domingo, 30 de abril de 2017

Século II - Actos de João



Introdução

O livro "Actos de João" não entrou no Novo Testamento, pois foi preterido em relação à obra "Actos dos Apóstolos" a qual estaria mais de acordo com a doutrina escolhida pela Igreja.

Embora o começo do livro esteja perdido, existem algumas porções largas no original grego, e uma versão latina de alguns episódios perdidos, além de alguns fragmentos dispersos.

Como com as outras obras dentro do género "Actos de Apóstolos", a narrativa segue o contexto dos anos seguintes à suposta crucificação e ressurreição de Jesus conforme tradições cristãs primitivas. A narrativa tem como fio condutor duas viagens do Apóstolo João a Éfeso, cheias de eventos dramáticos, milagres e ensinamentos.

Resumo

O texto existente começa com João e um pequeno grupo em viagem de Mileto para Éfeso.

Morre por fé insuficiente

Em Éfeso, João é esperado por um aristocrata local, Lycomedes. Este confessa que teve uma revelação do Deus de João, que o avisou de que um homem de Mileto iria curar a sua esposa que se encontrava paralisada, há sete dias, por doença. À chegada, Lycomedes lamenta-se, amaldiçoa a sua situação e, apesar dos apelos de João para ter fé em que sua esposa seria curada pelo poder de Deus, cai morto de sofrimento. Toda a cidade de Éfeso é agitada pela sua morte e o povo chega a sua casa para ver o seu corpo. João reza para que se levantem os dois para provar o próprio poder de Cristo. Tanto Lycomedes como a sua mulher levantam-se, deixando o povo de Éfeso maravilhado com o milagre.

Dress-code obrigatório

Mais tarde, durante um festival que celebra o aniversário da Deusa grega Ártemis, o povo de Éfeso tenta matar João porque foi ao templo vestido de preto, em vez de branco. João os repreende, ameaçando que o seu Deus os mataria se eles não conseguissem convencer sua Deusa a fazê-lo morrer no local. Sabendo que João tinha realizado muitos milagres na sua cidade, as pessoas que estavam no templo imploram a João para que não as mate. João então muda de ideias, usando o poder de Deus para quebrar o altar de Artemis, danificar as ofertas e ídolos dentro do templo, e colapsar metade da estrutura. O sacerdote do templo acaba por morrer esmagado pelo tecto. Ao ver essa destruição, o povo rende-se imediatamente ao Deus de João.

Insectos irritantes, mas obedientes

Num outro episódio, João, o narrador e os seus companheiros passam a noite numa estalagem infestada de percevejos. Imediatamente depois de se deitar, o autor e os outros homens com ele veem João irritado pelos insectos na cama e ouvem-no dizer: "Eu vos digo, bichos, prestem atenção: deixem vossa casa por esta noite, vão para longe dos servos de Deus!" Na manhã seguinte, o narrador, acompanhado por dois de seus companheiros de viagem, Verus e Andrónicus, encontram os insectos reunidos na entrada, esperando para voltar ao colchão da cama de João. Os três homens acordam João, que permite que as criaturas retornem à cama.

Necrofilia

Imediatamente após o encontro de João com os percevejos, o grupo viaja até à casa de Andrónicus em Éfeso. Andrónicus é casado com Drusiana, uma devota crente em Deus, que permaneceu casta até mesmo no casamento (negou sexo ao seu marido até este converter-se à mesma fé). No entanto, o seu celibato não impede os avanços de Calímacus, um membro proeminente da comunidade de Éfeso. Após as investidas deste, Drusiana adoece e morre porque acredita ter contribuído para a perversão de Calímacus. Enquanto João consola Andrónicus e muitos dos outros habitantes de Éfeso por causa da perda de Drusiana, Calímacus, determinado a ter Drusiana como sua, suborna o mordomo de Andrónicus, Fortunatus, para que possa ter acesso ao seu túmulo e violar o seu cadáver. No entanto, Calímacus descobre que o túmulo é guardado por uma serpente venenosa que morde e mata Fortunatus. Calímacus ainda tenta violar o cadáver de Druisiana, mas depara-se com um belo jovem que protege o corpo de Druisiana. O jovem faz Calímacus "morrer, para que possa viver."

Recompensa-se o criminoso

No dia seguinte, João e Andrónicus entram no túmulo de Drusiana e são cumprimentados pelo belo jovem, identificado mais tarde como Cristo, que diz que é suposto João levantar Drusiana de volta à vida antes de ascender ao céu. João faz isso, mas não antes de ressuscitar Calímacus, a fim de saber o que tinha ocorrido na noite anterior. Calímacus relata os acontecimentos da noite e mostra-se arrependido. A seguir, Drusiana é ressuscitada. Ela sente pena do outro agressor e João concede-lhe a capacidade de ressuscitar Fortunatus, com a oposição de Calímacus. Fortunatus, como não queria aceitar Cristo, foge do túmulo mas morre devido ao envenenamento causado pela mordida inicial da cobra.

Tom Docético

Quase na finalização (versículos 87 a 102), João narra a sua versão sobre a crucificação de Cristo, explicando que todos os acontecimentos foram forjados pelo próprio "Senhor" como uma encenação. João diz: "Mas no fundo eu sabia que o Senhor tinha inventado todas estas coisas simbolicamente com vista a um perdão para com os homens, para sua conversão e salvação."
João explica mesmo que o Cristo é um conjunto de conceitos e que já lhe aparecera sob em inúmeras formas (como criança, como velho, como gigante, etc).

Na terminologia cristã, docetismo (gr. dokein (parecer) / dókēsis (aparição, fantasma)), pode ser definido como a doutrina segundo a qual o fenómeno de Cristo, sua existência histórica e corporal, e, portanto, acima de tudo, a forma humana de Jesus, é apenas mera aparência, sem qualquer verdadeira realidade.

A Igreja Católica combateu o docetismo, porque preferiu a versão de que Jesus surgiu como uma criança humana nascida de uma mulher virgem tendo se tornado, em adulto, um pregador famoso na Galiléia. Jesus, portanto, sofrera e morrera na cruz tal como qualquer outro humano que fosse crucificado.



Texto (excertos)

Actos de João 
[De Mileto a Éfeso] 
18 João viaja, com um grupo, de Mileto para Éfeso e ouve uma voz dos céus que lhe diz que ele iria "dar glória ao Senhor em Éfeso".
19 Lycomedes, o pretor dos efésios, aproxima-se dos viajantes, caindo aos pés de João, dizendo:
 - "Teu nome é João? O Deus que tu pregaste te enviou para bem da minha mulher, Cleópatra, que tem paralisia incurável, desde há sete dias. Glorifica o teu Deus, curando-a e mostrando compaixão por nós.... Fui avisado que virias em salvação da minha mulher que, agora, não é nada senão o seu fôlego."
20 Quando Lycomedes entrou com João na casa onde estava sua mulher, agarrou-se aos pés de João e lamentou-se:
 - "Senhor, vê o desvanecimento da beleza, da jovem, da prestigiosa flor da minha pobre esposa Cleópatra; ...".
21 E, com muito mais palavras, aproximando-se do leito de Cleópatra, Lycomedes lamentou a sua esposa, mas João o afastou e disse:
 - "Pára com estas lamentações[...]. Não desobedeças ao que te apareceu pois sabes que receberás novamente a tua consorte. Permanece, portanto, connosco, reza ao Deus que viste, manifestando-se em sonhos. O que é, então, Lycomedes? Desperta tu também! Rejeita o sono pesado de ti: suplica ao Senhor, suplica-o por tua mulher, e ele a levantará."
Mas, para surpresa de João, Lycomedes caiu ao chão inanimado.
João, portanto, disse em lágrimas:
 - "O que é isto que aconteceu? Parece que fui traído pela voz do céu que me trouxe aqui! Que dirá esta multidão de cidadãos sobre o que sucedeu agora com Lycomedes? O homem está sem fôlego, e sei bem que não me deixarão sair vivo da casa. Por que te demoras, Senhor? Por que não cumpres a tua boa promessa? ... Levanta estes dois mortos cuja morte está contra mim."
22 E, equanto João ainda clamava, toda a cidade dos efésios correu para a casa de Lycomedes, ouvindo que ele estava morto. E João, vendo a grande multidão que havia chegado, disse ao Senhor:
 - "Agora é o tempo de reforçar a confiança em ti, ó Cristo; Agora é o tempo para nós, que estamos doentes, termos a tua ajuda, ó médico que curas livremente; Guarda-me do escárnio, entrando aqui. Peço-te, ó Jesus, ... pois tu disseste, ó Cristo, 'Pede, e te será dado'. ..."
23 E, aproximando-se de Cleópatra, tocou-lhe no rosto e disse mais umas palavras. E logo Cléopatra clamou com grande voz:
 - "Levanto-me, Senhor, salva tua serva!"
Agora, quando ela surgiu após sete dias, a cidade de Éfeso se moveu surpreendida. E Cleópatra perguntou a respeito de seu marido Lycomedes, mas João lhe disse:
 - "Cleópatra, se tu mantiveres a tua alma firme, tu terás imediatamente Lycomedes, teu marido, de volta... Vem, pois, comigo ao teu outro quarto, e tu o verás, um cadáver de verdade, mas ressuscitado pelo poder do meu Deus."
24 E Cleópatra indo com João para o seu quarto e, vendo Lycomedes morto por causa dela, ficou muda, rangeu os dentes, mordeu a língua e fechou os olhos em lágrimas. A sua calma chamou a atenção do apóstolo. João teve compaixão de Cleópatra quando viu que ela não se enfurecia nem estava fora de si, e invocou Jesus numa oração.
E o apóstolo foi para o sofá onde estava Lycomedes e, tomando a mão de Cleópatra, disse:
 - "Cleópatra [...] diz ao teu marido para se levantar e glorifica o Nome de Deus, pois ele devolve os mortos aos mortos."
E ela foi ter com seu marido e falou-lhe em conformidade, e imediatamente o levantou. E, levantando-se, ele prostrou-se imediatamente no chão beijando os pés de João.
Mas João o levantou, dizendo:
 - "Ó homem, não beijes os meus pés, mas os pés de Deus, pelo poder de quem fostes ambos ressuscitados."
25 Lycomedes e Cleópatra insistem para que João e os seus companeiros permaneçam com eles.
E Cleobius com Aristodemus e Damonicus, tocados na alma, e disseram a João: "Permaneçamos com eles." Então ele continuou ali com os companheiros.
26 Reuniram-se, pois, grandes multidões, por causa de João. E, enquanto João discursava aos que estavam ali, Lycomedes chamou um amigo que era um pintor habilidoso, pedindo-lhe que pintasse o retrato de João.
27 O pintor acabou o quadro e entregou-o. E Lycomedes pendurou-o no seu próprio quarto, com uma coroa de flores. Mais tarde, João, quando o percebeu, disse-lhe: "Meu amado filho, o que é que tu sempre fazes a sós no teu quarto quando vens do banho? Não oro contigo e com os outros irmãos? Ou há algo que nos escondes?"
E João entrou no quarto de Lycomedes e viu o retrato de um ancião decorado com uma coroa de flores, lamparinas e altares colocados diante dele. E chamou-o e disse: "Lycomedes, que significa este retrato? É algum dos teus deuses? Pelo que vejo tu ainda vives de modo pagão".
E Lycomedes respondeu-lhe: "O meu único Deus é aquele que me ressuscitou da morte com a minha mulher; mas se, junto a esse Deus, é justo que os homens que nos beneficiaram sejam chamados deuses; Tenho, pintado naquele retrato, aquele que reverencio como meu bom guia."
28 E João, que nunca tinha visto o seu próprio rosto, disse-lhe: "Por acaso troças de mim, filho? Sou assim? Como podes me provar que o retrato é o meu?" E Lycomedes trouxe-lhe um espelho. E, vendo-se no espelho e olhando atentamente para o retrato, disse: "Cristo! O retrato é como eu; mas não como eu, filho, mas como a minha imagem carnal; Pois se este pintor, que imitou o meu rosto, desejou desenhar-me num retrato, perdeu algo; As cores, os materiais, a posição das formas, a velhice, a juventude são coisas que são vistas com o olho."
29 "Mas torna-te para mim um bom pintor, Lycomedes. ...[referência a pintura metafórica]".
[...] 
30 E ordenou a Verus, o irmão que o serviu, que ajuntasse as mulheres idosas de Éfeso, e preparou, ele e Cleópatra e Lycomedes, todas as coisas para cuidar delas. Verus, então, veio a João, dizendo:
 - "Das mulheres idosas que estão aqui com mais de sessenta anos eu encontrei apenas quatro sã no corpo, e do resto [...] algumas paralizadas e outras doentes."
E quando ouviu isso, João ficou em silêncio por um longo tempo, e esfregou o rosto e orou "[...]"
31 Ora, quando toda a multidão se reuniu com Lycomedes, este dispersou-os em nome de João, dizendo:
 - "Amanhã, venham ao teatro, todos quantos quiserem ver o poder de Deus".
E a multidão, no dia seguinte, enquanto ainda estava escuro, veio ao teatro - também o procônsul ouviu-o e enviou um seu delegado com todo o povo. E um certo pretor, Andromeus, que era príncipe dos efésios naquele tempo, questionou sobre as coisas impossíveis e incríveis que João prometeu:
 - "Mas se ele diz que é capaz de fazer as coisas que eu ouvi, deixe-o entrar no teatro público, aberto, e que venha nu, sem nada nas mãos, sem dizer o nome mágico que ouvi."
32 João, sendo movido por estas palavras, ordenou que as mulheres idosas fossem levadas para o teatro. E, quando todas foram trazidas para o meio, algumas delas sobre camas e outras deitadas em sono profundo, e toda a cidade tinha corrido junta, e um grande silêncio foi João abriu a boca e começou a dizer:
33  - "Vós, homens de Éfeso, aprendam primeiro de tudo o que estou a fazer na vossa cidade, ou que grande confiança tenho para convosco, para que se manifeste a esta assembleia geral e a todos vós ..."
37 E, havendo dito isto, João, pelo poder de Deus, curou todas as doenças. 
[...] 
Ora, os irmãos de Mileto disseram a João:
 - "Permanecemos já há muito tempo em Éfeso. Se te parecer bem, vamos também a Esmirna pois já ouvimos que as obras poderosas de Deus também a alcançaram".
Andrónicus disse-lhes:
 - "Quando o mestre quiser, vamos".
Mas João disse:
 - "Vamos primeiro ao templo de Artemisa, porque também ali, se nos mostrarmos, novos servos do Senhor serão achados."
38 Dois dias depois era o aniversário do templo dos ídolos. João, pois, quando todos se vestiram de branco, vestiu-se de vestes negras e subiu ao templo. E eles o tomaram e tentaram matá-lo. João, porém, disse:
 - "Vós sois loucos para se virarem contra mim, um servo do único Deus."
E, levantando-o sobre um alto pedestal, disse-lhes:
39 - "Vós correis perigo, homens de Éfeso, [...]. Pois agora é tempo: ou vos converteis ao meu Deus, ou eu mesmo morro pela vossa deusa. Orarei na vossa presença e suplicarei ao meu Deus que vos seja dada misericórdia."
41 E, tendo assim dito, orou: "[... oração contra a idolatria ...]"
42 E como João falou estas coisas, imediatamente o altar de Ártemis foi dividido em muitos pedaços, e todas as coisas dedicadas no templo cairam, e foi rasgado em pedaços, e também mais de sete das imagens dos deuses. E a metade do templo caiu, de modo que o sacerdote foi morto pela queda do tecto. A multidão de Éfeso clamava:
 - "Único é o Deus de João; único é o Deus que tem piedade de nós, pois tu és um Deus; agora nos voltarmos para ti, contemplando as tuas maravilhas! Tem piedade de nós, ó Deus, segundo a tua vontade, e salva-nos do nosso grande erro!".
E alguns deles, deitados sobre os seus rostos, suplicaram, e alguns se ajoelharam e rogaram, e alguns rasgaram suas roupas e choraram, e outros tentaram escapar.
43 Mas João estendeu as mãos e, levantando-se em sua alma, disse ao Senhor:
 - "Glória a ti, meu Jesus, o único Deus da verdade, para que ganhes os teus servos por diversos meios".
E, tendo dito isto, disse ao povo:
 - "Levantai-vos do chão, homens de Éfeso, e orai ao meu Deus, e reconhece o poder invisível que vem à manifestação, e as obras maravilhosas que são feitas diante dos vossos olhos. Artemis deveria ter-se socorrido: seu servo deveria ter sido ajudado por ela e não ter morrido.[...]"
44 Mas o povo, levantando-se do chão, apressadamente derrubou o restante do templo do ídolo, clamando preces ao "Deus de João". E, quando João desceu do templo, muita gente o tomou, pedindo-lhe ajuda e rendendo-se a ele.
45 E João disse-lhes que ficaria em Éfeso.
46 João, pois, prosseguiu com eles, recebendo-os na casa de Andromeus. E um dos que estavam reunidos colocou o cadáver do sacerdote de Artemisa diante da porta, porque era seu parente, e entrou depressa com os demais, sem dizer nada. [...] João ressuscitou o sacerdote.
47 E [...]. O sacerdote imediatamente acreditou no Senhor Jesus e depois disso se apegou a João. 
[...] 
48 No dia seguinte, João, tendo sonhado que deveria ir para fora dos portões da cidade, levantou-se cedo e partiu para o caminho, juntamente com os irmãos.
E um certo jovem, ao ser advertido por seu pai para não tomar para si a esposa de um colega, irou-se com o seu pai. Este jovem não suportou a admoestação do seu pai e, assim, o pontapeou e o deixou morto. [...]
49 O jovem, vendo a violência da morte, e esperando ser detido, tirou a foice que estava no seu cinto e começou a correr para a sua casa. E João encontrou-se com ele e disse:
 - "Pára, ó diabo sem vergonha, e diz-me para onde vais com essa foice que tem sede de sangue".
E o jovem, perturbado, lançou o ferro no chão e disse-lhe:
 - "Fiz um acto miserável e bárbaro, eu sei, e assim decidi fazer um mal ainda pior e mais cruel, e, no fim, até mesmo morrer. Pois meu pai sempre instou para que eu vivesse em sobriedade, sem adultério e castamente, e eu não poderia suportá-lo na sua reprovação, e eu o matei. E quando vi o que estava feito, apressei-me para a mulher por quem me tornei o assassino de meu pai, com a intenção de matá-la e ao seu marido, e matar-me no fim. Pois não podia suportar sofrer o julgamento da morte."
50 Disse-lhe, pois, João:
 - "... Mostra-me onde está o teu pai. E, se eu o ressuscitar, abster-te-eis depois da mulher que se tornou um laço para ti?"
E o jovem disse:
 - "Se tu levantares o meu pai, abster-me-ei dela".
51 Quando chegaram ao lugar onde o velho estava morto, muitos transeuntes estavam ali perto. E disse João ao jovem:
 - "Miserável, não poupaste a velhice de teu pai?"
E ele, chorando e arrancando os seus cabelos, disse que estava arrependido. E João rogou ao Senhor:
 - "Tu me mostraste que eu devia partir para este lugar, tu sabias que isso aconteceria, de quem nada pode ser escondido das coisas feitas na vida, [...] agora dá vida a este velho, pois vês que o seu assassino se tornou seu próprio juiz [...]".
52 E, com estas palavras, aproximou-se do ancião e disse:
 - "[...] levanta-te, pois, e dá glória a Deus".
E o ancião, levantando-se, disse:
 - "Fui libertado de uma vida terrível e tive de suportar os muitos e terríveis insultos de meu filho e a sua falta de afecto. Para que fim me chamaste de volta, ó homem do Deus vivo?"
E João respondeu-lhe:
 - "Se tu fosses levantado apenas para o mesmo fim, era melhor para ti continuar morto. Mas levanta-te para coisas melhores".
E tomou-o e levou-o para a cidade, pregando-lhe a graça de Deus, de modo que, antes de entrar nos portões, o velho teve fé.
53 Mas o jovem, vendo o inesperado levantamento de seu pai e a sua própria salvação, tomou uma foice e se mutilou [cortou o seu pénis?], e correu para a casa em que teve a sua adúltera, e a censurou: "Por tua causa, eu me tornei o assassino de meu pai e de você dois e de mim. Tens igualmente culpa. Mas Deus teve misericórdia de mim, para que eu conheça o seu poder."
54 E voltou e disse a João, na presença dos irmãos, o que tinha feito. Mas João lhe disse:
 - "Aquele que te pôs no teu coração, jovem, para matares teu pai e tornares-te adúltero da mulher de outro homem, o mesmo também te fez pensar que era uma acção correcta mutilares o teu membro. Mas tu deverias ter acabado, não com a parte física do pecado, mas o pensamento que tornou esse membro nocivo: porque não foi isso que te prejudicou, mas as fontes invisíveis pelas quais toda emoção vergonhosa é agitada e vem à luz. Arrepende-te, pois, meu filho, desta falha, e tendo aprendido as ciladas de Satanás, terás Deus para te ajudar em todas as necessidades da tua alma". E o jovem arrependeu-se[...].
55 Quando, pois, estas coisas tinham sido feitas por ele na cidade de Éfeso, enviaram-lhe uma mensagem de Esmirna, dizendo que João não deveria permanecer apenas em Éfeso mas deveria ir a outras cidades e, em particular, ir a Esmirna.
[...] 
[De Laodicca a Éfeso] 
58 [João diz que tem de voltar a Éfeso]
59 E tendo assim dito, e despedindo-se deles, e deixando muito dinheiro com os irmãos para distribuição, ele saiu para Éfeso, enquanto todos os irmãos se lamentavam e gemiam. E lá o acompanharam, de Éfeso, Andrónicus e Drusiana e Lycomedes e Cleobius e suas famílias. E lá o seguiu Aristóbula também, que ouvira dizer que seu marido Tertullus morrera no caminho, e Aristipo com Xenofonte, e a prostituta que era casta, e muitos outros, a quem exortou em todo tempo a se unirem ao Senhor, e eles Não mais se separaria dele.
60 No primeiro dia chegámos a uma pousada deserta e, quando vimos que não havia uma cama para o João, aconteceu algo engraçado. Havia uma cama ali, mas sem cobertores, onde espalhamos os mantos que estávamos usando, e rogámos para que ele se deitasse e descansasse, enquanto nós dormíamos no chão. Mas, quando se deitou, ele incomodou-se com os percevejos da cama e, irritando-se ainda mais a meio da noite, nós ouvimos João dizer:
 - "Eu digo-vos, bichos, comportai-vos, todos vós, e deixai o vosso ninho por esta noite, e ficai quietos num só lugar, e mantenham-vos afastados dos servos de Deus".
< br /> E, enquanto nós rimos, e continuámos a conversar por algum tempo, João adormeceu. Nós, falando baixinho, não o perturbámos.
61 Mas quando o dia amanheceu, eu me levantei primeiro, e comigo Verus e Andrónicus e vimos, à porta da casa em que tínhamos ficado, um grande número de insectos ali reunidos e, enquanto nos espantámos com o cenário, João continuou dormindo. E quando despertou, declarámos-lhe o que vimos. E ele se sentou na cama e olhou para os bichos e disse: "Como vocês portaram-se bem e escutaram a minha repreensão, podem regressar ao vosso lugar". E quando ele disse isso e levantou-se da cama, os insectos correndo da porta precipitaram-se para a cama e subiram pelas suas pernas e desapareceram nas juntas. E João disse: "Estas criaturas ouviram a voz de um homem e ficaram caladas e obedeceram, mas nós que ouvimos a voz e os mandamentos de Deus desobedecemos e somos ligeiros, mas por quanto tempo?" 
62 Depois destas coisas viemos a Éfeso; e ali os irmãos, que haviam sabido durante muito tempo que João estava vindo, correram juntos [...] e muitos foram curados tocando as suas roupas.
63 E considerando que havia um grande amor e alegria inigualável entre os irmãos, um certo indivíduo, mensageiro de Satanás, enamorou-se de Drusiana, embora soubesse que ela era esposa de Andrónicus. A esse indivíduo muitos advertiram: "Não é possível para ti obter essa mulher, apesar de ela ter-se afastado do seu marido por causa da devoção. Tu ignoras que Andrónicus encerrou-a num túmulo, dizendo-lhe: 'ou és a esposa que eu tinha antes, ou morres'. E ela preferia morrer do que ficar em impureza. Se, então, ela não consentiu, por devoção, deitar-se com o seu marido, mas até mesmo persuadiu-o a ser da mesma fé que ela, achas que ela consentirá ser seduzida por ti? Afasta-te desta loucura que não tem descanso em ti: abandona esse acto que não podes realizar."
64 Os seus amigos e familiares, dizendo-lhe estas coisas, não o convenceram pois ele a cortejou descaradamente com mensagens; e ela devolvia insultos a estas mensagens e considerava o cortejo como desgraça, passou a viver sua vida em melancolia. E, após dois dias, em que Drusiana ficou na cama com depressão e com febre, ela disse que estava para "partir da vida". E na presença de João, que nada sabia de tal assunto, Drusiana partiu da vida não totalmente feliz, sim, até perturbada por causa do dano espiritual causado pelo homem.
65 Mas Andrónicus, entristecido secretamente, lamentou-se em sua alma e chorou abertamente, de modo que João o via com freqüência e lhe disse: "Com uma melhor esperança, Drusiana saíu desta vida iníqua". E Andrónicus respondeu-lhe:
 - "Sim, estou convencido disto, ó João, e não duvido em absoluto em relação à confiança no meu Deus; mas isso mesmo eu mantenho firme, que ela partiu da vida pura."
66 E quando ela foi levada, João tomou conta de Andrónicus, e agora que ele sabia a causa, ele chorou mais do que Andrónicus. E ele manteve silêncio, considerando a provocação do adversário, procurando um espaço sossegado. Então, estando os irmãos reunidos ali para ouvir a palavra para aquela que havia partido, começou a dizer:
67 - "[...longo discurso...]"
[...]
70 E, enquanto João falava ainda mais aos irmãos que desprezassem as coisas temporais em favor das coisas eternas, aquele que estava apaixonado por Drusiana, inflamado por uma terrível luxúria e possessão de Satanás de muitas formas, subornou o mordomo de Andrónicus, que era um amante do dinheiro, com uma grande soma: e ele abriu o túmulo e deu-lhe oportunidade de fazer a coisa proibida sobre o corpo morto dela. Não tendo conseguido com ela quando estava viva, ele quis ser importuno para o seu corpo morto, dizendo: "Se tu não querias ter comigo enquanto vivias, ultrajarei teu cadáver, agora que estás morta". Com este desígnio, e tendo conseguido a colaboração do abominável mordomo, pois os dois foram ao sepulcro, abriram a porta, tiraram as roupas do cadáver, dizendo:
 - "De que te serviu, pobre Drusiana? Não poderias ter feito isso na vida, o que porventura não te teria afligido, se o fizesses de boa vontade?"
71 E enquanto estes homens estavam falando assim, um espetáculo estranho foi visto, com eles merecendo o sofrimento por tais ações. Uma serpente apareceu de algum local e matou o mordomo com uma mordida. Não atacou o jovem mas enrolou-se em torno dos seus pés, sibilando terrivelmente, e quando ele caiu a serpente sentou-se sobre ele.
72 No dia seguinte veio João, acompanhado de Andrónicus e dos irmãos, ao sepulcro ao amanhecer, sendo agora o terceiro dia da morte de Drusiana, para que ali pudéssemos repartir o pão [eucaristia]. E, antes de partirem, procuraram as chaves do túmulo mas não as encontravam. João disse a Andrónicus:
 - "Pois se as chaves se perderam, Drusiana não estará no sepulcro. Mas, vamos, e as portas se abrirão por si mesmas, pois o Senhor nos ajudará."
73 E quando estávamos no lugar, por ordem do mestre, as portas se abriram e vimos, por volta do túmulo de Drusiana, um belo jovem, sorrindo. João, ao vê-lo, clamou e disse:
 - "Juntas-te a nós, Belo? Porquê?"
E ouvimos uma voz que lhe dizia:
 - "Por causa de Drusiana, a quem tu vais levantar, pois eu vinha ao encontro dela. E por causa do que morreu ao lado do seu túmulo".
E quando o belo jovem disse isto a João, subiu aos céus à vista de todos nós. E João, virando-se para o outro lado do sepulcro, viu um jovem - era Calímacus, um dos príncipes dos efésios - e uma enorme serpente dormindo sobre ele, e o mordomo de Andrónicus, que se chamava Fortunatus, morto. E ao ver os dois, João ficou perplexo, dizendo aos irmãos:
 - "Que significa tal visão? Ou por que o Senhor, que nunca me negligenciou, não me declarou o que foi feito aqui?"
74 Andrónicus, vendo esses cadáveres, correu para o túmulo de Drusiana, e vendo-a deitada, disse a João:
 - "Eu entendo o que aconteceu, bendito servo de Deus, João. Este Calímacus estava apaixonado pela minha esposa. E porque ele nunca a conquistou, embora o tenha tentado muitas vezes, subornou este mordomo maldito com uma grande soma, talvez projectando, como agora podemos ver, conseguir por seus meios a tragédia de sua conspiração, porque de facto Calímacus confessou isto a muitos, dizendo: 'Se ela não consentir em mim quando viva, ela será ultrajada quando morta'. E pode ser, mestre, que o Belo sabia e evitou que o corpo dela fosse insultado, e, portanto, fez estes dois morrerem enquanto tentavam. E pode ser que a voz que te disse: 'Levanta Drusiana', previu isso? Porque ela saiu desta vida em tristeza de espírito. Eu creio que este é um homem que se desviou. Poderei pedir para o ressuscitar, apesar de, como o outro, ser indigno de salvação. Mas uma só coisa te peço: levanta primeiro Callimaco, e ele nos confessará o que aconteceu."
75 E João, olhando para o corpo, disse ao animal venenoso:
 - "Retira-te daquele que será servo de Jesus Cristo".
E orou para que o jovem fosse ressuscitado. E logo o jovem levantou-se, e durante uma hora ficou em silêncio.
76 Mas, quando ele recuperou os sentidos, João perguntou-lhe porque entrara no sepulcro e ele respondeu, como Andrónicus lhe dissera, que se apaixonara por Drusiana. João inquiriu-lhe o que seria se ele tivesse cumprido sua intenção de profanar um corpo cheio de santidade. E ele respondeu-lhe:
 - "Como poderia eu conseguir isto quando esta besta temível golpeou Fortunatus à minha frente e, justamente, pois ele encorajou o meu delírio, quando eu já estava curado dessa loucura irracional e horrível. Mas parou-me com aquela situação em que me viste antes de me levantares. E outra coisa ainda mais maravilhosa eu vou te dizer, que eu ainda estava muito perto de matar e matar-me. Quando a minha alma estava agitada com loucura e a doença incontrolável me perturbava, eu arranquei as roupas da defunta. E vi um belo jovem cobrindo-a com o seu manto, e dos seus olhos saíram faíscas de luz em direcção aos olhos dela. E ele me proferiu: 'Callimaco, morre para que vivas'. Ora, quem era ele, não sei, servo de Deus. Mas, agora que tu aqui apareceste, eu reconheço que ele seria um anjo de Deus. [...] Por isso, rogo-te ajuda, [...], eu que serei fiel, temente a Deus, conhecendo a verdade, a qual te suplico que me seja mostrada por ti."
77 E João, cheio de grande alegria e percebendo todo o espectáculo da salvação do homem, rogou a Deus, em oração, para que o homem fosse salvo
78 E, havendo feito a súplica, João tomou Callimaco e o saudou, dizendo:
 - "Glória ao nosso Deus, meu filho, que teve misericórdia de ti, e me fez digno de glorificar o seu poder, para que te afastes da tua abominável loucura e embriaguez, e te chamou para o seu descanso e renovação da vida."
79 Mas Andrónicus, vendo Calímacus ressuscitado, suplicou a João, com os irmãos, que também levantassem Drusiana, dizendo:
 - "João, deixa que Drusiana se levante e viva a vida da qual ela desistiu por causa de Calímacus, quando ela pensou que se tinha tornado um tropeço para ele. Quando o Senhor quiser, pode tomá-la novamente para si mesmo".
E João, sem demora, foi até o seu sepulcro, e pegou-lhe na mão, e disse umas palavras.
80 E depois destas palavras João disse:
 - "Drusiana, levanta-te".
E ela se levantou e saiu do sepulcro e ficou perplexa mas, quando soube tudo o que sucedera, alegrou-se com Calímacus e glorificaram juntos.
81 E quando ela se vestiu, virou-se e viu Fortunatus deitado, e disse a João:
 - "Pai, que este homem também se levante, ainda que se tenha tornado meu traidor".
Mas Calímacus, quando a ouviu dizer isso, disse:
 - "Não, Drusiana, pois a voz que ouvi não pensou nele, mas apenas a respeito de ti, e eu vi e acreditei, pois se ele tivesse sido bom, Deus teria tido misericórdia dele também e o teria ressuscitado por meio de João. Ele julga digno de morrer quem não é digno de ressuscitar".
E disse-lhe João:
 - "Não aprendemos, filho meu, a fazer o mal pelo mal, porque Deus, embora tenhamos feito muito mal e nenhum bem para com Ele, não nos deu retribuição, mas oportunidade de arrependimento, [...], como ele a ti, também, meu filho Calímacus, perdoando o teu antigo mal te fez servo, dando-te fé na sua misericórdia. Portanto, se não queres que eu levante Fortunatus, Drusiana o fará."
82 E ela, dirindo-se para o corpo de Fortunatus, disse:
 - "Jesus Cristo, Deus dos séculos, Deus da verdade, que me concedes ver maravilhas e sinais, [...] Que eu tenho amado e afeiçoado: peço-te, ó Cristo, não recusas a tua Drusiana que te pede para levantar Fortunatus, embora ele tenha ensaiado ser meu traidor."
83 E, tomando a mão do morto, disse:
 - "Levanta-te, Fortunatus, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo".
E Fortunatus levantou-se, e quando viu João no sepulcro, e Andrónicus, e Drusiana ressuscitada, e Calímacus como crente, e o resto dos irmãos glorificando a Deus, disse:
 - "Ó, que poderes estes inteligentes homens obtiveram! Eu não queria ser levantado, pois prefiro morrer, para não vê-los".
E com estas palavras fugiu e saiu do sepulcro.
84 E João, quando percebeu que Fortunatus não tinha mudado de carácter, disse:
 - "Ó natureza que não é mudada para melhor! Ó fonte da alma que permanece em impureza! [...] Que Jesus Cristo, nosso Deus, te faça perecer bem como a todos com o teu carácter".
85 E, havendo dito isto, orou João, e tomou o pão e o partiu no sepulcro e orou.
86 E tendo assim orado e dado glória a Deus, saiu do sepulcro depois de dar a todos os irmãos da eucaristia do Senhor. E quando chegou à casa de Andrónicus, disse:
 - "Irmãos, um espírito dentro de mim adivinhou que Fortunatus está prestes a morrer de envenenamento do sangue da mordida da serpente, mas que alguém vá e certifique-se se realmente sucederá".
E um dos jovens correu e o encontrou morto e veio e disse a João que ele estava morto há três horas. E João disse:
 - "Recebe o teu filho, Satanás". 
87 Havia algo que Drusiana tinha dito, que gerou perplexidade aos que estavam presentes. Drusiana tinha dito: "O Senhor apareceu-me no sepulcro na forma de João e na forma de um jovem". Porquanto, como estavam confusos e como, de certo modo, ainda não estavam firmes na fé, João disse: 
88 "Homens e irmãos, não sofreis nada estranho ou incrível no que diz respeito à vossa percepção, porquanto nós, a quem Ele escolheu como apóstolos, fomos julgados de muitas maneiras. Eu, de facto, não sou capaz de descrever as coisas que tanto vi como ouvi. Agora é necessário que eu vos explique: 
Pois, quando ele escolheu Pedro e André, que eram irmãos, veio a mim e a Tiago, meu irmão, dizendo: 'Preciso de vós, venham a mim'. E meu irmão ouvindo isso, disse:
 - 'João, por que essa criança à beira-mar nos chamou?'
E eu disse:
 - 'Que criança?'
E ele me disse novamente:
 - 'Aquela que nos convida'.
E eu respondi:
 - 'Por causa das longas horas da noite que ficámos no mar, não estás a ver bem, meu irmão Tiago. Não vês o homem que está ali, bonito, justo e de rosto alegre?'
Mas ele me disse:
 - 'A ele não vejo, irmão, mas vamos sair e veremos o que ele trará'. 
89 E assim, quando levámos o navio à terra, vimos que Ele nos ajudava a atracar o barco. E quando saímos daquele lugar, pensando em segui-lo, novamente eu vi-o como um homem calvo, com barba espessa e comprida, mas Tiago viu-o como um jovem de barba recente. Ficámos, portanto, perplexos, ambos, quanto ao que aquilo que vimos deveria significar. E depois disso, enquanto o seguíamos, nós dois ficámos a pouco e pouco ainda mais confusos quando considerámos o assunto. No entanto, a mim aconteceram coisas mais maravilhosas: quando tentava mirá-lo em privado, nunca vi seus olhos piscarem, mas permanentemente abertos; uma vezes ele me apareceu como um homem pequeno e desagradável, outras vezes como alguém tão alto que alcançava o céu; quando eu me sentava à mesa, eu me deitava sobre o Seu peito - umas vezes sentia seu peito como suave e terno, outras vezes duro como as pedras. De modo que eu pensave: 'Como é possível?' [...]. 
90 E em outra ocasião ele levou-me consigo e Tiago e Pedro, até o monte onde costumava orar, e vimos nele uma luz indescritível para um mortal. Novamente nos chamou aos três para o monte. E nós fomos outra vez, e O vimos a uma distância orando. Eu, portanto, porque ele me amou, aproximei-me Dele suavemente, como se ele não pudesse me ver, e fiquei olhando-O de trás: e vi que ele não estava vestindo roupas, mas estava nu, não como um homem, porque seus pés eram mais brancos do que a neve, de modo que a terra estava iluminada pelos seus pés, e a sua cabeça tocou o céu. De modo que eu tive medo e clamei; e ele, virando-se, apareceu como um homem pequeno, e segurou minha barba e puxou-a e disse-me:
 - 'João, não sejas céptico, mas crente, e não curioso'.
Disse-lhe eu:
 - 'Mas que fiz eu, Senhor?'
E eu vos digo, irmãos, que sofri uma grande dor onde ele agarrou a minha barba por trinta dias, [...].
91 Mas Pedro e Tiago se iraram porque eu falei com o Senhor, e acenaram para que eu viesse a eles e deixasse o Senhor em paz. E eu fui, e ambos me disseram:
 - 'Quem era aquele que estava falando com o Senhor sobre o cume do monte? Pois ouvimos os dois falarem'.
E eu, tendo em vista a sua grande graça, e a sua unidade que tem muitos rostos, e a sua sabedoria que sem cessar nos olha, disse:
 - 'Aprendereis, se pedirdes dele.'
92 Uma vez mais, quando todos nós, seus discípulos, estávamos em Genesaret dormindo numa casa, eu, sozinho, me envolvi no meu manto, observei o que ele devia fazer. Primeiro ouvi ele dizer:
 - 'João, dorme!'
E eu, fingindo dormir, vi outro semelhante a ele [dormindo], a quem também o ouvi dizer ao meu Senhor:
 - 'Jesus, aqueles que tu escolheste, ainda não crêem em ti.'
E o meu Senhor lhe disse:
 - 'Tu dizes bem, porque são homens.' 
93 Outra glória também vos digo, irmãos. Por vezes, quando eu O tocava, sentia um corpo material e sólido, e outras vezes, parecia-me imaterial e como se Ele não existisse de modo nenhum. [...] Muitas vezes, quando eu caminhava com ele, nunca via as suas pegadas. [...].
94 Antes de ser levado pelos judeus sem lei, que também eram governados pela sua serpente sem lei, Ele reuniu-nos todos e disse:
 - 'Antes que eu seja entregue a eles, cantemos um hino ao Pai'
E assim sai para o que está diante de nós.
Ele nos ordenou, pois, que formássemos um círculo, segurando as mãos uns dos outros, e ele próprio, em pé no meio [...]. Começou então a cantar um hino:
 - 'Glória a ti, Pai [...]'
95 Por isso, enquanto damos graças, eu digo:
 - 'Eu seria salvo, e eu salvaria. Amen.
    Eu seria solto, e eu iria solto. Amen.
     [...]
    Glória a ti, Pai. Amen. 
97 Assim, tendo dançado connosco, o Senhor saiu. E nós, como homens desviados ou atordoados com o sono, fugimos dessa maneira e daquilo. Eu, então, quando o vi sofrer, nem mesmo segui o seu sofrimento, mas fugi para o Monte das Oliveiras, chorando pelo que tinha acontecido. E quando ele foi crucificado na sexta-feira, à sexta hora do dia, a escuridão veio sobre toda a terra. E o meu Senhor, que estava no meio da caverna e a iluminava, dizendo:
 - 'João, a multidão lá em baixo, em Jerusalém, pensa que eu estou a ser crucificado e perfurado com lanças e juncos, e que são-me dados fel e vinagre para beber. Mas a ti falo, e o que eu digo, ouve. Coloco-te na tua mente subir a este monte, para que possas ouvir as coisas que um discípulo deve aprender do seu mestre e um homem do seu Deus.' 
98 E assim falando, mostrou-me uma cruz de luz fixa, e sobre a cruz uma grande multidão sem forma; e nela havia uma forma e uma semelhança. E eu vi o próprio Senhor acima da cruz, não tendo qualquer forma, mas apenas uma voz, e uma voz não tão familiar para nós, mas doce e bondosa e verdadeiramente de Deus, dizendo-me: 
 - 'João, é necessário que se ouça estas coisas de mim. Às vezes Jesus, às vezes Cristo, às vezes Porta, às vezes O Caminho, às vezes Pão, Semente, Ressurreição, Filho, Pai, Espírito, Vida, Verdade, Fé, Graça. E por estes nomes é chamado como para os homens: mas o que é na verdade, tal como concebido em si e como falado connosco, é a marcação de todas as coisas [...]
101 Nada, pois, das coisas que disserem de mim, eu sofri. Sim, esse sofrimento também que eu mostrei a ti e ao resto na dança, eu o chamarei de mistério. [...] Tu ouvis que eu sofri, mas não sofri; Que eu não sofri, mas sofri; Que fui traspassado, mas não fui ferido; Que fui enforcado, mas eu não fui enforcado; Que sangrei, mas não sangrei.' 
[...] 
102 Quando ele me falou estas coisas, e outras que eu não sei como dizer, ele foi levado, e ninguém da multidão o viu. E quando desci, ri de todos com desprezo, porquanto me tinha dito as coisas que disseram a seu respeito; Mas no fundo eu sabia que o Senhor inventou todas estas coisas simbolicamente com vista a um perdão para com os homens, para sua conversão e salvação.
[...] 
105 E, havendo entregado estas coisas aos irmãos, partiu João com Andrónicus para andar. E Drusiana também seguiu distante com todos os irmãos, para que eles pudessem contemplar os actos que foram feitos por ele, e ouvir o seu discurso em todos os momentos no Senhor.

[...]
106 João continuou com os irmãos, regozijando-se no Senhor. No dia seguinte, sendo o dia do Senhor, e todos os irmãos estando reunidos, ele começou a dizer-lhes: [...]
109 E ele pediu pão, deu graças assim: [...]
110 Então dividiu o pão e deu a todos nós, orando sobre cada um dos irmãos para que fosse digno da graça do Senhor e da Santíssima Eucaristia. [...]
111 Depois disse a Verus: Toma contigo dois homens, com cestos e pás, e segue-me. E Verus sem demora fez como ordenado. O bem-aventurado João, pois, saiu da casa para fora das portões, tendo se afastado. E quando chegou ao sepulcro de um certo irmão nosso, disse aos jovens: Cavem, meus filhos. E eles cavaram e ele insistia com eles ainda mais: 'Cavem mais fundo a fossa'. [...]. E, quando os jovens terminaram a fossa como ele desejava, ele atirou as suas vestes para o fundo da fossa [...] e orou.
[...]
115 e havendo-se em todas as partes, ele se levantou e disse: Tu estás comigo, Senhor Jesus Cristo: e deitou-se na fossa para onde tinha atirado suas vestes. E, havendo dito para nós: 'Paz seja convosco, irmãos', ele deixou o espírito em alegria.



Referências.
 - http://www.earlychristianwritings.com/text/actsjohn.html




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