terça-feira, 14 de abril de 2015

Século I - Filo Judeu, sobre Jesus antes do cristianismo





Filo Judeu de Alexandria

Fílo de Alexandria foi um filósofo judeo-helenista (20 a.C. - 50 d.C.).
Terá nascido 20 anos antes do alegado nascimento de Jesus e falecido 20 anos depois da alegada crucificação de Jesus. No entanto, Filo nunca fala de Jesus Nazareno nos seus inúmeros livros. Refere, sim, um Jesus simbólico que vamos abordar neste artigo.

Pertencia a uma família proeminente da comunidade judaica de Alexandria no Egipto (na altura, província romana). O seu irmão, Alexandre, era “alabarca”, isto é, era governador do porto de Alexandria por volta de 30 d.C. e amigo do rei Herodes Agripa I. Um sobrinho, Tibério Alexandre, foi procurador de Roma na Judeia.

Filo tentou uma interpretação do Antigo Testamento à luz da filosofia grega e da alegoria, conciliando o conteúdo bíblico com a tradição filosófica ocidental. Foi autor de numerosas obras filosóficas e históricas, onde expôs a sua visão platónica do judaísmo.

Também ficou conhecido por sua doutrina do Logos, conciliando o judaísmo com a filosofia de Heraclito de Éfeso. O Logos seria a Lei (Torah) ela mesma, a ação de Deus no mundo, o instrumento da Criação, modelo do mundo e imagem de Deus, a Palavra reveladora e o único meio a partir do qual a alma humana adquire o conhecimento verdadeiro, que vem do conhecimento de Deus. Esta faculdade, porém, não pertence ao homem senão como dom divino, como uma dádiva.

Filo estava ao corrente dos principais acontecimentos de Jerusalém durante a sua vida, apesar de viver em Alexandria. Um dos seus livros menciona uma delegação de judeus ilustres que foram pedir ao imperador Calígula para desistir do projecto de colocar uma sua estátua no Templo de Jerusalém (40 EC). Se Jesus Nazareno era famoso e notório, tal como os evangelhos o retratam, é estranho Filo não se referir a ele nos seus livros.


Um Jesus alegórico, pré-cristão

Filo viveu numa época em que o cristianismo ainda não existia ou não era conhecido, ainda não existiam evangelhos nem ninguém ainda tinha ainda ouvido falar do Jesus Nazareno. No entanto, num dos seus livros, Filo menciona um Jesus mítico pré-cristão:

Filo de Alexandria, Sobre a Confusão das Línguas, cap. XIV 
Mas sobre aqueles que conspiraram para cometer injustiça, diz ele, "vindo do oriente, acharam um vale na terra de Sinear, e habitaram ali;" [Gen 11:2] Falando mais estritamente em conformidade com a natureza. Pois existem dois tipos de amanhecer na alma, o de uma espécie melhor, e outro de uma pior. Aquele melhor tipo, é quando a luz das virtudes brilha como os raios do sol; outro, de pior tipo, é quando a luz é ofuscada, e os vícios manifestam-se. Agora, o seguinte é um exemplo do primeiro tipo: "E Deus plantou um paraíso no Éden, virado para Oriente", [Gen 2:8] Plantas não terrestres, mas celestiais, que o Jardineiro originou a partir da luz incorpórea que existe em torno dele, de tal forma que sejam para sempre inextinguíveis. Eu também ouvi um dos companheiros de Moisés pronunciar um discurso como este: "Eis que um homem cujo nome é Oriente" [Zac 6:12] Uma novidade em denominação, se considerá-lo como dito por um homem que é composto de corpo e alma; mas se você olhar para ela como aplicado a esse ser incorpóreo que em nenhum aspeto é diferente da imagem divina, então você vai concordar que o nome do Oriente foi dado a ele com grande felicidade. Pois o Pai do Universo o fez surgir como o filho mais velho, a quem, em outra passagem, ele chama-o de primogénito; e aquele que nasceu imitando os caminhos de seu pai, criou espécies tais e tais, segundo os seus arquétipos.


Mas o que diz a citação que Filo faz sobre Zacarias (na Septuaginta, LXX)?
Zacarias 6:11-12  Pegue a prata e o ouro, faça uma coroa, e coloque-a na cabeça do sumo sacerdote Yeoshua [=Jesus], filho de Jeozadaque. Diga-lhe que assim diz Yahveh dos Exércitos: Aqui está o homem cujo nome é Oriente, e ele sairá do seu lugar e construirá o templo de Yahveh. 

Sem ser um texto cristão, porque Filo não o era, este texto de Filo, elaborado em torno de um sumo sacerdote do Antigo Testamento chamado Jesus, está em perfeita sintonia com os textos cristãos anteriores aos evangelhos – cartas de Paulo, e carta aos Hebreus.

Tal como Filo, Paulo considera Jesus como sendo primogénito e imagem de Deus, causa de todas as coisas:
Romanos 8:29 Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. 
1 Coríntios 8:6 todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem é tudo e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós por ele. 
2 Coríntios 4:4 nos quais o deus deste mundo cegou os entendimentos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.
Filipenses 2:5-6 De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus.

Também em conformidade com o pensamento de Filo, o autor de Hebreus (que não foi Paulo) considera Jesus como sendo um grande sumo-sacerdote:
Hebreus 2:17 Pelo que convinha que, em tudo, fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo. 
Hebreus 4:14 Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão.

Para mais, este autor de Hebreus entendia que Jesus nunca esteve na Terra, pois escreveu a respeito dele o seguinte:
Hebreus 8:4 Ora, se ele estivesse na terra, nem seria sacerdote, havendo já os que oferecem dons segundo a lei

Lembrando que a Carta aos Hebreus foi escrita poucas décadas após a alegada existência de Jesus, se este autor soubesse que tinha havido um Jesus Nazareno que tinha andado recentemente pela Terra, diria: “... quando ele esteve na terra, não foi sacerdote...”.

Também em Colossenses (carta com autoria falsificada em nome de Paulo) vemos o mesmo tema:
Colossenses 1:15-17 O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;
Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele.
E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele.


Referências:
   - Filo, Sobre a Confusão das Línguas