sábado, 29 de setembro de 2007

O primeiro pecado


A Árvore do Conhecimento

Deus avisou Adão, o primeiro homem, que não poderia comer o fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal” pois morreria, isto é, perderia a imortalidade. Poderíamos dizer que esta árvore simbolizaria a emancipação do Homem perante Deus, pois, ao comer do fruto, o Homem passaria a poder distinguir o bem do mal. Deus teria, portanto, receio que o Homem se tornasse auto-suficiente nas suas escolhas morais.

Por outro lado, poderíamos arrojar uma interpretação mais adaptada aos nossos dias. Considerando que o “conhecimento do bem e do mal” constitui a totalidade do conhecimento, a árvore que Deus referia era, portanto, a Ciência. Seria um aviso divino para o Homem não se aventurar pelos caminhos do conhecimento, pois, embora libertasse o homem da sua dependência de Deus, seria o caminho para a sua morte.

Digamos que a interpretação deste “aviso divino” estaria de acordo com os cenários apocalípticos modernos que são baseados num contexto em que o homem abusou da Ciência e deixou de a controlar. Como exemplo, a cultura do século XX deixou-nos carregados de receios de autodestruição do Homem por causa do abuso da ciência: a guerra nuclear, o buraco do ozono, a desflorestação, o aquecimento global, etc.

Esta é apenas uma das possíveis interpretações da história do primeiro pecado à luz do entendimento dos nossos dias e serve apenas para indicar a elasticidade que algumas histórias bíblicas têm. Certamente quem, há 2.500 ou mais anos, escreveu esta narrativa teria em mente outras interpretações e não estaria a pensar numa auto-destruição do Homem pela má aplicação da Ciência. Porém, é duvidoso que o autor escrevesse esta história para ser entendida literalmente, como se Adão e Eva tivessem transgredido por ter trincado um fruto colhido de uma árvore. Esta visão reduz esta história a um caso de simples rebeldia ou desobediência infantil (“não mexe, senão fica de castigo!”...).

A interpretação tradicional, para além de encarar a história literalmente, é detractora da mulher, culpando Eva da prevaricação de ter em primeiro lugar provado do fruto proibido, arrastando consigo Adão para a decadência da Humanidade.

Segundo Génesis foi uma serpente que incitou Eva a comer do fruto da árvore proibida da Ciência, retirando-lhe a imortalidade. Esta história não é única no seu conteúdo: no Épico de Gilgamesh, um antiquíssimo texto sumério, o protagonista vai à procura da imortalidade e encontra-a na forma de uma planta, mas uma serpente acaba por comê-la e, assim, também Gilgamesh perde a imortalidade.

Para finalizar, uma pergunta que podemos fazer aos que defendem a literalidade da narrativa de Génesis é: "Que idade tinha Eva quando foi enganada pela serpente?". Podemos acrescentar: "Se a serpente era Satanás, quantos anos já tinha de existência quando enganou Eva?"


O Deus Costureiro

Na sequência da desobediência, Adão e Eva verificaram que estavam nus e cobriram-se com folhas de figueira. Parece que Deus preferiu que eles se vestissem de peles...

Génesis 3:6-21 
E, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e ele comeu com ela. Então, foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e cobriram-se
E ouviram a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim pela viração do dia; e escondeu-se Adão e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. 
E chamou o Senhor Deus a Adão e disse-lhe: Onde estás?
E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me... 
... E fez o Senhor Deus a Adão e a sua mulher túnicas de peles e os vestiu.


A Primeira Espada

Estamos enganados quando pensamos que foi o Homem que inventou as armas. Afinal, muito antes de o Homem sequer trabalhar os metais, já Deus tinha enviado anjos (querubins) com uma espada para proteger a entrada do Jardim do Eden...

Génesis 3:22-24 
Então disse o Senhor Deus: “Agora o homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Não se deve, pois, permitir que ele tome também do fruto da árvore da vida e o coma, e viva para sempre”. 
Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado. Depois de expulsar o homem, colocou a leste do jardim do Éden querubins e uma espada flamejante que se movia, guardando o caminho para a árvore da vida.


O mito de Adapa

O mito bíblico do primeiro pecado parece inspirado no Mito Mesopotâmico de Adapa. Em ambas as narrativas é negada a imortalidade ao homem porque esta representaria uma perda de status para Deus.


2 comentários:

  1. Concordo genericamente com tudo o que dizes. Hoje mesmo, fiz uma leitura mais intrínseca do texto, como podes ver em http://semrede.blogs.sapo.pt.

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  2. Proponho outra interpretação: o conhecimento do bem e do mal marca a evolução do animal irracional para o homem. Com esse conhecimento veio também o de que somos mortais (que os animais não têm).
    Esta interpretação tem uma consequência interessante: quem escreveu esta história tinha uma ideia, ainda que intuitiva, da evolução das espécies. Será que no subconsciente nós sempre soubemos que descendíamos de animais irracionais?
    carlos cardoso

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