quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Evangelhos Canónicos: enquadramento histórico




Enquadramento histórico

Apesar de figurarem no início de qualquer edição do Novo Testamento, os evangelhos não foram as primeiras obras escritas. O mais aceitável é que tenham sido escritos depois das cartas de Paulo, apesar de os eventos relatados nos evangelhos (aprox. 7 AEC a 36 EC) serem supostamente anteriores aos eventos relatados nas cartas de Paulo (aprox. 40 EC a 60 EC).

Os evangelhos invocam poucos acontecimentos e personagens considerados como históricos.
Vejamos quais:

-          Mateus diz que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes (o Grande, pai de Arquelau, de Herodes Antipas e de Filipe), rei da Judeia, ou seja, Jesus teria nascido antes de 4 AEC (data da morte de Herodes o Grande);

-          Mateus também diz que Herodes, quando ordenou o massacre das crianças de Belém, estimou que Jesus teria perto de dois anos; por estes dados Jesus teria nascido antes de 6 AEC (para que fosse possível ter dois anos de idade antes da morte de Herodes);

-          Lucas diz que Maria ficou grávida durante o tempo de Herodes, ou seja, antes de 4 AEC, mas também diz que Jesus nasceu no tempo do recenseamento “mundial” decretado por César Augusto, quando Quirinius era governador da Síria, isto é, a partir de 6 EC; para além de a data de nascimento não confirmar o relatado em Mateus, teríamos que crer que Maria esteve grávida durante 10 anos!

-          Lucas diz que Jesus iniciou a sua actividade pública cerca do 15º ano da regência de Tibério, ou seja, em 29 EC; e também diz que Jesus teria trinta anos nessa altura; por este registo, teríamos a data de 1 ou 2 AEC para o nascimento de Jesus; foi esta a passagem que esteve provavelmente na origem do calendário que hoje utilizamos;

-          Marcos relata que João Baptista foi executado por criticar publicamente o casamento de Herodes (Antipas) com Herodias, a mulher do seu irmão; o historiador Flávio Josefo relaciona o incidente com uma guerra contra o reino árabe vizinho, na sequência do divórcio entre Antipas e a filha do rei Aretas da Nabateia (um reino antigo cujo território pertence à actual Jordânia), e que se pode datar por volta de 36 EC;

-          Mateus menciona que Jesus foi levado a Caifás, que foi sumo-sacerdote em Jerusalém entre 18 e 36 EC;

-          os quatro evangelhos mencionam que Poncius Pilatus ordenou a execução de Jesus, ou seja, Jesus foi morto algures entre 26 EC e 36 EC.

Como não podemos obter no Novo Testamento dados históricos concretos, temos de recorrer aos historiadores dessa época. No caso da história dos judeus da época, temos as fontes de Flávio Josefo, com as suas obras Guerras dos Judeus e Antiguidades Judaicas, entre outras.


Imperadores romanos

Apenas dois imperadores romanos são referidos nos evangelhos, nomeadamente no Evangelho de Lucas:
-          César Augusto – nascido em 63 AEC com o nome Gaius Julius Caesar Octavianus, foi o imperador de Roma durante mais de 40 anos, desde 27 AEC até à sua morte em 14 EC, recebendo o título Augustus; o seu grande feito foi o acabar com muitos anos de guerras civis entre os romanos, com a vitória sobre Marco António (em Accio, 31 AEC), e a consolidação de um Império sobre a República de Roma; o Evangelho Segundo Lucas diz que Augusto promoveu um “recenseamento mundial”;

-          Tibério – nascido com o nome Tiberius Claudius Nero, foi imperador desde 14 EC até 37 EC, tendo sucedido ao seu padrasto César Augusto; Tibério era o imperador no principal período abrangido pelos evangelhos;

A lista completa de imperadores romanos do período abrangido pelo Novo Testamento é a seguinte:

Datas
Imperador
27 AEC a 14 EC
Augusto (Octaviano)
14 a 37 EC
Tibério
37 a 41 EC
Calígula (Gaio)
41 a 54 EC
54 a 68 EC
Nero
68 a 69 EC
Galba, Oto, Vitélio
69 a 79 EC
79 a 81 EC
81 a 96 EC
Domiciano


A família Herodes

Nos evangelhos e noutros livros do Novo Testamento encontram-se referências a vários membros da dinastia de Herodes o Grande. O nome Herodes é utilizado como nome de família para identificar diversos descendentes de Herodes o Grande, embora estes tivessem os seus nomes próprios.

Herodes o Grande, pertencia a uma família de idumeus (da Idumeia, região a sul da Judeia) que mantinha boas relações com Roma. O seu pai, Antipatro, foi nomeado procurador da Judeia em 47 AEC mas morreu quatro anos mais tarde. Depois de alguma conturbação na região, Marco António, que na altura era um dos homens mais poderosos da República de Roma (no triunvirato Octaviano-António-Lépido, António ficou com o Egipto e o Oriente), deu a Herodes o título de Rei da Judeia em 40 AEC. Herodes conseguiu manter-se rei, mesmo quando Marco António foi derrotado por Octaviano (Augusto), e até mesmo alargar o seu reinado a uma grande parte da Palestina, mas sempre com a condição de prestar tributo a Roma. O seu reinado foi marcado por grandes obras de construção, incluindo importantes melhorias no Templo de Jerusalém.

O Evangelho Segundo Mateus relata que Herodes ordenou a matança de todas as crianças de Belém que tivessem até dois anos de idade (episódio conhecido por “Massacre dos Inocentes”, Mateus 2:16-18). Este incidente não foi relatado por Flávio Josefo, apesar de este historiador descrever muitos outros episódios sobre a paranóica violência de Herodes contra possíveis pretendentes ao trono judaico, inclusive contra os seus próprios filhos.

Em 4 AEC, Herodes morreu e deixou o reino a três filhos, resultando na divisão do país em três estados. Esses filhos eram:

-          Arquelau ficou como etnarca da Judeia, Idumeia e Samaria; devido à sua crueldade e incompetência como regente, acabou por ser expulso pelos próprios romanos em 6 EC, sendo substituído por governadores ou procuradores nomeados directamente por Roma; em Mateus é referido que José e Maria evitaram regressar à Judeia (depois de um exílio no Egipto) porque tinham medo de Arquelau;

-          (Herodes) Antipas ficou como tetrarca (que significa “governante de uma quarta parte”) da Galiléia e mais alguns territórios da margem oriental do rio Jordão (Peréia); os evangelhos relacionam Antipas com a morte de João Baptista; apenas em Lucas é referida uma participação de Antipas no julgamento de Jesus;

-          Filipe ficou como tetrarca dos territórios da margem oriental do Mar da Galiléia (Ituréia, Gaulanitis ou montes Golã, e Traconitis); em Mateus e Marcos é referido que Herodias era casada com Filipe antes de se casar com Antipas, mas Flávio Josefo diz que Herodias era mulher de um outro filho de Herodes o Grande, chamado simplesmente Herodes e que vivia em Roma, e acrescenta que Salomé, filha de Herodias, é que casou com Filipe, o tetrarca.



Para além destes ainda há mais dois elementos da dinastia de Herodes no Novo Testamento: Agripa I e Agripa II, respectivamente neto e bisneto de Herodes o Grande, mas não são mencionados nos evangelhos. São apenas mencionados no livro Actos dos Apóstolos.


Procuradores e governadores romanos

A partir de 6 EC, a Judeia, englobando a Idumeia e a Samaria, passou a ser governada por procuradores ou governadores romanos:

-          Quirinius, um senador romano, foi governador da Síria de 6 a 9 EC; o seu mandato como procurador de Roma teria sido extensível à Judeia, durante algum tempo. Ao tomar posse organizou um censo para facilitar a colecta de impostos, o que veio a atiçar muitas revoltas populares;

-          Poncius Pilatus foi governador da Judeia de 26 a 36 EC e parece que para alguns assuntos respondia ao legado da Síria (e ao respectivo procurador) em vez de directamente a Roma, o que leva a uma disputa histórica sobre se ele teria um mandato como procurador de Roma ou apenas como prefeito;

Datas
Judeia
Galileia

4 AEC

Arquelau, etnarca (4 AEC - 6 EC), filho de Herodes o Grande


Herodes Antipas, tetrarca (4 AEC - 39 EC), filho de Herodes o Grande

2

2 EC

4

6
Coponius, prefeito (6 - 9 EC)

8

10
Ambivulus, prefeito (9 - 12 EC)

12

14
Rufus, prefeito (12 - 15 EC)

16
Valerius Gratus, prefeito (15 - 26 EC)

18

20

22

24

26
Poncius Pilatus, prefeito (26 - 36 EC)

28

30

32

34

36
Marcellus, prefeito? (37 - 41 EC)
38
40
Agrippa I, rei ( 39-44 EC), neto de Herodes o Grande

42

44
Cuspius Fadus, prefeito (44 - 46? EC) 

46
Tiberius Alexandre, prefeito (46? - 48 EC), sobrinho de Filo de Alexandria
48
Cumanus, prefeito (48 - 52 EC)
50

52
Antonius Felix, prefeito (52-60 EC)


Agrippa II, rei/tetrarca (52 - 93 EC), bisneto de Herodes o Grande


54

56

58

60

62
Festus, prefeito (60 - 62 EC) 

64
Albinus, prefeito (62 - 64 EC)

66
Florus, prefeito (64 - 66 EC)

68
Grande Revolta (66 - 73 EC)

70

72



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