segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Século I - Apolónio de Tiana (parte 2)





Resumo de "Vida de Apolónio de Tiana", segundo Filóstrato (Lucius Flavius Filostratus, 172 - 250 EC).

Livro I
Nascimento de Apolónio e os portentos miraculosos que o acompanharam, sua educação e acolhimento no Pitagorianismo, seus cinco anos passados em silêncio na Panfília e Lícia e sua estada em Antioquia. 
Apolónio viaja para a Mesopotâmia e Pérsia. Em Nínive ele conhece Damis, que permanecerá seu discípulo leal e companheiro praticamente até o fim da existência terrena de Apolónio (esta biografia teria sido construída a partir das memórias de Damis).
Em Cissia encontra uma comunidade grega descendentes dos eretrianos deportados por Dario (conquistador persa), que vivem em circunstâncias miseráveis.
De acordo com um presságio, Apolónio fica um ano e oito meses na corte do rei parto Vardanes, em Babilônia e Ecbátana. Durante este período Apolónio tem contacto regular com Magos e ganha considerável influência sobre o rei da Pártia. Ele consegue garantir uma melhoria na situação dos descendentes dos eretrianos e defende uma política pacífica em direcção a Roma.
Livro II 
Apolónio e seus seguidores, na sua viagem para a Índia, atravessam o "Cáucaso" (ou seja, o Hindu Kush), onde se maravilham com as correntes de Prometeu e expulsam um duende. Esta jornada é o pretexto para uma troca de ideias entre Apolónio e Damis, levando à conclusão de que montanhismo não beneficia aqueles em busca do Divino. Os viajantes atravessam o rio Kabul, visitam o santuário de Dionísio no monte Nisa, mas recusam-se a ir ver a rocha Aornus que Alexandre, o Grande, capturou.
Eles passam o tempo no caminho para o Indo com discussões detalhadas sobre elefantes. Com a ajuda do sátrapa da região do Indo, Apolónio e seus seguidores atravessam o rio e continuam sua jornada para Taxila. Ficam três dias com o filósofo e rei indiano Fraotes, que diz a Apolónio sobre o lugar onde os sábios indianos vivem. Apolónio discute interpretação de sonhos com o rei e aconselha-o numa disputa legal. Os viajantes partem de Taxila para o castelo dos sábios indianos, visitam o local da batalha entre Alexandre e Porus, atravessam o rio Ravi e o Hífase, e passam o ponto onde Alexandre foi forçado a voltar para trás.
Livro III 
Narra a viagem de Apolónio e estadia com os sábios indianos. Os viajantes atravessam uma montanha onde as árvores de pimenta crescem e chegam à planície do Ganges, onde eles testemunham uma sensacional caça à cobra. Quatro dias depois de chegarem ao castelo dos sábios. Apolónio é imediatamente convidado a realizar um debate com os sábios, enquanto seus companheiros de viagem são acomodados numa aldeia vizinha.
Durante a primeira discussão, o líder dos sábios, Iarchas, exibe os dons proféticos e explica que os sábios se consideram deuses por causa de sua virtude. A conversa também varia sobre reencarnação, heróis homéricos e indianos, a justiça, e o culto indiano de Tântalo. Ele é interrompido pela chegada de um outro rei indiano, que prova ser inferior a Fraotes por causa de sua completa falta de interesse em filosofia e sua aversão a tudo que é grego. Apolónio consegue curá-lo dessa aversão, mas se recusa a aceitar um convite do rei.
Numa segunda discussão envolvendo Apolónio e os sábios, para a qual Damis também é convidado, eles discutem pontos de vista sobre o cosmos e de outras questões. Os sábios realizam uma série de actos de cura. Mais tarde, as discussões privadas entre Iarchas e Apolónio referem-se a astrologia e práticas cultuais (escritos de Apolónio sobre esses temas deveriam ser o resultado dessas conversas). As maravilhas da natureza na Índia também são debatidas. Depois de ficar quatro meses com os sábios, Apolónio e seus companheiros começam a viagem de regresso através do Golfo Pérsico, Babilônia e Antioquia para Jónia. 
Livro IV 
Visitas de Apolónio para as cidades gregas na Jónia e do continente. Ele proporciona aos seus cidadãos conselho, admoestação e assistência. Em Éfeso, ele condena a diversão ociosa em que os efésios são viciados, exorta-os a adoptar um senso de comunidade, e adverte-os do surto de uma epidemia de peste. Em Esmirna, a liga Jónica fica sob ataque, porque uma série de nomes romanos ocorrem num dos seus decretos. Apolónio também discute como a vida cívica deve funcionar com o povo de Esmirna. Quando a praga irrompe em Éfeso, Apolónio milagrosamente viaja lá, expõe um velho mendigo como o demónio da peste, e insta os Efésios a apedrejá-lo. Uma estátua é erigida, perto do teatro, para Apolónio.
Ele segue para Pérgamo, onde visita o santuário de Asclépio, e para Troia, onde passa a noite no monte de Aquiles. Ele embarca num navio com destino à Grécia, visitando o túmulo de Palamedes na costa Eoliana e o santuário de Orfeu em Lesbos de caminho. Durante o resto da viagem, a pedido de Damis descreve o seu encontro nocturno com o espírito de Aquiles. Após chegar a Atenas, Apolónio quis ser iniciado nos mistérios de Elêusis. No início, o Hierofante recusa-se a admitir um charlatão para os mistérios. Um jogo para a ocasião, Apolónio dá o nome do hierofante que irá iniciá-lo numa ocasião posterior.
Apolonio lecciona aos Atenienses sobre as práticas cultuais, sobre a forma afeminada em que celebram o Anthesteria (um dos quatro festivais em honra de Dionisios, 11º ao 13º dia de Anthesterion, equivalente a Janeiro/Fevereiro), e critica os espectáculos de gladiadores, realizados no teatro de Dionísio. Ele também expulsa um demônio. Em nome de Aquiles, ele convence os Tessalianos da necessidade de retomar o seu culto, e faz uma visita a Termópilas. Ele corrige as práticas cultuais durante suas visitas aos santuários gregos e prevê a tentativa (sem sucesso) de Nero para escavar um canal através do istmo. Em Corinto ele é acompanhado pelo filósofo cínico Demétrio, onde resgata um aluno deste, Menippus, das garras de uma vampira. Depois de uma breve referência ao conflito de Apolónio com o Coríntio Bassus, a cena muda para Olimpia.
No seu seu caminho até Olimpia, Apolónio depara-se com emissários espartanos; ele critica sua aparência afeminada numa carta aos éforos, resultando num renascimento ético em Esparta. Em Olimpia, ele discute alguns dos estatutos com seus companheiros, participa nas cerimónias religiosas, e repreende o jovem autor pretensioso de um elogio sobre Zeus. Suas exortações éticas encontram admiração geral, mas ele recusa honras divinas. Em Esparta discute assuntos religiosos e judiciais com os magistrados. Traz um jovem que se afasta responsabilidades da comunidade para ver o erro de seus caminhos, e ele aconselha os espartanos em como responder a uma carta imperial. Ele navega do Peloponeso para Creta, onde visita o santuário de Asclépio em Lebena e diagnostica o efeito geológico de um terremoto. Apolónio fica pela primeira vez na Itália e tem um conflito com o regime de Nero. Ao viajarem para Roma, Apolónio e seus discípulos encontram Filolaus de Citium, que foge de Nero e insta Apolónio a seguir o seu exemplo. Estas palavras resultam numa diminuição radical no número de seguidores de Apolónio. O sábio de Tiana discute uma resolução filosófica sobre os tiranos com os discípulos que ficaram. Não muito tempo depois de sua chegada em Roma, Apolónio e seus companheiros envolvem-se num conflito com um harpista bêbado que canta canções de Nero. No dia seguinte, Apolónio tem uma reunião com o cônsul Telesino, que está bem disposto com ele e dá-lhe a permissão para ficar em vários templos em Roma. Depois de Demetrius ser banido de Roma pelo prefeito pretoriano, Tigelino, por criticar os banhos que Nero havia construído, a suspeita também recai sobre Apolónio. Estas suspeitas crescem após Apolónio interpretar um eclipse do Sol como um presságio de Nero quase ter sido morto por um raio. A observação de Apolónio sobre as capacidades vocais de Nero serve como pretexto para a sua prisão por Tigelino sob a acusação de lesa-majestade. Quando o pergaminho contendo a acusação é desenrolado, o texto mostra ter sido misteriosamente apagado. Apolónio leva a melhor sobre Tigelino durante uma audiência privada, e o prefeito liberta-o por medo de seus poderes sobrenaturais. Apolónio ressuscita uma jovem mulher, um membro de uma família consular. Usando Menippus e Damis como intermediários, ele corresponde com o filósofo Musonius Rufus, que foi preso por Nero. Musonius declina a oferta para libertá-lo. Apolónio parte para Hispania, devido a uma interdição de toda a atividade filosófica que Nero tinha decretado antes de se deslocar à Grécia. 
Livro V 
Apolónio na Hispania.
Apolónio e seus companheiros discutem a viagem de Nero à Grécia. O governador da Andaluzia tem uma entrevista particular com Apolónio, que o convida para juntar-se a revolta do governador da Gália, Vindex, contra Nero. Depois de viajar através de Sicília, Atenas e Rodes, eles chegam Alexandria. Durante esta viagem eles recebem a notícia da fuga de Nero e a morte de Vindex. Apolónio prediz os acontecimentos políticos e militares do Ano dos Quatro Imperadores (ano 69: Galba, Oto, Vitélio e Vespasiano). Ele também discute os fenómenos vulcânicos e os méritos das fábulas de Esopo com seus companheiros de Catana, no sopé do Monte Etna. Ele é iniciado nos mistérios de Elêusis em Atenas e atende Demétrio, que lhe diz que Musonius foi condenado a forças de trabalho no Istmo (construção do canal de Corinto). Apolónio passa o inverno em vários santuários gregos. Em Rodes, ele faz uma visita ao Colosso, discute música de flauta com Canus, um flautista virtuoso, e repreende um jovem novo-rico. Ao chegar a Alexandria, resgata um homem condenado, mas inocente, das mãos do carrasco. Ele exprime a sua desaprovação pelos sacrifícios de sangue no templo, ou seja, o Serapeum, e repreende os alexandrinos para a sua vandalismo nas corridas de cavalos.
Apolónio contacta com o novo imperador Vespasiano. Depois de sua chegada a Alexandria, Vespasiano indaga imediatamente sobre o paradeiro de Apolónio, que mostra estar no templo. Apolónio responde ao seu pedido para fazê-lo imperador dizendo que já tinha orado aos deuses para que dessem um governante como Vespasiano. Este justifica a sua proposta para o poder a Apolónio, que o impele a realizar suas resoluções. Apolónio também menciona a destruição do templo de Júpiter Capitolino no dia anterior durante a luta entre o imperador Vitélio e filho de Vespasiano, Domiciano, em Roma. No dia seguinte, Apolónio faz uma visita ao imperador; a seu pedido, os filósofos Dio Crisóstomo e Eufrates, que estão ambos em Alexandria, também são admitidos para a conversa. Vespasiano pede aos filósofos para aconselhá-lo sobre a forma de exercer a autoridade que entrou em descrédito pelos seus antecessores (Nero, Galba, Oto e Vitélio). Eufrates recusa-se a respeitar o pedido; em vez disso, defende a abolição da monarquia e a restauração da república. Dio é a favor de um referendo constitucional. Apolónio rejeita os argumentos desses oradores como sofismas irrealistas e fundamenta vigorosamente a favor da monarquia, seguido de um relato de como deve ser realizado o governo por um só homem. Eufrates revela suas verdadeiras cores, atacando o Pitagoreanismo na presença do imperador e pedindo-lhe dinheiro. Depois de Vespasiano saír, o conflito entre Apolónio e Eufrates atinge um clímax. Dio é criticado por Apolónio para o caráter retórico de sua filosofia, mas as relações entre os dois homens permanecem cordiais. O diferendo mais tarde entre Apolónio e Vespasiano é explicado pela desaprovação do cancelamento da liberdade que Nero havia concedido à Grécia. Depois de Apolónio reconhecer um leão como uma reencarnação do último faraó do Egipto, Amasis, ele sai na companhia de dez discípulos para os etíopes gimnosofistas. 
Livro VI 
Os viajantes cruzam a fronteira entre o Egipto romano e a Etiópia independente com um jovem egípcio, Timasion, como seu guia. Depois de uma visita à estátua de Memnon perto da casa dos gimnosofistas, eles se deparam com um suplicante, que é purificado de sua culpa de sangue.
Eufrates envia um de seus discípulos para caluniar Apolónio, que consequentemente é recebido friamente. Maquinações de Eufrates são reveladas por uma observação incidental de Timasion a Damis. No dia seguinte, a discussão é realizada com os gimnosofistas, que são liderados por Tespésion. Este último defende uma simples filosofia e estilo de vida dos gimnosofistas; Apolónio responde com um discurso justificando sua escolha de Pitagoreanismo e enfatizando a prioridade e a superioridade da sabedoria indiana em relação à dos gimnosofistas. A primeira discussão é concluída com uma refutação das alegações feitas por Eufrates. Um jovem gimnosofista, Nilo, é atraído pela sabedoria de Apolónio. Uma segunda conversa com os gimnosofistas é realizada no dia seguinte, sobre temas que vão desde as peculiaridades dos egípcios e os gregos, a justiça, a imortalidade da alma até à cosmologia. Apolónio e seus discípulos despedem-se dos gimnosofistas e partem para a fonte do Nilo; Apolónio, Timasion e Nilo chegam à terceira catarata. Durante a sua viagem de regresso, Apolónio domina um sátiro numa aldeia etíope. O conflito com Eufrates agudiza-se após Apolónio regressar da Etiópia.
Apolónio contacta o filho e príncipe herdeiro de Vespasiano, Tito. Apolónio escreve uma carta de elogio a Tito por ter se recusado a ser coroado após a sua vitória em Jerusalém. Tito convida Apolónio para uma discussão em Tarso, antes de regressar a Roma. O sábio elogia a harmonia existente entre Vespasiano e seu filho Tito e atribui Demétrio ao herdeiro como seu conselheiro filosófico. Ele emite uma profecia enigmática da morte de Tito e traz sobre a concessão imediata de um pedido feito pelo povo de Tarso.
Apolónio:
 - aconselha um jovem rico, mas sem educação para estudar retórica
 - ataca um mito tolo que está em curso em Sardes
 - adverte os cidadãos de Antioquia da ira divina incorridos por desobediência civil
 - ajuda para resolver o problema dote de um homem com quatro filhas
 - cura um homem de sua paixão pela famosa estátua de Afrodite em Cnidus
 - recomenda aos habitantes das cidades, na margem esquerda do Helesponto sobre a forma de aplacar a ira divina, que é evidenciado em terremotos
 - cura um homem com raiva em Tarso. 
Livro VII 
O clímax dramático da vida de Apolónio é formado pela confronto do sábio com o tirano Domiciano (o outro filho de Vespasiano).
A comparação das acções de Apolónio com a atitude dos filósofos no passado perante os tiranos resume-se a favor de Apolónio. Apolónio opõe-se publicamennte ao tirano e exorta os governadores e senadores - incluindo Orfitus, Rufus e o futuro imperador Nerva - à revolta contra o regime tirânico.
Como parte dos preparativos para um julgamento desses senadores revoltosos, Domiciano emite um mandato para a prisão de Apolónio, o qual teria sido denunciado por Eufrates ao imperador. Apolónio prevê esse mandato e, por sua própria iniciativa, deixa Esmirna para Diceárquia (Puteoli), acompanhada de Damis.
Encontra-se lá com Demetrius e resiste às suas tentativas de impedi-lo de se confrontar com Domiciano. Apolónio e Damis navegam para Roma, onde o sábio de Tiana é preso e tem uma reunião com o prefeito pretoriano Eliano, que se mostra bem disposto para com ele. Apolónio é encarcerado numa prisão com um regime leve; Ele infunde coragem em Damis e seus companheiros de prisão e percebe os truques de um dos espiões de Domiciano. Um servo de Eliano aconselha-o em como lidar com o imperador. No seu primeiro encontro com o imperador, Apolónio defende-se contra as acusações. O imperador exige que ele se barbeie e seja posto a ferros.
(neste ponto, o autor desta biografia, Filóstrato, descarta uma carta atribuída a Apolónio, em que o filósofo implora por piedade de Domiciano, como uma falsificação)
Apolónio enxota outro dos espiões de Domiciano e inspira Damis com nova coragem por milagrosamente sacudir seus grilhões. Através da intervenção de Eliano, Apolónio é transferido para a prisão com um regime leve. Ele envia Damis de volta a Puteoli (Diceárquia) e ouve a história de um jovem de Messene, que foi preso por desprezando os avanços do imperador. 
Livro VIII 
Apolónio é julgado perante Domiciano, absolvido, e sai miraculosamente do tribunal. Apolónio escreveu um texto de defesa, embora nunca o entregue. Domiciano é surpreendido com a saída inexplicável de Apolónio. Depois de um mero meio dia de viagem de Roma, Apolónio junta Damis e Demétrio em Diceárquia e dirige-se para a Grécia. O sábio de Tiana visita Olímpia novamente e o oráculo de Trofônio numa caverna perto Lebadea; ele passa sete dias no subterrâneo e retorna com um livro que contém os ensinamentos de Pitágoras (este livro e uma série de cartas escritas por Apolónio estariam preservados numa casa do imperador Adriano em Antium). Depois de ficar na Grécia por dois anos, Apolónio passa para a Jónia, permanecendo em Esmirna, Éfeso e em outros lugares. Durante a sua estada em Éfeso, ele milagrosamente testemunha o assassinato de Domiciano, à distância, em Roma.
Apolónio rejeita pedido de Nerva para ser seu assessor mas envia Damis para o novo imperador com as suas recomendações, por escrito.
É aqui que Damis cessa as suas memórias sobre Apolónio. Outras versões do final da vida de Apolónio, referem a ascensão de Apolónio a partir do templo Dictina em Creta. O sábio de Tiana aparece a título póstumo a um jovem num sonho para confirmar a imortalidade da alma.

Fonte: https://www.livius.org/sources/content/philostratus-life-of-apollonius/


domingo, 2 de novembro de 2014

Século I - Apolónio de Tiana (parte 1)





Segundo o que foi escrito, Apolónio nasceu numa rica e respeitada família grega. Sendo um orador e filósofo do primeiro século, ele foi comparado com Jesus de Nazaré pelos cristãos no século IV e, mais recentemente, por vários autores populares.

A fonte mais detalhada é a Vida de Apolônio de Tiana, uma longa biografia, escrita por Filóstrato (c 170 - 247 EC), a pedido da imperatriz Julia Domna (mulher do imperador Septimo Severo). Segundo Filóstrato, Apolónio terá vivido entre 3 AEC a 97 EC, sendo, por isso, contemporâneo do Jesus Nazareno dos evangelhos.

Mas os volumosos escritos de Filóstrato sobre esse personagem são demasiado fantasiosos e cheios de contradições internas para se poder extrair elementos úteis para se construir uma narrativa com plausibilidade histórica.

Nascimento

Vejamos como Filóstrato retrata o nascimento de Apolónio:

A Vida de Apolónio de Tiana, Livro i, v.4 e 5 
A casa de Apolónio era, então, em Tiana, uma cidade grega numa população de Capadócios. Seu pai tinha o mesmo nome [isto é, Apolónio], e a família era descendente dos primeiros colonos. Ele se destacou das famílias vizinhas em riqueza, embora o território fosse rico. 
Pouco antes de ele nascer, a sua mãe teve uma aparição de Proteus, […] sob o disfarce de um demónio egípcio. Ela não se mostrou de forma nenhuma assustada, mas perguntou-lhe que tipo de criança que ela iria carregar. E ele respondeu: "Eu".
"E quem é você?" perguntou ela. 
"Proteus", respondeu ele, "o Deus do Egipto." 
Bem, eu nem preciso explicar aos leitores a qualidade de Proteus e sua reputação no que diz respeito a sabedoria; quão versátil ele era, e sempre mudando sua forma, e desafiando ser capturado, e como ele tinha uma reputação de saber o passado e o futuro. E devemos ter em mente Proteus ainda mais, quando a minha história mostrar que o seu herói terá sido mais profeta do que Proteus, e de ter triunfado sobre muitas dificuldades e perigos nos momentos em que ele foi mais acossado. 
Diz-se que ele nasceu num prado, por que lá já foi erguido um sumptuoso templo para ele; e não vamos ignorar o modo de seu nascimento. Pois, assim como a hora do seu nascimento se aproximava, sua mãe foi avisada em sonho a sair para o prado e colher flores; no devido tempo ela foi lá e suas criadas atenderam-na e espalharam as flores sobre o prado, quando ela caiu dormindo na relva. 
Então os cisnes que se alimentavam no prado dançaram em volta dela enquanto ela dormia, e levantando suas asas, como eles estão acostumados a fazer, gritaram alto em uníssono, quando havia apenas uma leve brisa soprando no prado. Ela, então, saltou ao som de sua música e deu à luz seu filho, como qualquer susto repentino que provoca um parto prematuro. 
Mas o povo do país diz que no momento do nascimento, um raio parecia prestes a cair no chão e, em seguida, levantou-se no ar e desapareceu no alto; indicando, assim, que os deuses deram a grande distinção a que o sábio atingiria, dando a entender com antecedência como ele iria transcender todas as coisas sobre a terra e se aproximar dos deuses - significava todas as coisas que ele iria conseguir.

Fonte: https://www.livius.org/sources/content/philostratus-life-of-apollonius/


Continuação...



domingo, 25 de maio de 2014

Século II - Actos - Quem Roubou o Corpo?




Quem lê os evangelhos até ao fim fica com a sugestão de que a narrativa acaba abruptamente e que deveria ter uma continuação. Os evangelhos terminam do seguinte modo:
 - o corpo de Jesus desaparece do túmulo;
 - a alguns (muito poucos) é revelado que a razão do desaparecimento do corpo de Jesus foi a sua ressurreição;
 - todos as outras pessoas, incluindo as autoridades, ficam sem saber o que realmente se passou: se Jesus sobreviveu e fugiu do túmulo; se os discípulos roubaram o corpo; etc

Entretanto, no século II, alguém escreveu o livro Actos dos Apóstolos como uma continuação dos evangelhos. Em particular entende-se este livro como uma continuação do Evangelho Segundo Lucas.

Uma vez que estende a narrativa a partir do ponto onde terminam os evangelhos, seria de esperar que Actos dos Apóstolos começasse com o relato de uma caça ao homem por parte das autoridades de Jerusalém. Isto, por dois motivos:
 - se Jesus fugiu do túmulo (p.ex. tendo sobrevivido aos ferimentos da crucificação), as autoridades deveriam querer organizar uma perseguição para caçar Jesus;
 - se o corpo foi roubado, as autoridades deveriam querer apanhar quem roubou o corpo.

Mas nada disso acontece em Actos dos Apóstolos. Não existe nenhuma autoridade preocupada com o desaparecimento do corpo de Jesus! Vejamos uma síntese dos primeiros capítulos de Actos:
Capítulo 1: Jesus ascende aos céus e um número não especificado de discípulos observa o evento, em Jesrusalém, no exacto local onde estavam as autoridades que levaram à execução de Jesus e que deveriam estar preocupadas com o desaparecimento do corpo; onde estava Pilatos, agora?
Capítulo 2: Pedro e outros discípulos reúnem-se calmamente em Jerusalém, poucos dias depois da morte de Jesus; são apenas levemente acusados de estarem bêbados; 
Capítulo 3 e 4: Pedro e João são presos por pregarem em público mas nada sobre o desaparecimento do corpo de Jesus - ninguém lhes pergunta onde estaria o corpo!  
Capítulo 5: Pedro comporta-se já como um tirano religioso: acusa um casal de não pagarem suficiente dízimo à congregação; tanto o homem como a mulher morrem magicamente.  Pedro e outros são presos - por pregarem publicamente - e novamente soltos.  
Capitulo 6 e 7: Estêvão é preso e julgado; em sua defesa, faz um longo discurso onde sintetiza o Antigo Testamento. Nem sequer fala sobre Jesus.


A hipótese de Jesus sobreviver aos ferimentos causados pela crucificação não seria descabido na medida em que, segundo os evangelhos, Jesus permaneceu na cruz apenas algumas horas, e é possível sobreviver-se mais tempo do que isso crucificado (dependendo da saúde do supliciado e outros factores, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Crucifixion).

O que é descabido é ver nas histórias de Actos dos Apóstolos um total desinteresse de todos os personagens não crentes pelo assunto do desaparecimento de Jesus.


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Século II - O Evangelho da Infância segundo Tomé





Com o passar do tempo, à medida que a personagem de Jesus Nazareno ganhava detalhes, alguns quiseram descrever o que Jesus tinha feito na sua infância.

O Evangelho da Infância Segundo Tomé - escrito entre 140 e 170 EC - descreve as travessuras de Jesus na sua infância durante a qual utilizava os seus poderes, por vezes com irresponsabilidade.

A INFÂNCIA DO SENHOR, NARRADA POR TOMÉ, FILÓSOFO ISRAELITA
Eu, Tomé Israelita, julguei necessário levar ao conhecimento de todos os irmãos descendentes dos gentios, a Infância de Nosso Senhor Jesus Cristo e tantas quantas maravilhas ele realizou, depois de nascer em nossa terra. O princípio é como segue. 
II
Esse Menino Jesus, que na época tinha cinco anos, encontrava-se um dia brincando no leito de um riacho, depois de haver chovido. Represando a correnteza em pequenas poças, tornava-as instantaneamente cristalinas, dominando-as somente com sua a palavra.
Fez depois uma massa mole com barro e com ela formou uma dúzia de passarinhos. Era um Sabbath e havia outros meninos brincando com ele. Um certo homem judeu, vendo o que Jesus acabara de fazer num dia de festa, foi correndo até seu pai, José, e contou-lhe tudo:
— Olha, teu filho está no riacho e juntando um pouco de barro fez uma dúzia de passarinhos, profanando com isso o dia do Sabbath.
José foi ter ao local e, ao vê-lo, ralhou com ele dizendo:
— Por que fazes no Sabbath o que não é permitido?
Jesus, batendo palmas, dirigiu-se às figurinhas, ordenando-lhes:
— Voai!
Os passarinhos foram todos embora, gorjeando. Os judeus, ao verem isso, encheram-se de admiração e foram contar aos seus superiores o que haviam visto Jesus fazer.   
III 
Encontrava-se ali presente o filho de Anás, o escriba, e teve a idéia de fazer escoar as águas represadas por Jesus, usando uma planta de vime.
Ante essa atitude, Jesus indignou-se e disse:
— Malvado, ímpio e insensato. Será que as poças e as águas te estorvavam? Ficarás agora seco como uma árvore, sem que possas dar folhas, nem raiz nem frutos.
Imediatamente o rapaz tornou-se completamente seco. Os pais pegaram o infeliz, chorando a sua tenra idade, e o levaram ante José, maldizendo-o por ter um filho que fazia tais coisas.  
IV 
De outra feita, Ele andava em meio ao povo e um rapaz que vinha correndo esbarrou em suas costas. Irritado, Jesus disse-lhe:
— Não prosseguirás teu caminho.
Imediatamente o rapaz caiu morto. Algumas pessoas que viram o que se passara, disseram:
— De onde terá vindo esse rapaz, pois todas as suas palavras tornam-se fatos consumados?
Os pais do defunto, chegando a José, interpelaram-no, dizendo:
— Com um filho como esse, de duas uma: ou não podes viver com o povo ou tens de acostumá-lo a abençoar e não a amaldiçoar, pois causa a morte aos nossos filhos. 
José chamou Jesus à parte e admoestou-o da seguinte maneira:
— Por que fazes tais coisas, se elas se tornam a causa de nos odiarem e perseguirem?
Jesus replicou:
— Bem sei que essas palavras não vêm de ti, mas calarei por respeito a tua pessoa. Esses outros, ao contrário, receberão seu castigo.
No mesmo instante, aqueles que havia falado mal dele ficaram cegos.
As testemunhas dessa cena encheram-se de pavor e ficaram perplexas, confessando que qualquer palavra de sua boca, fosse boa ou má, tornava-se um fato e convertia-se numa maravilha. Quando José percebeu o que Jesus havia feito, agarrou sua orelha e puxou-a fortemente.
O rapaz indignou-se e disse-lhe:
— A ti é suficiente que me vejas sem me tocares. Tu nem sabes quem sou, pois se soubesses não me magoarias. Ainda que neste instante eu esteja contigo, fui criado antes de ti.  
VI 
Naquela época, encontrava-se em um local próximo um certo rabino de nome Zaqueu, o qual, ouvindo Jesus falar dessa maneira com seu pai, encheu-se de admiração ao ver que, sendo menino, dizia tais coisas.
Passados alguns dias, aproximou-se de José e disse:
— Vejo que tens um filho sensato e inteligente. Confia-o a mim para que aprenda as letras. Eu, de minha parte, juntamente com elas, ensinar-lhe-ei toda espécie de sabedoria e a arte de saudar os mais velhos, de respeitá-los como superiores e pais e de amar seus semelhantes.
Disse-lhe todas as letras com grande esmero e clareza, desde Alfa até Ômega. Jesus, porém, fixou seus olhos no rabino Zaqueu e indagou-lhe:
— Como te atreves a explicar Beta aos outros, se tu mesmo ignoras a natureza do Alfa? Hipócrita! Explica primeiro a letra A, se é que sabes, e depois acreditaremos em tudo o que disseres com relação a B.
Começou a interrogar o professor sobre a primeira letra, porém este não pôde responder-lhe.
Disse então a Zaqueu, na presença de todos:
— Aprende, professor, a constituição da primeira letra e repara como tem linhas e traços médios, aqueles que vês unidos transversalmente, conjuntos, elevados, divergentes... Os traços contidos na letra A são de três sinais: homogêneos, equilibrados e proporcionados. 
VII 
O professor Zaqueu, quando ouviu a exposição feita pelo menino sobre tantas e tais alegorias acerca da primeira das letras, ficou desconcertado diante da resposta e da erudição que ele manifestava.
Disse aos presentes:
— Pobre de mim! Não sei o que fazer, pois eu mesmo procurei a confusão ao trazer este jovem para junto de mim. Leva-o, então, irmão José! Rogo-te! Não posso suportar a severidade do seu olhar. Não consigo fazer com que seu discurso seja inteligível para mim. Este jovem não nasceu na terra. É capaz de dominar até mesmo o fogo. Talvez tenha nascido antes da criação do mundo. Não sei qual o ventre que pôde tê-lo carregado e qual seio pôde havê-lo nutrido. Ai de mim! Meu amigo, estou aturdido. Não posso seguir o vôo de sua inteligência. Enganei-me, pobre de mim! Queria muito ter um aluno e deparei-me com um mestre. Percebo perfeitamente, amigos, a minha confusão, pois, velho e tudo o mais, deixei-me vencer por uma criança. É de se ficar arrasado e morrer por causa desse jovem, pois neste momento sou incapaz de olhá-lo fixamente. Que vou respondeu quando todos me disserem que me deixei vencer por um rapazote? Que vou explicar a respeito do que ele me disse sobre as linhas da primeira letra? Não sei, amigos, porque ignoro a origem e o destino dessa criatura. Por isso te rogo, irmão José, que o leves para casa. É algo extraordinário: ou um Deus ou um anjo, ou já não sei o que dizer.  
VIII 
Enquanto os judeus se entretinham em dar conselhos a Zaqueu, o menino pôs-se a rir com muita vontade e disse:
— Frutificai agora vossas coisas e abri os olhos à luz os cegos de coração. Vim de cima para amaldiçoar-vos e depois charmar-vos para o alto, pois esta é a ordem daquele que me enviou por vossa causa.
Quando o menino terminou de falar, sentiram-se imediatamente curados todos aqueles que haviam caído sob a maldição. Desde então, ninguém ousava irritá-lo para que ele não os amaldiçoasse ou viessem a ficar cegos.  
IX 
Dias depois, encontrava-se Jesus brincando num terraço. Um dos meninos que estavam com ele caiu do alto e morreu. Os outros, ao verem isso, foram-se embora e somente Jesus ficou. Pouco depois chegaram os pais do morto e puseram a culpa nele.
Disse-lhes Jesus:
— Não, não. Eu não o empurrei.
Apesar disso, eles o maltrataram. Jesus deu um salto de cima do terraço, vindo cair junto ao cadáver. Pôs-se a gritar bem alto:
— Zenon — assim se chamava o menino, — levanta-te e responda-me: fui eu quem te empurrou?
O morto levantou-se num instante e disse:
— Não, Senhor. Tu não me jogaste, porém me ressuscitaste.
Ao ver isso, todos os presentes ficaram consternados . Os pais do menino glorificaram a Deus por aquele maravilhoso feito e adoraram a Jesus.  
Poucos dias depois, estava um jovem cortando lenha nas redondezas e aconteceu que o machado escapou e cortou a planta do seu pé. O infeliz estava morrendo rapidamente por causa da hemorragia.
Sobreveio por isso um grande alvoroço e juntou muita gente. Também Jesus veio ter ali. Depois de abrir espaço à força por entre a multidão, chegou junto do ferido e com suas mãos apertou o pé injuriado do jovem, que num instante ficou curado.
Disse então ao rapaz:
— Levanta-te já! Continua cortando lenha e lembra-te de mim!
A multidão, quando se deu conta do que havia acontecido, adorou o Menino dizendo:
— Verdadeiramente, o Espírito de Deus habita esse rapaz.  
XI 
Quando tinha seis anos, sua mãe deu-lhe certa vez um cântaro para que fosse enchê-lo de água e o trouxesse para casa. No caminho, Jesus tropeçou nas pessoas e a vasilha quebrou-se. Ele, então, estendeu o manto com o qual se cobria, encheu-o de água e levou-o a sua mãe. Esta, ao ver tal maravilha, pôs-se a beijar Jesus e foi guardando em seu íntimo todos os mistérios que o via realizar.  
XII 
Certa vez, sendo tempo de semeadura, saiu Jesus com seu pai para semear trigo em sua propriedade. Enquanto José esparramava as sementes, o Menino Jesus teve também vontade de semear um grãozinho de trigo. Após ceifar e debulhar, sua colheita somou cem coros, equivalente a quase quarenta mil litros. Convocou em sua propriedade todos os pobres da região e repartiu com eles os grãos. José, depois, levou para si o restante.
Jesus tinha oito anos, quando operou este milagre.  
XIII 
Seu pai, que era carpinteiro, fazia arados e cangas. Certa vez, recebeu o encargo de fazer uma cama para certa pessoa de boa posição. Aconteceu que uma das tábuas era mais curta que a outra e por isso José não sabia como proceder.
Então o Menino Jesus disse a seu pai:
— Põe no chão ambas as tábuas e iguala-as pela metade.
Assim fez José. Jesus foi até à outra extremidade, pegou a tábua mais curta e esticou-a, deixando-a tão comprida quanto a outra.
José, seu pai, encheu-se de admiração ao ver o prodígio e cobriu o menino de abraços e beijos dizendo:
— Feliz de mim, porque Deus me deu este menino. 
XIV 
José, percebendo que a inteligência do menino ia amadurecendo ao mesmo tempo que a idade, quis novamente impedir que ele permanecesse analfabeto, por isso levou-o até um outro professor e colocou-o a sua disposição.
Disse o professor:
— Ensinar-te-ei, em primeiro lugar as letras gregas, depois as hebraicas.
Era evidente que o professos conhecia bem a capacidade do rapaz e sentia medo dele. Depois de escrever o alfabeto, entretinha-se com ele por um longo tempo, sem obter nenhuma resposta de seus lábios.
Finalmente disse-lhe Jesus:
— Se és mestre de verdade e conheces perfeitamente as letras, dize-me primeiro qual é o valor de Alfa e então eu te direi qual é o de Beta.
Irritado, o professor bateu-lhe na cabeça. Quando o Menino Jesus sentiu a dor, amaldiçoou-o e imediatamente o professor desmaiou e caiu de bruços no chão.
O jovem voltou para casa de José. Este encheu-se de pesar e disse a Maria que não o deixasse sair de casa, porque todos aqueles que o aborreciam vinham a morrer.  
XV 
Passado algum tempo, outro professor, que era amigo íntimo de José, disse-lhe:
— Leva teu filho à escola. Talvez com delicadeza eu possa ensinar-lhe as letras.
José replicou:
— Se te atreveres, irmão, leva-o contigo.
O professor o aceitou com muito receio e preocupação, porém o menino demonstrou boa vontade e progredia a olhos vistos.
Certo dia, ele entrou impetuosamente na sala de aula e encontrou um livro colocado sobre a carteira. Pegou-o e, sem parar para ler as letras que nele estavam escritas, abriu sua boca e começou a falar, levado pelo Espírito Santo, ensinando a Lei aos circunstantes que o escutavam. Uma grande multidão, que havia se juntado, ouvia-o, cheia de admiração pela maravilha da sua doutrina e pela clareza de suas colocações, considerando que era uma criança que assim lhes falava.
José, quando soube disso, encheu-se de medo e correu imediatamente até a escola, receando que também aquele professor pudesse ter sido maltratado.
Este, porém, disse-lhe:
— Saiba, irmão, que recebi este menino como se fosse um aluno comum e acontece que está sobejando graça e sabedoria. Leva-o, por favor, para tua casa!
Ao ouvir essas palavras o menino sorriu e disse:
— Agradeço a ti, por haveres falado com retidão e dado um testemunho justo. Será curado aquele que anteriormente foi castigado.
Imediatamente o outro professor sentiu-se bem. José pegou o menino e foram para casa.  
XVI 
Certa vez, José mandou seu filho Tiago juntar lenha e trazê-la para casa. O Menino Jesus acompanhou-o, mas aconteceu que, enquanto Tiago recolhia os gravetos, uma cobra picou-lhe a mão.
Tendo caído no cão, ficou completamente largado e estando já para morrer, quando Jesus aproximou-se e assoprou a mordida. Imediatamente desapareceu a dor, a cobra explodiu e Tiago recobrou imediatamente a saúde.  
XVII 
Aconteceu depois, nas vizinhanças de José, que um menino que vivia doente veio a falecer. Sua mãe chorava inconsolavelmente. Jesus, ao tomar conhecimento da dor daquela mãe e do tumulto que se formava, acudiu rapidamente. Encontrando o menino já morto, tocou-lhe o peito e disse:
— Pequenino, falo contigo! Não morras, mas vive feliz e fica com tua mãe!
No mesmo instante, o menino abriu os olhos e sorriu. Então disse Jesus à mulher:
— Anda, pega-o, dá-lhe leite e lembra-te de mim!
Ao presenciar o acontecido, os circunstantes encheram-se de admiração e exclamaram:
— Na verdade, este menino ou é um Deus ou um anjo de Deus, pois tudo o que sai da sua boca torna-se um fato consumado.
Jesus saiu dali e pôs-se a brincar com os outros jovens.  
XVIII 
Dias depois, sobreveio um grande abalo, onde construíam uma casa. Jesus levantou-se e dirigiu-se até o local. Vendo ali um cadáver estendido no chão, tomou-lhe a mão e dirigiu-se a ele nos seguintes termos:
— Homem, falo contigo! Levanta-te e termina teu trabalho!
Ele se levantou em seguida e o adorou. A multidão que viu essa cena encheu-se de admiração e disse:
— Esse rapaz deve ter vindo do céu, pois tem livrado muitas almas da morte e ainda seguirá livrando mais durante sua vida. 
XIX 
Quando contava doze anos, seus pais, como de costume, foram em caravana até Jerusalém, para assistir às festas da Páscoa. Quando as festas terminaram, voltavam para casa. No instante de partir, o Menino Jesus retornou a Jerusalém, enquanto seus pais pensavam que o encontrariam na comitiva.
Depois do primeiro dia de marcha, puseram-se a buscá-lo entre os seus parentes. Não o encontrando, preocuparam-se muito e voltaram a Jerusalém para procurá-lo.
Finalmente, depois do terceiro dia, encontraram-no no templo, sentado em meio aos doutores, escutando-os e fazendo-lhes perguntas.
Todos estavam atentos a ele e admiraram-se de ver que, menino como era, deixava os anciões e mestres do povo sem palavras, averiguando os principais pontos da lei e as parábolas dos profetas.
Aproximando-se, Maria, sua mãe, disse-lhe:
— Meu filho, por que agiste assim connosco? Vê com que preocupação temos estado a te procurar!
Jesus, porém, respondeu:
— E por que me procuravas? Não sabias acaso que devo ocupar-me das coisas que se referem ao meu Pai?
Os escribas e fariseus perguntaram a Maria:
— És tu, acaso, a mãe deste menino?
Ela respondeu:
— Assim é.
Eles retrucaram:
— Pois feliz de ti entre as mulheres, já que o Senhor teve por bem bendizer o fruto do teu ventre, por que semelhantes glória, virtude e sabedoria não ouvimos nem vimos jamais.
Jesus levantou-se e seguiu sua mãe. Era obediente a seus pais. Sua mãe guardava todos esses fatos no seu coração. Enquanto isso Jesus ia crescendo em idade, sabedoria e graça. Graças sejam dadas a ele por todos os séculos dos séculos. Amém.

Referências:
 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Evangelho_Pseudo-Tom%C3%A9
 - http://www.earlychristianwritings.com/text/infancythomas-a-roberts.html