domingo, 4 de março de 2018

Revelação 17 - Roma é uma Prostituta




Revelação 17

O capítulo 17 de Revelação (ou Apocalipse de João) é um tratado contra Roma escrito de modo criptográfico e metafórico. O autor terá escrito desta forma de modo a escapar a alguma censura política do seu texto.

O autor conta uma visão e uma revelação de um anjo. O anjo mostra-lhe uma prostituta montada num monstro de sete cabeças.

Revelação 17:1-6
E veio um dos sete anjos que tinham as sete taças e falou comigo, dizendo-me:
- "Vem, mostrar-te-ei a condenação da grande prostituta que está assentada sobre muitas águas, com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam na terra se embebedaram com o vinho da sua prostituição."
E levou-me em espírito a um deserto, e vi uma mulher assentada sobre uma besta de cor escarlate, que estava cheia de nomes de blasfêmia e tinha sete cabeças e dez chifres. E a mulher estava vestida de púrpura e de escarlate, adornada com ouro, e pedras preciosas, e pérolas, e tinha na mão um cálice de ouro cheio das abominações e da imundícia da sua prostituição. E, na sua testa, estava escrito o nome: Mistério, a Grande Babilônia, a Mãe das Prostituições e Abominações da Terra. E vi que a mulher estava embriagada do sangue dos santos e do sangue das testemunhas de Jesus. E, vendo-a eu, maravilhei-me com grande admiração. 

O anjo acaba por explicar a visão, começando por identificar as sete cabeças dos monstro com sete montes:
Revelação 17:7-9 
E o anjo me disse: Por que te admiras? Eu te direi o mistério da mulher e da besta que a traz, a qual tem sete cabeças e dez chifres. A besta que viste foi e já não é, e há de subir do abismo, e irá à perdição. E os que habitam na terra (cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo) se admirarão vendo a besta que era e já não é, mas que virá. Aqui há sentido, que tem sabedoria. As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada. 

Ora, qualquer habitante do Império Romano daquele tempo estaria habituado à referência das sete colinas de Roma. Sem indicar explicitamente Roma, o leitor perceberia do que tratava este texto: a decadência que se observava no império romano. Mas de que tempo se tratava?

Revelação 17:10-18 
E são também sete reis: cinco já caíram, e um existe; outro ainda não é vindo; e, quando vier, convém que dure um pouco de tempo. E a besta, que era e já não é, é ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição. E os dez chifres que viste são dez reis, que ainda não receberam o reino, mas receberão o poder como reis por uma hora, juntamente com a besta. Estes têm um mesmo intento e entregarão o seu poder e autoridade à besta. Estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com ele, chamados, eleitos e fiéis. E disse-me: As águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, e multidões, e nações, e línguas. E os dez chifres que viste na besta são os que aborrecerão a prostituta, e a porão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no fogo. Porque Deus tem posto em seu coração que cumpram o seu intento, e tenham uma mesma ideia, e que deem à besta o seu reino, até que se cumpram as palavras de Deus. E a mulher que viste é a grande cidade que reina sobre os reis da terra.

As sete cabeças são também reis:
 - "Cinco já caíram": Júlio César, Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio
 - "Um existe" (o sexto rei): Nero
 - "Um ainda não veio mas quando vier vai durar pouco tempo" (o sétimo rei): em 68/69, três homens apoderaram-se das instituições de Roma - Galba, Oto e Vitélio - mas cada um deles durou tão pouco tempo que podem contar como apenas um rei.

A própria besta é o oitavo rei:
 - O oitavo rei: Vespasiano, que comandou as tropas romanas contra a rebelião dos judeus que se iniciou em 66 EC, tendo o seu filho, Tito, saqueado Jerusalém e chacinado milhares de judeus em 70 EC.

O autor de Revelação 17 terá elaborado este texto durante o reinado de Vespasiano (entre 69 e 79 EC), mas quis criar a ilusão de que o tinha escrito durante o reinado de Nero (entre 54 e 68 EC).

Dez chifres, dez reis

O anjo refere mais dez reis que, de início, combateriam o "Cordeiro", mas que depois se virariam contra a "besta", ou seja, contra o oitavo rei de Roma (Vespasiano). Estes dez reis seriam dez reinos clientes de Roma, reinos que prestariam vassalagem a Vespasiano, mas que depois se virariam contra o Império, segundo a óbvia expectativa do autor. O autor nutria uma secreta esperança de que o império romano se desmoronasse durante o reinado de Vespasiano, derrotado pelos reis clientes.

O autor terá contado em uma dezena os reinos mais importantes associados ao império romano - reinos clientes - os quais poderiam ser entre os seguintes: Ponto, Bósforo, Arménia, Capadócia, Cilícia, Calcis, Comagena, Homs, Mauritânia, Numídia, etc.

O tema de um monstro de sete cabeças com dez chifres também foi abordado no capítulo 13 de Revelação, mas sem a prostituta a bordo. Não se sabe se os capítulos 13 e 17 foram escritos pela mesma pessoa, mas parece que o capítulo 17 é um refinamento do capítulo 13.

Por outro lado, o autor usa o mesmo estilo de Daniel do Antigo Testamento, especialmente comparável ao capítulo 7 de Daniel que contém também uma visão de dez chifres que representam dez reis.


O período de 66 a 70 EC

Para se entender as expectativas dos judeus do primeiro século, é necessário entender o que se passou na Judeia e em Roma durante o período chave de 66 a 70 EC.

O Templo de Jerusalém, uma abundante fonte de rendimento para uma minoria da aristocracia judaica, era governado pelas famílias de sacerdotes alinhados com o poder romano. O sumo-sacerdote era nomeado por Roma.

Mas o Templo gerava controvérsia entre vários grupos judaicos:
 - Algumas facções rebeldes queriam apoderar-se do Templo e, consequentemente, da respectiva fonte de rendimento
 - Algumas facções religiosas eram contra o mercantilismo do Templo (tal como, mais tarde, Martinho Lutero foi contra o mercantilismo da Igreja Católica)

O que unia as várias facções era o ódio ao poder instituído e garantido por Roma à minoria aristocrática.

Em 66 EC começou uma rebelião na Judeia e Galileia, liderado por João de Giscala, entre outros. Nero enviou o general Vespasiano para conter a rebelião.

Em 67 EC Vespasiano conseguiu conter a revolta na Galiléia, tendo seguido para a Judeia com o seu filho Tito.

Em 68 EC Nero suicida-se (para não ter de enfrentar uma execução, pois fora condenado à morte), seguindo-se mais de um ano de instabilidade em Roma. Seguiram-se três imperadores, durando poucos meses cada um: Galba, Oto e Vitélio.

Este período de instabilidade em Roma, deu alguma folga à rebelião na Judeia. Enquanto Roma resolvia os problemas internos, combater a rebelião na Judeia não estava nas suas prioridades. Os judeus sonham com um desmoronamento definitivo de Roma que lhes daria a independência.

Sem a pressão de um inimigo comum, a rebelião judaica transforma-se numa guerra civil. João de Giscala quis tomar o poder em Jerusalém, mas tinha alguns rivais como Simão bar Giora e Eleazar ben Simão.

Em 69 EC, a guarda pretoriana proclama Vespasiano como imperador. Roma estabiliza as suas instituições.

Na Judeia, Tito cerca Jerusalém e, em 70 EC, a cidade é invadida e saqueada. Milhares de judeus são mortos e o Templo foi destruído. Isto deixa toda a comunidade mundial de judeus em estado de choque.

Durante algum tempo, os judeus - incluindo o autor de Revelação 17 - continuaram a pensar que Vespasiano não duraria muito tempo no poder e que Roma enfraqueceria de novo brevemente. Não esperavam que a dinastia flaviana iniciada por Vespasiano durasse até 96 EC.

O Templo de Jerusalém foi destruído para nunca mais ser reconstruído. Este templo era o centro do judaísmo. O judaísmo teve de ser repensado para poder existir sem o Templo. Daqui saíu o judaísmo moderno (judaísmo rabínico) e o cristianismo.