domingo, 19 de dezembro de 2021

Evangelhos - O Hipotético Evangelho Q


 


Hipótese da Dupla Fonte para Mateus e Lucas

Os académicos que estudaram o Novo Testamento notaram que Mateus, Marcos e Lucas tinham uma estrutura narrativa muito semelhante. Por isso começaram a chamar estes três evangelhos de "sinópticos".

Por outro lado, também viram que existiam discursos ou ditos de Jesus em Mateus e Lucas que não existiam em Marcos. Por isso propuseram a hipótese da “Dupla Fonte” que sustenta que foram utilizadas as duas seguintes fontes para a criação dos evangelhos Mateus e Lucas:

-          Marcos – considerada a fonte da estrutura narrativa, comum aos sinópticos, da vida pública de Jesus;

-          Q – uma outra fonte, designada por Evangelho Perdido Q (do alemão “Quelle” - “fonte”), cujo conteúdo seriam os textos que se encontram simultaneamente em Mateus e Lucas (cerca de 200 versículos) mas que não se encontram em Marcos. Trata-se de um texto hipotético, pois jamais foi encontrado um manuscrito com este conteúdo, o qual pode ter sido uma colecção de pensamentos e dizeres de Jesus, com pouca ou nenhuma estrutura narrativa. Também é designado por Evangelho dos Dizeres Q.


Esta hipótese é baseada em três premissas:
1) Marcos forneceu a estrutura narrativa para a composição de Mateus e Lucas, porque:
-          MateusMarcos e Lucas têm semelhança na sequência narrativa e concordam por vezes ao nível da composição de frases;
-          em algumas passagens Mateus concorda com Marcos, mas não com Lucas;
-          em algumas passagens Lucas concorda com Marcos, mas não com Mateus;
-          Mateus e Lucas quase nunca concordam em composição e sequência, embora concordem em conteúdo, exceptuando material encontrado também em Marcos.


2) é que os autores, “Mateus” e “Lucas”, criaram os seus trabalhos independentemente, isto é, “Mateus” não conhecia o trabalho de “Lucas” e vice-versa.

3) como também há semelhança em material comum a Mateus e Lucas, e que não existe em Marcos, a terceira premissa é que teria de haver uma segunda fonte comum à qual foi dado o nome de Evangelho Q.




Referência web: Fonte Q (wikipedia).

Para além de material proveniente da “Dupla Fonte”, tanto Mateus como Lucas apresentam também material exclusivo. Material exclusivo, neste caso, não quer dizer material original. Por exemplo, o Antigo Testamento é extensivamente utilizado em Mateus, constituindo também uma importante fonte.


Contra o Evangelho Q

Mateus e Lucas são demasiado parecidos para terem sido redigidos de modo independente com base em Marcos e "Q", pois, para além destes conteúdos, também:

- ambos têm uma natividade

- ambos têm uma genealogia

- ambos têm uma narrativa pós-ressurreição


Estes três tipos de conteúdos não estão previstos no hipotético Evangelho Q.

Portanto Mateus e Lucas não podem ser independentes. Como é que dois autores se lembram de forma independente estruturar a sua obra da mesma maneira: com uma natividade, uma genealogia, semelhante estrutura narrativa, semelhantes dizeres de Jesus, e uma narrativa pós-ressurreição?
A hipótese mais sã é que Lucas é dependente de Mateus. Seria assim:

-          Marcos – foi redigido para defender que o cristianismo não era um simples ramo do judaísmo e, portanto, poderia ser seguido por não judeus (num texto particularmente orientado para romanos); os seguidores do cristianismo não necessitariam de seguir normas judaicas; Jesus ilustra uma certa ruptura com o judaísmo.

-          Mateus – o autor, que provavelmente pertenceria a uma comunidade judaica, pegou no texto de Marcos e alterou o sentido para mostrar que, afinal, o cristianismo era uma continuação do judaísmo; quem quisesse ser cristão teria de ser judeu ou converter-se ao judaísmo; Jesus é uma personagem que só faz sentido no universo judaico.

-          Lucas – este autor pegou no texto de Mateus criando uma nova versão para novamente defender que o cristianismo seria uma doutrina para não judeus (orientado para gregos); Jesus teria cortado com o judaísmo, principalmente nas regras demasiado penalizadoras para as mulheres. Pegou também nas ideias de Mateus sobre a natividade, a genealogia e a narrativa pós-ressureição e desenvolveu esta 



Referências:
 - Mark Goodacre - The case against Q


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