sábado, 30 de março de 2013

Paulo - A Eucaristia (aos Coríntios)





Paulo, sobre a eucaristia

Paulo disse aos coríntios que foi o próprio “Senhor” (aqui não se percebe se Paulo referia-se a Deus ou ao Filho) que lhe ensinou sobre a eucaristia. Portanto, nenhum homem ensinou-lhe este ritual tão característico dos cristãos.

1 Coríntios 11:23-25 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão; e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim.

É intrigante que Paulo tenha dito isso, quando nas suas cartas também menciona que teve algum convívio com Cefas (tradicionalmente identificado como sendo Pedro), Tiago e João. Segundo os evangelhos estes três homens estiveram com Jesus na última ceia e participaram na eucaristia, ministrada pelo próprio Jesus. Então porque é que Paulo diz que foi “o Senhor” que lhe contou? Os apóstolos não lhe podiam ter contado?

Ao longo das cartas de Paulo, percebe-se o clima de competição entre Paulo e os apóstolos de Jerusalém, por isso, estes poderiam dizer: “ok, o Senhor contou-lhe, mas nós estivemos lá e ele não!”. Mas será que os apóstolos estiveram mesmo com Jesus, participando numa eucaristia?

Esta carta, dirigida à comunidades de crentes de Corinto, foi escrita antes dos evangelhos. Então, de onde foi Paulo buscar este ritual de comunhão?

O mitraísmo, originário dos persas, tornou-se um culto muito popular para os romanos nesta época. Em tempos, teve rituais que incluíam o sacrifício de um touro fazendo uso da carne e do sangue, mas posteriormente outros rituais eram acompanhados da seguinte frase ou dizer litúrgico: “quem não comer da minha carne e beber do meu sangue de modo a tornar-se parte de mim e eu parte dele, não terá salvação”. 

Ora havia um grande centro de culto do mitraísmo em Tarso (da Cilícia, actual Turquia), a cidade originária de Paulo, o que leva a crer que Paulo é que instituiu a eucaristia e não Jesus. Mas a reverência que os judeus tinham pelo sangue (Levítico 3:17; 7:26; Deuteronómio 12:16, 23) não permitia o seu consumo, como ditaria a liturgia, por isso o passo natural seria adoptar ingredientes substitutos, o pão e o vinho, mas mantendo a simbologia. A utilização de pão e vinho teria a vantagem adicional de ser menos dispendioso e mais discreto do que a utilização de um animal sacrificado.

Tendo em conta que esta Carta aos Coríntios foi escrita por volta de 50 EC, imaginemos os cenários alternativos:

-          Jesus instituiu a eucaristia na noite da última ceia, por volta de 30 EC – então os apóstolos tiveram cerca de vinte anos para ensinar e propagar o ritual da eucaristia antes de Paulo escrever esta carta, e não faria sentido Paulo dizer que foi Cristo que lhe transmitiu numa visão;

-          Jesus não instituiu a eucaristia, Paulo é que instituiu – quando chegou a altura da escrita dos evangelhos, em 70 EC, a eucaristia já era um facto entre os cristãos, por isso foi incorporada no relato dos evangelhos como um episódio da vida de Jesus e dos apóstolos;

-          nem Jesus nem Paulo instituiram a eucaristia – este ritual já era praticado antes pelos adeptos do mitraísmo, uma religião popular entre os romanos, e Paulo apenas a integrou no cristianismo.



O mais provável é que os evangelhos estejam errados e que Paulo quis introduzir e legitimar no cristianismo um ritual pertencente a outra crença, facilitando a conversão de fieis.

Outra subtileza habitualmente introduzida nas traduções desta passagem de 1ª Coríntios encontra-se na frase “... o Senhor Jesus, na noite em que foi traído...”. Em questão está a palavra “traído” quando a tradução mais adequada seria “entregue”. Com o claro objectivo de harmonizar as cartas de Paulo com o evangelhos, insinuando que Paulo sabia que Jesus foi entregue por um traidor, dá-se credibilidade histórica ao episódio da traição de Judas.


Plutarco, sobre o Mitraísmo na Cilícia no século I AEC

Plutarco (48 a 120 EC), em Vida de Pompeu, refere que os piratas da Cilícia (terra natal de Paulo) praticavam ritos de Mitra desde o tempo de Pompeu (106 AEC a 48 AEC) até aos dias dele próprio.

Plutarco, Vida de Pompeu, 24, 5 
Eles também ofereciam estranhos sacrifícios próprios no Olimpo, e celebravam ali certos ritos secretos, entre os quais os de Mitra continuam até hoje, tendo sido instituídos primeiro por eles.

Justino, sobre a eucaristia

Justino Mártir (100 a 165 EC) era um apologista do cristianismo primitivo. Ele era de um tempo em que já existiam os evangelhos.
Na sua "Primeira Apologia" fala sobre a eucaristia, diz que o ritual foi transmitido por Jesus aos apóstolos, mas sabe claramente que esse ritual veio de Mitra. De tal maneira que tenta justificar que a tradição da eucaristia iniciou-se com o mitraísmo porque os demónios perversos imitaram Cristo por antecipação!

Justino, Primeira Apologia, cap. LXVI - Da Eucaristia.

E este alimento é chamado entre nós Eucaristia, do qual ninguém pode participar, exceto o homem que crê que as coisas que ensinamos são verdadeiras, e que foi lavado com a lavagem que é para a remissão dos pecados, e para a regeneração, e que vive assim como Cristo ordenou. Pois não como pão comum e bebida comum nós os recebemos; mas assim como Jesus Cristo, nosso Salvador, tendo-se feito carne pela Palavra de Deus, teve carne e sangue para nossa salvação, assim também fomos ensinados que o alimento que é abençoado pela oração de sua palavra, e de que nosso sangue e nossa carne por transmutação são nutridos, é a carne e o sangue daquele Jesus que se fez carne. Pois os apóstolos, nas memórias compostas por eles, que são chamadas de Evangelhos, assim nos entregaram o que lhes foi ordenado; que Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, disse: "Fazei isto em memória de mim, isto é o meu corpo"; e que, da mesma maneira, tendo tomado o cálice e dado graças, Ele disse: “Isto é o meu sangue”; e deu a eles sozinhos. Que os demônios perversos imitaram nos mistérios de Mitra, ordenando que a mesma coisa fosse feita. Pois, esse pão e um copo de água são colocados com certos encantamentos nos ritos místicos de quem está sendo iniciado, como sabeis ou podeis informar-vos.


Já em "Diálogo com Trifão", Justino refere novamente Mitra.

Justino, Diálogo com Trifão, cap. LXX - Mistérios de Mitra
E quando aqueles que gravaram os mistérios de Mitra dizem que ele foi gerado de uma pedra, e que o lugar onde os crentes são iniciados é uma caverna, não se vê aqui a pronunciação de Daniel de que uma pedra foi cortada, sem mãos, de uma grande montanha?
Foi imitado por eles. E não tentaram também, da mesma forma, imitar as palavras de Isaías? Pois eles artificialmente citam as palavras de Isaías, as quais repetirei aqui para você saiba como são estas coisas: "Ouvi, vós os que estais longe, [...] ele morará na caverna elevada da rocha forte; pão deve ser dado a ele, e sua água não faltará; vereis o Rei da glória[...]"
Agora é evidente que nesta profecia [é feita alusão] ao pão que o nosso Cristo nos deu de comer, em memória de ter-se feito carne para o bem de Seus crentes, para quem também sofreu, e para o cálice que Ele nos deu a beber, em memória de seu próprio sangue, com acções de graças. [...]
Além disso, as Escrituras são igualmente explícitas ao dizer que aqueles que têm a reputação de conhecer as Escrituras, e os que ouvem as profecias, não têm entendimento. E quando eu ouço, Trifon, que Perseus foi gerado de uma virgem, eu entendo que a serpente enganadora falsificou também isso.


Referências:

segunda-feira, 25 de março de 2013

Paulo - As Cartas Perdidas (aos Coríntios)






Pelo conteúdo das cartas de Paulo, temos mais argumentos para suspeitar que os conteúdos do Novo Testamento não estão dispostos pela ordem correcta ou estão em falta. Em duas passagens, Paulo refere-se a conteúdos que não se encontram onde seria natural encontrar.

Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo fala de uma carta anterior:
1 Coríntios 5:9 Já por carta vos escrevi que não vos comunicásseis com os que se prostituem; ...

Que carta seria essa? Temos as seguintes hipóteses:

-          Paulo referia-se a uma carta anterior (0ª Coríntios...?) que não ficou incluída no Novo Testamento;

-          este parágrafo deveria pertencer a 2ª Coríntios e foi colocado por engano junto com o conteúdo de 1ª Coríntios;



Mas na Segunda Carta aos Coríntios, encontramos o seguinte:
2 Coríntios 2:4 Porque em muita tribulação e angústia de coração vos escrevi, com muitas lágrimas, não para que vos entristecêsseis, mas para que conhecêsseis o amor que abundantemente vos tenho.

Não se consegue ligar este parágrafo com o conteúdo de 1ª Coríntios, mas podemos ligar com o conteúdo de 2ª Coríntios, capítulos 10 a 13.

Portanto, 2ª Coríntios poderia ser composta por duas (ou mais) cartas, por ordem invertida:

-          2ª Coríntios, capítulos 10 a 13, uma carta lamechas cheia de ressentimentos contra os coríntios;

-          2ª Coríntios, capítulos 1 a 9, uma carta de reconciliação (o capítulo 9, que fala sobre uma colecta de dinheiro, pode ter sido uma carta completa e autónoma);



Notavelmente as cartas de Paulo sofreram cortes e colagens antes de chegarem aos nossos dias!


domingo, 17 de março de 2013

Paulo - Sobre o Baptismo





O baptismo segundo Paulo (aos Coríntios)

Paulo refere-se à prática do baptismo com pouco entusiasmo. Parece que não estaria muito seguro se haveria de incluir este sacramento no seu sistema de práticas. Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo chega até a tropeçar nas palavras ao começar por dizer que não batizou ninguém, excepto dois seguidores, mas depois corrige que afinal baptizou mais pessoas (interessante a hesitação de Paulo, pois sugere que estaria a ditar a carta a um escriba e este teria registado a hesitação no texto escrito, o que revela que Paulo não fazia uma revisão final do texto escrito).
1 Coríntios 1:12-17 Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou Eu sou de Cefas; ou, Eu de Cristo. será que Cristo está dividido? foi Paulo crucificado por amor de vós? ou fostes vós batizados em nome de Paulo? Dou graças a Deus que a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio; para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. É verdade, batizei também a família de Estéfanas, além destes, não sei se batizei algum outro. Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo.

Quando Paulo desenvolve este tema, aponta um homem chamado Apolo que parece que fazia uso do ritual do baptismo:
1 Coríntios 3:4-6 Porque, dizendo um: 'Eu sou de Paulo'; e outro: 'Eu de Apolo'; não sois apenas homens? Pois, quem é Apolo, e quem é Paulo, senão ministros pelos quais crestes, e isso conforme o que o Senhor concedeu a cada um? Eu plantei; Apolo regou; mas Deus deu o crescimento.

Ao contrário dos evangelhos, onde o baptismo de Jesus é o ponto de arranque da sua vida pública, Paulo, nas suas cartas, nunca menciona nenhuma ligação de João Baptista com Cristo. No melhor cenário, podemos admitir que Paulo procurava cativar discípulos da seita de João Baptista, tentando mostrar que o baptismo de Apolo, certamente o sucessor de João Baptista, poderia ser apenas mais um passo no caminho que os fiéis poderiam percorrer.

Nos Actos dos Apóstolos, um homem chamado Apolo de Alexandria é descrito como um seguidor de João Baptista.
Actos 18:24-26 Ora, chegou a Éfeso certo judeu chamado Apolo, natural de Alexandria, homem eloquente e poderoso nas Escrituras. Era ele instruído no caminho do Senhor e, sendo fervoroso de espírito, falava e ensinava com precisão as coisas concernentes a Jesus, conhecendo entretanto somente o batismo de João. Ele começou a falar ousadamente na sinagoga: mas quando Priscila e Áquila o ouviram, levaram-no consigo e lhe expuseram com mais precisão o caminho de Deus. 
Actos 19:1-3 E sucedeu que, enquanto Apolo estava em Corinto, Paulo tendo atravessado as regiões mais altas, chegou a Éfeso e, achando ali alguns discípulos, perguntou-lhes: Recebestes vós o Espírito Santo quando crestes? Responderam-lhe eles: Não, nem sequer ouvimos que haja Espírito Santo. Tornou-lhes ele: Em que fostes batizados então? E eles disseram: No batismo de João.

Curiosamente, o livro de Actos diz que Apolo ensinava com rigor sobre Jesus, mas mesmo assim foi necessário que Áquila e Priscila o instruíssem com mais rigor no caminho de Deus... 

Antes de avançarmos é necessário sublinhar que Actos dos Apóstolos não é uma narrativa histórica, mas antes uma ficção. No entanto, o texto reflecte a visão que o autor tinha sobre o cristianismo do século II. Os versículos acima citados indicam que um grande trabalho de proselitismo já tinha sido feito pelos discípulos de João Baptista, os quais tinham chegado a paragens tão distantes quanto Éfeso (actual Turquia). Ou seja, existiam no século II (tempo do autor de Actos dos Apóstolos) discípulos de João Baptista em Éfeso. Estes praticavam o sacramento do baptismo. 

Mas já anteriormente, no século I, Paulo pode ter concluido o seguinte: se incorporasse o sacramento do baptismo na sua própria pregação poderia facilmente adicionar os discípulos de João Baptista às suas próprias fileiras. No entanto, Paulo diz "Cristo não me enviou para baptizar", mostrando alguma hesitação em adoptar esta prática. No entanto, segundo Mateus, as últimas palavras de Jesus (pós ressureição) foram:
Mateus 28:18-20 E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: ... Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;...

Claro que o Evangelho Segundo Mateus ainda não existia quando Paulo escreveu a Primeira Carta aos Coríntios... ainda faltavam uns trinta anos para ser escrito...

Não é provável ter existido um pregador chamado Jesus Nazareno que tenha sido baptizado por João Baptista. Esse episódio dos evangelhos poderá ter sido necessário para cativar os numerosos seguidores de João Baptista para o movimento que nesse tempo chamava-se "O Caminho" ou "Os Nazarenos" e que mais tarde viria a chamar-se Cristianismo.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Paulo - Sobre a Mãe e os Irmãos de Cristo




Cristo tinha uma mãe ? (aos Gálatas)

Uma das passagens das cartas de Paulo que é invocada para advogar que Paulo pressupunha um Jesus histórico é a seguinte:
Gálatas 4:4 mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo de lei

Paulo diz que o Filho de Deus nasceu de mulher. Mas ele referia-se literalmente a uma mulher? Neste caso ele teria de se referir a Maria, a mãe de Jesus segundo os evangelhos.

Mas vejamos a continuação do raciocínio de Paulo:
Gálatas 4:21-31 Dizei-me, os que quereis estar debaixo da lei, não ouvis vós a lei? Porque está escrito que Abraão teve dois filhos, um da escrava, e outro da livre. Todavia o que era da escrava nasceu segundo a carne, mas, o que era da livre, por promessa. O que se entende por alegoria: pois essas mulheres são dois pactos; um do monte Sinai, que dá à luz filhos para a servidão, e que é Agar. Ora, esta Agar é o monte Sinai na Arábia e corresponde à Jerusalém atual, pois é escrava com seus filhos. Mas a Jerusalém que é de cima é livre; a qual é nossa mãe. ... Ora vós, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque. Mas, como naquele tempo o que nasceu segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim é também agora. Que diz, porém, a Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da escrava herdará com o filho da livre. Pelo que, irmãos, não somos filhos da escrava, mas da livre.

Paulo diz que Abraão teve dois filhos que, segundo o Antigo Testamento, foram Ismael, da escrava Agar, e Isaque, da sua legítima mulher Sara. Depois compara os crentes a Isaque. A alegoria seria: Abraão era como Deus que sacrificou o seu filho (embora no caso de Abraão, o sacrifício do seu filho não se consumou) e Isaque era como o Cristo. A ideia geral era que os crentes eram assemelhados ao Cristo. O objectivo do crente era chegar ao nível do Cristo - ser também filho de Deus.


De modo nenhum Paulo referia-se à virgem Maria quando iniciou este exercício alegórico dizendo que Cristo “fora nascido de mulher, nascido debaixo de lei”. Ele estava a produzir um ensinamento que consistia em que o Cristo libertaria aqueles que estavam debaixo da lei judaica. Na sua Carta aos Romanos, Paulo utiliza uma imagem semelhante ao comparar um judeu convertido em cristão, que “morre para a Lei (judaica)”, com uma mulher depois do seu marido morrer.
Romanos 7:1-6 Ou ignorais, irmãos (pois falo aos que conhecem a lei), que a lei tem domínio sobre o homem por todo o tempo que ele vive? Porque a mulher casada está ligada pela lei a seu marido enquanto ele viver; mas, se ele morrer, ela está livre da lei do marido. De sorte que, enquanto viver o marido, será chamado adúltera, se for de outro homem; mas, se ele morrer, ela está livre da lei, e assim não será adúltera se for de outro marido. Assim também vós, meus irmãos, fostes mortos quanto à lei mediante o corpo de Cristo, para pertencerdes a outro, àquele que ressurgiu dentre os mortos a fim de que demos fruto para Deus. Pois, quando estávamos na carne, as paixões dos pecados, suscitadas pela lei, operavam em nossos membros para darem fruto para a morte. Mas agora fomos libertos da lei, havendo morrido para aquilo em que estávamos retidos, para servirmos em novidade de espírito, e não na velhice da letra.

Só que aqui Paulo não foi muito claro na sua alegoria, porque confunde de tal maneira os seus leitores que não se consegue distinguir se o cristão corresponde à mulher, que ao ficar viúva fica liberta da Lei, ou se corresponde ao marido por ter morrido para a Lei (a mulher). Ou então foi algum escriba que se atrapalhou a copiar...


Os irmãos de Cristo segundo Paulo

O Evangelho Segundo Marcos discrimina por nome os irmãos de Jesus, como se fossem filhos de Maria e de um presumível pai humano:
Marcos 6:3 Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? e não estão aqui entre nós suas irmãs? E escandalizavam-se dele.

Mas para Paulo, os irmãos de Cristo eram todos os crentes. Os crentes eram simbolicamente irmãos de Cristo.

O que Paulo escreveu
O significado provável para Paulo
Romanos 8:12-17 ...   Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus. Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes com temor, mas recebestes o espírito de adoção, pelo qual clamamos: Aba, Pai! O Espírito mesmo testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus; e, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; ...

Os crentes são filhos adoptivos de Deus que têm direito à mesma herança do Pai.
Romanos 8:28-30 ... Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos; ...

Cristo é Filho de Deus e os crentes também se tornam filhos de Deus, irmãos de Cristo.
Gálatas 1:19 Mas não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor.

Paulo parece distinguir Tiago com um título especial de Irmão.

1 Coríntios 9:5 Não temos nós direito de levar conosco esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?

Paulo parece mencionar dois grupos de homens: Apóstolos e Irmãos do Senhor. Cefas pertenceria a algum desses grupos?

1 Coríntios 15:3-8 ...  que [Cristo] foi ressuscitado ao terceiro dia, segundo as Escrituras; que apareceu a Cefas, e depois aos doze; depois apareceu a mais de quinhentos irmãos duma vez, dos quais vive ainda a maior parte, mas alguns já dormiram; depois apareceu a Tiago, então a todos os apóstolos;

Paulo menciona Cefas, “os doze”, quinhentos irmãos, Tiago e, por fim, os apóstolos. Porque esta ordenação?



Resumindo, para Paulo:

-          a mãe de Cristo é a lei judaica (as escrituras) - não se chama Maria nem é uma virgem - é uma alegoria.

-          os irmãos de Cristo são todos os crentes - não são os que aparecem em Marcos 6:3



Uma vez mais, verifica-se a ausência de Jesus Nazareno na escrita de Paulo.

domingo, 3 de março de 2013

Paulo - Crucificado ou Pendurado? (aos Gálatas)





Em Actos dos Apóstolos
Em Actos, as referências à morte de Jesus oscilam entre as duas seguintes ideias:

-          “pregado numa cruz”  - gr. stauros, significa um artefacto vertical de madeira, como um simples poste ou, então, uma cruz; ou gr. prospēxantes, pregado, afixado;
-          “pendurado num madeiro”  - gr. xylon, uma árvore, um tronco, ou um pedaço de madeira não trabalhada.

Então, nos primeiros capítulos, a morte de Jesus é retratada como tendo sido uma crucificação:
Actos 2:23 a este, que foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, vós matastes, crucificando-o (gr. prospēxantes, pregar, afixar) pelas mãos de iníquos; 
Actos 2:36 Saiba pois com certeza toda a casa de Israel que a esse mesmo Jesus, a quem vós crucificastes (gr. estaurōsate, crucificado, de stauros), Deus o fez Senhor e Cristo. 
Actos 4:10 seja conhecido de vós todos, e de todo o povo de Israel, que em nome de Jesus Cristo, o nazareno, aquele a quem vós crucificastes (gr. estaurōsate, crucificado) e a quem Deus ressuscitou dentre os mortos, nesse nome está este aqui, são diante de vós.

Mais à frente, a execução de Jesus é descrita como se tivesse sido pendurado numa árvore:
Actos 5:30 O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro (gr. kremasantes epi xylou, pendurando numa árvore); 
Actos 10:39 Nós somos testemunhas de tudo quanto fez, tanto na terra dos judeus como em Jerusalém; ao qual mataram, pendurando-o num madeiro  (gr. kremasantes epi xylou).


Paulo, aos Gálatas
Também Paulo, na sua Carta aos Gálatas, descreve a morte de Cristo também como tendo sido pendurado numa árvore, citando o Antigo Testamento, para explicar aos seus leitores que Cristo sofreu a maldição por todos os crentes:
Gálatas 3:13 Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro (gr. kremamenos epi xylou, pendurado numa árvore);

A citação de Paulo é justamente a lei que rege a execução onde utiliza-se um madeiro para pendurar o supliciado (neste caso o condenado era pendurado depois de já estar morto, eventualmente por apedrejamento):
Deuteronômio 21:22-23 (LXX) Se um homem tiver cometido um pecado digno de morte, e for morto, e o tiveres pendurado num madeiro, o seu cadáver não permanecerá toda a noite no madeiro (gr. kremasete auton epi xylou, pendurado numa árvore), mas certamente o enterrarás no mesmo dia; porquanto aquele que é pendurado no madeiro (gr. kremamenos epi xylou, pendurado numa árvore) é maldito de Deus. Assim não contaminarás a tua terra, que o Senhor teu Deus te dá em herança.

Na lei judaica, um condenado pendurado num madeiro era uma maldição, uma coisa abominável, que deveria ser enterrado no próprio dia para não contaminar a terra.
Em Gálatas 3:13, Paulo usa a exacta expressão da versão Septuaginta de Deuteronómio 21:23.


O sentido figurativo da crucificação

Paulo nunca mostra saber da existência de um homem chamado Jesus Nazareno, da Galiléia, carpinteiro, que foi crucificado em Jerusalém às ordens de Poncio Pilatos.

Paulo fala de um ser mítico designado por Cristo cuja crucificação é um fenómeno intemporal e que não pertence ao mundo físico. No que toca à divulgação da sua mensagem, a Paulo interessa apenas divulgar o sentido figurativo da crucificação.

O que Paulo escreveu
O significado provável para Paulo
Romanos 6:6 sabendo isto, que o nosso homem velho foi crucificado com ele, para que o corpo do pecado fosse desfeito, a fim de não servirmos mais ao pecado.

Os convertidos cristãos, crucificaram a velha personalidade. Paulo não quis dizer que os cristãos deveriam pregar-se literalmente a uma cruz.

1 Coríntios 1:13-17 será que Cristo está dividido? foi Paulo crucificado por amor de vós? ou fostes vós batizados em nome de Paulo? ... Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo.

O baptismo não é nada. A crucificação de Cristo é que importa.

1 Coríntios 2:8 a qual nenhum dos príncipes deste mundo compreendeu; porque se a tivessem compreendido, não teriam crucificado o Senhor da glória.

Todos os governantes do mundo crucificaram Cristo (não menciona Pilatos). A crucificação de Cristo é um fenómeno intemporal e sem localização no espaço.

Gálatas 2:20 Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.

Paulo queria dizer que estava literalmente preso a uma cruz? Claro que não! Mais uma vez só lhe interessa o simbolismo.

Gálatas 3:1 ó insensatos gálatas! quem vos fascinou a vós, ante cujos olhos foi representado Jesus Cristo como crucificado?

Paulo não está a insinuar que os gálatas (da Galácia, actualmente pertencente à Turquia) presenciaram uma crucificação literal de Jesus.

Gálatas 5:24 E os que são de Cristo Jesus crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.

Mais uma vez, Paulo diz que os convertidos cristãos, crucificaram a velha personalidade.

Gálatas 6:14 Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo.

O mundo foi crucificado, assim como o próprio Paulo, mas em campos opostos.

Romanos 8:17 e, se filhos, também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo; se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados.

O Cristo é um modelo para o crente e o seu sofrimento serviu para qualquer um se tornar filho de Deus e ser glorificado.



Para concluir: em nenhum dos textos de Paulo sobre a crucificação de Cristo se encontram vestígios do Jesus Nazareno.


sexta-feira, 1 de março de 2013

Paulo - O Cristo não Demora Nada





A primeira carta de Paulo à igreja de Tessalónica é considerada como um dos mais antigos escritos cristãos que sobreviveram até aos dias de hoje. É, tal como as demais cartas de Paulo, anterior aos evangelhos. O conteúdo de 1ª Tessalonicenses é geralmente considerado genuíno e atribuído a Paulo, o fundador de muitas igrejas cristãs.


1ª Tessalonicenses - à espera de Cristo para breve

Nesta carta, Paulo conforta os seus leitores com a esperança de que Cristo os virá buscar ainda durante a sua vida, apesar de alguns deles já terem morrido:
1 Tessalonicenses 4:13-18 Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança. Porque, se cremos que Jesus morreu e ressurgiu, assim também aos que dormem, Deus, mediante Jesus, os tornará a trazer juntamente com ele. Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, de modo algum precederemos os que já dormem. Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande brado, com voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos seremos arrebatados juntamente com eles, nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras.

É possível que Paulo tenha fundado esta comunidade em Tessalónica, uns anos antes de escrever esta carta. Esta igreja, tal como outras, terá sido fundada com a mensagem de que o Cristo iria aparecer brevemente, muito brevemente. Entretanto passaram alguns anos e, naturalmente, alguns dos membros desta comunidade morreram entretanto...

Paulo continua a sua exposição, indicando que este evento iria suceder de surpresa, sem nenhum sinal a avisar com antecedência:
1 Tessalonicenses 5:2 porque vós mesmos sabeis perfeitamente que o dia do Senhor virá como vem o ladrão de noite;

Os sucessores de Paulo, mais tarde, devem ter sido obrigados a abandonar esta doutrina por se tornar insustentável à medida que mais fiéis iam envelhecendo e morrendo sem nada de extraordinário acontecer.

Por outro lado, Paulo diz que aguarda Jesus descer dos céus "com grande brado... ao som da trombeta de Deus", mas Paulo nunca diz como é que Jesus subiu aos céus. Como é que Jesus vai descer, se Jesus não subiu ao céu depois de ressuscitar? Pelo menos Paulo não conta que Jesus subiu ao céu em 1 Coríntios 15.

Paulo nunca fala de uma ascensão de Cristo porque crê que Jesus ainda não saiu do céu: Jesus fez-se carne, morreu e ressuscitou e tudo isso aconteceu nos céus. Paulo está à espera que Cristo desça pela primeira vez.


2ª Tessalonicenses - afinal o Cristo demorará

A 2ª Carta aos Tessalonicenses é claramente uma fraude (usurpação da identidade de Paulo); caso contrário teríamos de considerar a primeira e muitas outras como fraude. Nesta carta, numa flagrante inversão, o autor tenta provar que a primeira é uma fraude para desacreditar os seus conteúdos.

Em primeiro lugar, o autor tenta convencer o leitor de que a primeira carta não foi escrita por Paulo ou que, pelo menos, andariam a circular cartas de autoria falsificada (“epístola como enviada por nós”):
2 Tessalonicenses 2:1-3 Ora, quanto à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com ele, rogamos-vos, irmãos, que não vos movais facilmente do vosso modo de pensar, nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola como enviada de nóscomo se o dia do Senhor estivesse já perto. Ninguém de modo algum vos engane; ...


Em segundo lugar, o autor desacredita a doutrina de que Cristo viria brevemente e de surpresa. Contrariamente à doutrina da primeira carta, o Cristo iria demorar e antes haveria um período de grandes tormentos para os crentes pela “presença de Satanás” (2 Tessalonicenses, capítulo 2).
Em terceiro lugar, muitos dos conteúdos da primeira carta repetem-se na segunda, como se fosse intenção do autor reescrever a primeira carta à luz de uma interpretação posterior.

Finalmente, o autor exprime que só as cartas “assinadas” por Paulo é que eram as verdadeiras:
2 Tessalonicenses 3:17 Esta saudação é de próprio punho, de Paulo, o que é o sinal em cada epístola; assim escrevo.

A Primeira Carta aos Tessalonicenses não tem esta “assinatura” de Paulo, mas tem o estilo, o calor pessoal e intimidade (com os leitores) que se encontram no conjunto das cartas consideradas genuínas.


1ª Tessalonicenses
2ª Tessalonicenses
O Cristo virá brevemente.
O Cristo ainda demorará.
O Cristo aparecerá de surpresa
Antes de o Cristo vir acontecerão coisas assinaláveis
-
O autor adverte que existem cartas falsas em seu nome
-
O autor assina a carta no final com o nome Paulo e diz que é assim que as cartas autênticas devem estar


A principal conclusão é que as duas cartas são contraditórias, por isso é um absurdo ambas fazerem parte do Novo Testamento.



1ª Tessalonicenses - o anti-semitismo inserido

Um problema que se coloca em 1ª Tessalonicenses é sobre a autoria de três versículos claramente anti-semitas (1 Tessalonicenses 2:14-16). Vejamos o contexto:
1 Tessalonicenses 2:13-18 ... Por isso nós também, sem cessar, damos graças a Deus, porquanto vós, havendo recebido a palavra de Deus que de nós ouvistes, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo ela é na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós que credes. [ Pois vós, irmãos, vos haveis feito imitadores das igrejas de Deus em Cristo Jesus que estão na Judeia; porque também padecestes de vossos próprios concidadãos o mesmo que elas padeceram dos judeus; os quais mataram ao Senhor Jesus, bem como aos profetas, e a nós nos perseguiram, e não agradam a Deus, e são contrários a todos os homens, e nos impedem de falar aos gentios para que sejam salvos; de modo que enchem sempre a medida de seus pecados; mas a ira caiu sobre eles afinal. ] Nós, porém, irmãos, sendo privados de vós por algum tempo, de vista, mas não de coração, tanto mais procuramos com grande desejo ver o vosso rosto; pelo que quisemos ir ter convosco, pelo menos eu, Paulo, não somente uma vez, mas duas, e Satanás nos impediu.

Nos versículos suspeitos (assinalados entre parentesis rectos) Paulo estaria a dizer o seguinte:
-          os judeus mataram Jesus e os profetas;
-          os judeus não agradam a Deus;
-          os judeus são contrários a todos os homens;
-          os judeus perseguiam os cristãos da Judeia;
-          os judeus impediam os gentios (não judeus) de se tornarem crentes;
-          até que finalmente a ira de Deus caiu sobre eles;


Tudo isto não é nada provável de ser dito por um judeu, pois Paulo seria judeu. Para além disso, “a ira de Deus que caiu sobre eles” só pode ser entendida como a destruição de Jerusalém em 70 EC, muito depois desta carta ter sido escrita, e, nessa altura, Paulo já teria morrido e não teria assistido a esta “ira de Deus”.

Presumindo que se trata de uma inserção posterior, vejamos como é que seria o texto sem a suposta inserção:
1 Tessalonicenses 2:13-18 ... Por isso nós também, sem cessar, damos graças a Deus, porquanto vós, havendo recebido a palavra de Deus que de nós ouvistes, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo ela é na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós que credes. [ ... ] Nós, porém, irmãos, sendo privados de vós por algum tempo, de vista, mas não de coração, tanto mais procuramos com grande desejo ver o vosso rosto; pelo que quisemos ir ter convosco, pelo menos eu, Paulo, não somente uma vez, mas duas, e Satanás nos impediu.

Parece que não se nota a falta dos versículos anti-semitas.