição de uma sociedade patriarcal dominada pelo lado masculino e agressivo, a Grande Mãe definia uma sociedade matriarcal dominada pelas leis naturais.

A Grande Deusa foi, progressivamente, substituida por um panteão de deuses e deusas e, finalmente, por um único Deus masculino.


A criação segundo Platão

No livro O Banquete, um livro onde Platão alegadamente regista discursos, um dos oradores, Aristófanes, conta que os humanos tinham sido criados como macho e fêmea unidos fisicamente num só ser. Mas, como os humanos eram demasiado férteis, em consequência da permanente intimidade entre macho e fêmea, tornaram-se numerosos e considerados uma ameaça para os deuses. Zeus decide, então, separar os humanos em dois seres diferenciados - homem e mulher - de modo a dificultar o processo reprodutivo. É desta passagem que vem a expressão platónica "alma gémea".

A narrativa de Génesis diz que Yahveh tirou uma costela de Adão para fazer Eva. No fundo, Yahveh fez o mesmo que Zeus - tornou um ser (Adão) em dois seres distintos (Adão e Eva), sem adicionar material (sem adicionar barro, neste caso, que seria a matéria que Yahveh usou para fazer o homem).

A palavra hebraica hatztzela traduzida, em Génesis 2:22, por "costela" é usada noutros versículos do antigo testamento para designar uma "câmera lateral" ligada à nave principal do Templo (1 Reis 1:6; Ezequiel 41:5,11). O autor desta passagem em Génesis quis passar uma imagem em que o homem e a mulher estavam ligados lateralmente e que Yahveh simplesmente os partiu em dois.

Portanto, na narrativa de Génesis, Yahveh não criou a mulher a partir da costela, pois previamente havia já criado homem e mulher unidos num só ser. Posteriormente Yahveh pensou que seria melhor que macho e fêmea estivessem fisicamente separados.


Referência:
 - http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/O_banquete.pdf
 - http://biblehub.com/hebrew/hatztzela_6763.htm


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