sábado, 5 de maio de 2012

Evangelhos Canónicos






Quais são os evangelhos canónicos?

São os primeiros quatro livros do Novo Testamento, com designações abreviadas de Mateus, Marcos, Lucas e João. Foram aqueles autorizados pela Igreja Católica a pertencer ao conjunto de 27 textos que hoje compõem o Novo Testamento. O grande mentor deste cânon, ou selecção, foi talvez o bispo Atanásio de Alexandria, no século IV EC.

Estes quatro livros têm em comum o objectivo de descreverem a pessoa, missão e obra de Jesus Cristo. Nestes livros encontramos as seguintes descrições e narrativas sobre Jesus Cristo:
-          nascimento ou dados sobre a sua origem;
-          baptismo;
-          viagens, discursos públicos e conversas privadas;
-          curas e exorcismos;
-          transfiguração e milagres;
-          última ceia e a eucaristia;
-          traição, captura, julgamentoexecução e sepultamento;


Apesar de hoje observarmos os quatro evangelhos compilados num compêndio chamado Novo Testamento, não foi sempre assim. Durante décadas os evangelhos circularam como obras independentes.


Os autores

Os evangelhos canónicos foram, à partida, escritos anónimos. Os seus autores não fizeram nenhum esforço para serem reconhecidos, não se identificando em nenhuma parte do texto que escreveram.

De facto, não existem episódios ou passagens relatados na primeira pessoa. Ora, se os autores tivessem a intenção de descreverem acontecimentos de um passado recente, teriam usado construções frásicas do tipo “Eu vi...” ou “Fulano viu e contou-me que...”. É provável que estes autores tivessem apenas a intenção de escrever sobre um sistema de ensinamentos e não de relatar acontecimentos do seu tempo, por isso não lhes pareceria necessário nem apropriado identificarem-se ao longo das suas composições.

Os escritos circulavam sem o título que actualmente ostentam (Evangelho Segundo ...). A autoria foi atribuída, pela tradição, muito depois de estarem escritos, aos seguintes autores, segundo a ordem em que figuram no Novo Testamento:

-          Mateus – teria sido escrito pelo apóstolo Mateus, o cobrador de impostos. Antes de ser conhecido como o Evangelho Segundo Mateus deveria ser conhecido como o “livro da genealogia de Jesus”, que é a frase inicial do texto.

-          Marcos – o autor seria um companheiro de viagens do (auto-proclamado) apóstolo Paulo, que alegadamente teria registado as memórias do apóstolo Pedro. O livro deveria ser conhecido como o “livro das boas novas de Jesus”.

-          Lucas – teria sido escrito por um médico que convivia de perto com Paulo. O autor parece escrever especificamente para alguém chamado Teófilo, mostrando que talvez não tinha a intenção de escrever para uma audiência alargada. A tradição indica também que o mesmo autor escreveu o livro dos Actos dos Apóstolos.

-          João – o autor não se identifica mas designa-se misteriosamente como o “discípulo que Jesus amava”. A tradição atribui a autoria ao apóstolo João. Este livro talvez fosse conhecido como “a palavra” (gr. logos), pois é o tema de abertura do livro. A tradição atribui a este autor também a escrita do livro Revelação (Apocalipse).


Como não existe certeza de quem foram os autores reais dos evangelhos canónicos, vamos chamar de “Mateus” ao autor do Evangelho Segundo Mateus e, também “Marcos”, “Lucas” e “João” aos outros autores, respectivamente do segundo, terceiro e quarto evangelho. Do mesmo modo, vamos utilizar as designações abreviadas de Mateus, Marcos, Lucas e João nas referências às obras escritas.


Fontes para os autores

Antes de começar a escrever, o autor de um texto tem de recolher informação. Em qualquer processo de recolha de informação, as fontes utilizadas podem ser as seguintes:
-          o testemunho ou observação directa;
-          a ficção ou criatividade;
-          o relato, oral ou escrito, de outras fontes; por sua vez, estas fontes podem ser ou testemunhas directas ou usar a sua criatividade ou, então, obter ainda de outras fontes... e assim por diante...

Ora, os autores dos evangelhos tiveram que começar por fazer uma recolha de informação. A tradição da Igreja, há muito que incute a ideia de que cada evangelho foi escrito de forma independente, como se os vários autores tivessem relatado um conjunto de factos sem terem trocado informação entre si, insinuando que os autores ou presenciaram directamente os factos ou tiveram acesso a testemunhas dos factos.

Esta insinuação tira proveito do seguinte princípio: se um conjunto de factos é relatado independentemente por mais de uma testemunha então há grande probabilidade destes factos serem verdadeiros.

Mas, na hipótese de ser correcta a tradição sobre a autoria dos evangelhos bem como sobre a autoria das treze cartas atribuidas a Paulo (catorze, se considerarmos Hebreus), isto implicaria que Paulo, um homem que nunca conheceu Jesus fisicamente, seria o responsável directo ou indirecto pela maior parte dos textos do Novo Testamento, incluindo os seguintes:

-          as treze cartas de autoria atribuida ao próprio Paulo (mais a Carta aos Hebreus, que algumas correntes tradicionais atribuem a Paulo);

-          dois evangelhos que descrevem a vida física de Jesus, Marcos e Lucas, escritos por autores que nunca viram Jesus e que eram companheiros de Paulo;

-          um livro sobre a vida dos apóstolos, Actos dos Apóstolos, escrito pelo mesmo autor que escreveu Lucas;


Ou seja, se a tradição estivesse correcta em relação aos autores de Marcos, Lucas, Actos e das treze cartas (mais a Carta aos Hebreus), teríamos uma grande dependência entre os vários autores. Portanto a perspectiva tradicional falha na questão da independência dos autores. 


Livros/Cartas
Autor segundo a tradição
Autor segundo o texto
Apóstolo Mateus
Anónimo
Marcos, um companheiro de Paulo
Anónimo
Lucas, um companheiro de Paulo
Anónimo
Apóstolo João
Anónimo
Lucas, um companheiro de Paulo
Anónimo, companheiro de Paulo
Paulo, apóstolo
Paulo, apóstolo
Paulo, apóstolo
Anónimo
Apóstolo Pedro
Pedro, apóstolo
Apóstolo João
Anónimo (“o idoso”)
Tiago, irmão de Jesus
Tiago
Judas, irmão de Jesus
Judas
Apóstolo João
João de Patmos


Por outro lado, encontramos nos textos de Mateus, Marcos e Lucas frases muito semelhantes interpoladas com material realmente original (que só encontramos num dos textos). Isso significa que vários autores basearam o seu relato no de outrém, apenas acrescentando, subtraindo ou modificando detalhes. Ou seja, os vários relatos não seriam independentes mas sim baseados num único original.

Só o texto de João apresenta uma quantidade apreciável de conteúdo único que não se repete nos outros. Por isso, alguns peritos nestes assuntos começaram a classificar os evangelhos do Novo Testamento da seguinte forma:

-          sinópticosMateus, Marcos e Lucas – porque podiam ser comparados em colunas lado a lado;

-          João – as fontes de informação usadas para a composição de João são claramente exclusivas, únicas, tendo pouco em comum com os outros três.


Portanto, podemos agrupar os primeiros três evangelhos e fazer uma análise comparativa, porque estes tratam dos mesmos temas. Quando referidos em conjunto, estes três evangelhos são designados por “evangelhos sinópticos”.